07
de agosto de 2013 | N° 17515
LUCIANO ALABARSE
O felino da mureta
Miau
Alabarse entrou na minha vida pela porta da frente, sem maiores explicações. Na
primeira noite que o vi, imóvel na mureta do portão, me olhou e não se mexeu. Registrei
sua presença insólita e, morto de sono, fui direto para a cama. Na manhã seguinte,
nenhum sinal dele.
Mas
me esperou, pela segunda noite consecutiva, na mesma mureta da entrada. Ronronou
na minha direção, e lhe sorri antes de entrar. Na terceira noite, como Richard
Gere no filme do cachorro, peguei-me pensando se estaria lá me esperando. Estava.
Ao me ver, saltou da mureta e, sem entabular a mínima negociação, entrou em
minha casa, de onde nunca mais saiu.
Minha
mãe sempre teve problemas com gatos, um bicho proibido para toda a família, que
aceitou sem discutir a determinação materna. Eu não sabia o que fazer com ele,
mas Adriana Calcanhotto, que sabe tudo sobre felinos, veio em meu socorro e me
ajudou a decifrar seu comportamento inicialmente enervante, suprindo minha
ignorância com muitos conselhos. Mas me recusei a pegá-lo pelo cangote. Expliquei-lhe
que isso me seria impossível, e ele aparentemente aceitou meu jeito desajeitado.
Às
vezes, o chamo de “meu filho” e, quando me dou conta, me sinto meio ridículo. Mas
não me sinto nada ridículo em gostar e tratar bem animais domésticos, prática
que atualmente merece, para desagrado de muitos, a atenção e o cuidado de
algumas prefeituras municipais.
Uma
vez, na Ipiranga, vi um homem descer de sua carroça e chicotear seu cavalo, que
caiu na avenida, exausto. Se outros não tivessem feito, eu mesmo teria voado em
cima da fuça daquele senhor. Recebi uma Palmira Gobbi de frente e compreendi,
na carne e na alma, que zelar pelos bichos do planeta é uma inescapável tarefa
humana.
Cachorros
tive muitos e, ainda hoje, tenho o Cacau, um labrador de 13 anos que está firme
e serelepe. Meu Édipo canino nem parece o cão que, em uma briga sangrenta,
matou o pai disputando a mãe, pois aceita o novo integrante do clã com uma
indiferença quase afetuosa. Gatuço, que é como chamo Miau nas intermináveis
vezes em que acordo meus vizinhos atrás dele, é um rueiro de carteirinha. Laranja
como Garfield (e mais bonito, sem dúvida), tem olhos amarelos e é um dorminhoco
assumido que me acorda, invariavelmente, às seis da manhã.
Troco
e-mails com minha amiga Martha Medeiros sobre nossos gatos. Nero, o gato da
Martha, caiu de uma janela do sétimo andar, machucou uma costela, mas saiu
andando, num dia em que, segundo ela, perdeu cinco das suas sete vidas. Começando
o terceiro ano de nossa surpreendente convivência, zelo com unhas e dentes por
todas as vidas a que o meu bichano tem direito.