sábado, 1 de março de 2014

RUTH DE AQUINO
25/02/2014 07h00 - Atualizado em 25/02/2014 07h54

O bronco ao lado

É irresponsável dar força aos rompantes de Maduro. O sangue da Venezuela pode manchar o Brasil

A Venezuela contraria o ditado popular segundo o qual “a grama do vizinho é sempre mais verde”. Todos os erros primários possíveis, na política e na economia, são cometidos pelo homem ao lado, o presidente venezuelano Nicolás Maduro, ex-motorista de ônibus, herdeiro brutamontes e clone piorado de Hugo Chávez, morto há um ano.

Maduro manda invadir sede de partido opositor, prende adversários políticos, expulsa diplomatas estrangeiros, adultera documentos oficiais, reprime a imprensa local e internacional, corta a internet, dá carta branca para a polícia atirar em manifestantes, insufla os “colectivos” (milícias civis armadas) contra os “jovens fascistas”. Sem se deixar intimidar, os jovens gritam nas ruas, vestidos de branco: “Maduro, covarde, assassino de estudantes”. Outra palavra de ordem: “É preciso estudar. Quem não estuda fica igual a Nicolás”.

O mais grave na Venezuela nem é o número de mortes. É natural que o tiro na cabeça de uma Miss Turismo tenha sido uma bomba no pé de Maduro. Génesis Carmona tinha 22 anos, era linda, patriota e aparentemente inofensiva. Foi a quinta pessoa a morrer nas últimas manifestações. A foto de Génesis, carregada por um amigo numa moto, inerte, os cabelos ao vento, ainda com a bolsa pendurada, rodou o mundo e reforçou a antipatia contra o governo incompetente e truculento de Maduro.

O mais grave são os conhecidos motivos dos protestos. Inflação, insegurança urbana, desigualdade, preços escorchantes, escassez de mercadorias, péssimos serviços, entre eles o transporte, abusos policiais. Soa familiar. Mas não dá para comparar o Brasil à Venezuela. Nossa grama é muito mais verde. A inflação de Maduro chegou a 57%. O dólar paralelo passou de 20 bolívares para 70 em um ano. Mais que triplicou. Para comprar um óleo de cozinha, as filas das famílias viram a esquina. E há racionamento, bem ao estilo dos regimes de exceção falidos, ou de tempos de guerra.

Maduro goza de muito menos apoio que Dilma. A Venezuela está rachada ao meio. Na eleição do ano passado, Maduro venceu com 50,6% dos votos válidos, contra 49,12% de Henrique Capriles, o líder oposicionista moderado que advoga contra a violência de todos os lados. Capriles é menos teatral e menos festivo que Leopoldo López, preso com o punho para o alto semana passada.

Talvez por ter sido eleito com margem tão ínfima, Maduro se apoie em organismos com métodos típicos de uma ditadura. Um deles é o Centro Estratégico de Segurança e Proteção à Pátria (Cesspa). Outro é o Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin), que disparou nas ruas armas de guerra. E os grupos paramilitares, parapoliciais e coletivos chavistas. Essa estrutura serve a ditaduras de esquerda ou de direita, tanto faz. Não combina com uma democracia.

O espantoso é que o Brasil de Lula/Dilma seja tão condescendente com a Venezuela de Chávez/Maduro. Um vizinho tão rico em petróleo, que deixa a economia se escrachar desse jeito e abre fogo contra manifestações populares, não pode ser adotado pelo Brasil como um amiguinho coitadinho. A nota do Mercosul, assinada pelo governo Dilma, é um erro diplomático de dimensões continentais. Imagino que o tom mude rápido para reabilitar nossa política externa.

Crescem na Venezuela os relatos apavorantes de tortura a jovens civis, como Jorge Luís León, de 25 anos: “Foram tantos golpes que me fingi de morto, para que me levassem ao Instituto Médico-Legal (IML). Para comprovar que estava mesmo morto, me cutucaram com um fuzil no ânus. Me mexi e levei outro chute”.

Em nenhum momento, Dilma acusou os jovens manifestantes brasileiros de tentativa de golpe ou “ruptura da ordem democrática”. O discurso de Dilma em setembro do ano passado teve um clima de mea-culpa. Falou em “humildade e autocrítica”. Disse que o país “tem problemas urgentes a vencer, e a população tem todo o direito de se indignar com o que existe de errado e cobrar mudanças”. Você pode confiar ou desconfiar da presidente. Você pode lembrar que nossas maiores tragédias sociais persistem após 11 anos de governo do PT. Você pode temer pelo futuro próximo do Brasil, após a eleição. Mas as aspas são irretocáveis.

É muita irresponsabilidade dar força aos rompantes de Maduro. O sangue na Venezuela pode respingar no Brasil. Nem um pouco conveniente em tempos pré-Copa. Dilma disse que pode convocar 21 mil homens das Forças Armadas para garantir a paz em junho e julho.


Uma guerra civil no país vizinho, com a bandeira brasileira tremulando junto à venezuelana, seria a pior propaganda para o “país do futebol”. Nem turistas nem investidores sairão de suas zonas de conforto para arriscar o bolso ou o pescoço. Uma bronca bem dada no bronco ao lado redimiria parcialmente o Brasil.