08
de julho de 2014 | N° 17853
O
JOGO HOJE
O JOGO HOJE BRASILEIROS DO LADO DE
LÁ
POR
TRÁS DA sisudez alemã, sempre houve jogadores habilidosos
Você
não vai se lembrar dele. Bernd Schuster. Um loirinho de bigode que jogou no
Barcelona e nos dois times de Madri. Era craque. Não fez grande carreira na
seleção alemã por ser temperamental. Tinha problemas com o maior lateral-esquerdo
do mundo, Paul Breitner. E, certa feita, recusou-se a se apresentar para um
amistoso logo depois do nascimento de um de seus filhos. Desde aquele episódio,
deixou de ser convocado. Isso foi lá pelos anos 80.
Schuster
fazia lançamentos de 60 metros
com a precisão de um Rivellino e batia faltas da entrada da área com a perícia
de um Zico. Era dono de uma habilidade desconcertante. Dizia-se, na época, que
fora dotado pela natureza de uma habilidade “brasileira”, diferente da característica
cintura dura dos alemães.
E é aí
que está o engano, ledo, porém engano. Os alemães sempre formaram seleções
disciplinadas e aguerridas, mas também recheadas de jogadores habilidosos, a
ponto de se darem o luxo de não chamar um craque como Schuster.
A
seleção alemã sempre foi “brasileira”.
Assim
como Schuster tinha algo de Zico e Rivellino, o já citado Paul Breitner jogava
com a habilidade de um Junior, tanto que, como Junior, foi promovido a meio-campista
no fim da carreira. Outro inimigo de Schuster, o atacante Rummenigge, era um
Roberto Dinamite na força e na capacidade de conclusão. Só que o antecessor de
Rummenigge, Gerd Müller, foi melhor do que ele e Roberto; Gerd Müller foi um
Ronaldo Nazário, um goleador perfeito, com média superior a um gol por partida
na seleção. Gerd Müller, aliás, só foi batido em número de gols na Copa
exatamente por Ronaldo, que, agora, foi alcançado por outro alemão, Klose.
A
seleção alemã só não participou de todas as Copas, como o Brasil, porque ficou
de fora, ironicamente, da primeira Copa brasileira, em 1950, quando o Estado
alemão estava esfacelado pela II Guerra Mundial. Em compensação, participou
duas vezes de uma única Copa, ironicamente, a que jogou em casa e venceu, em 1974,
representada pelas Alemanhas Ocidental e Oriental.
Talvez
a imagem de durona da seleção alemã venha da Copa da Suíça de 1954. Naquela
Copa, a seleção húngara era mais do que favorita: era considerada imbatível. Com
carradas de razão: os chamados “Mágicos Magiares”, entre eles Ferenc Puskas,
Zoltán Czibor e Sándor Kocsis, estavam invictos havia quatro anos e 32 jogos,
foram os primeiros a vencer a Inglaterra em Wembley (e por 6 a 3) e golearam todos os adversários na
Copa, inclusive Brasil (4 a
2) e Alemanha (8 a 3).
Além de técnica apurada e preparo físico diferenciado, os magiares tinham uma
arma secreta: faziam aquecimento. Assim, entravam em campo voando e, nos
primeiros 10 minutos, marcavam pelo menos dois gols.
No
dia da final não foi diferente. Em menos de oito minutos, os húngaros venciam
por 2 a 0. Aí os
alemães começaram a reagir. Há muitas teses sobre aquele jogo, conhecido na
história do futebol como “o milagre de Berna”.
Uns
dizem que a inacreditável virada dos alemães em 1954 aconteceu porque eles
jogavam com chuteiras com travas de metal, apropriadas para o campo embarrado
de Berna. Outros juram que a Alemanha usou o chamado “doping natural”, o que
hoje é conhecido como autohemoterapia: o médico teria tirado sangue das veias
dos jogadores e injetou-o nos músculos, o que lhes daria forças extraordinárias.
OS
ALEMÃES AMAM O FUTEBOL DAQUI
Na
verdade, não foi nada disso. Na verdade, a Alemanha tinha Fritz Walter. Esse
Fritz Walter, embora não fosse nazista, lutou na II Guerra Mundial, foi preso
pelos russos e arrastado para um gulag.
Lá,
seu destino seria morrer de frio e de fome, mas um soldado húngaro que vigiava
o campo já havia visto um jogo dele, e o reconheceu. Como o admirava, ajudou-o
a fugir. Walter salvou-se graças a um húngaro e, em 1954, entrou em campo para
enfrentar os húngaros. Foi graças principalmente a seu sangue frio, sua liderança
e sua técnica que a Alemanha, aos 39 do segundo tempo, fez 3 a 2, e levou a taça. Fritz Walter, meia
habilidoso, goleador e líder, era uma espécie de Sócrates com título mundial.
Tão
lendário quanto o capitão Walter foi o capitão Franz Beckembauer, o “Kaiser”. De
Beckembauer dizia-se que não sabia qual era a cor da grama, porque jogava
sempre de cabeça levantada. Mais ou menos o que se dizia de Didi, o “Príncipe
Etíope”, que se orgulhava de jamais ter pisado na bola, porque sempre tratou-a
com carinho de amante.
Não é
à toa que a seleção da Alemanha, hoje, na semifinal, vai jogar com a camisa do
Flamengo. Os alemães amam o futebol brasileiro. E, à sua maneira, jogam
parecido. Essa tarde, as duas maiores seleções do mundo pisarão no gramado do
Mineirão. É um duelo lendário. Um clássico imortal. De dois estilos que parecem
diferentes, mas que têm muito em comum. Um duelo do qual qualquer um pode sair
vencedor.
DAVID
COIMBRA