sexta-feira, 9 de janeiro de 2015


09 de janeiro de 2015 | N° 18037 
MOISÉS MENDES

Estupidez e humor

O cinema americano mostrou, durante um bom tempo, os racistas da Ku Klux Klan ensacados naquelas ridículas roupas brancas. A mais recente aparição pode ter sido em Django Livre, de Tarantino, dois anos atrás.

O filme trata a KKK como um monte de idiotas. Contra a imbecilidade, o humor. Mas não pense que os perseguidores de negros viraram apenas as caricaturas do escracho de Tarantino. Li na semana passada que a Ku Klux Klan tem núcleos ativos em 41 dos 50 Estados americanos.

A intolerância prospera. Na Alemanha, a islamofobia se alastra em passeatas de rua. A sigla da aversão a muçulmanos é Pegida, ou Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente.

Imagine tudo isso potencializado, como xenofobia, desconfiança e medo, depois do atentado terrorista que matou os chargistas do jornal Charlie Hebdo.

Qual é o sentimento de um muçulmano com filho pequeno na escola? Como as outras crianças passarão a olhar os filhos de imigrantes islâmicos, mesmo que tenham nascido na Europa? Como ficarão as relações no trabalho, nos afetos, na universidade?

Os assassinatos nos empurram para um debate que não interessa apenas a europeus e americanos – e, claro, aos discriminados.

A universidade, os pensadores, o jornalismo poderiam ir fundo na suspeita de que germinam no Brasil ódios da mesma laia. Ou você acredita que os policiais militares neonazistas (inclusive um coronel comandante) flagrados em conversas assustadoras no Rio estejam sozinhos?

Ou você acha que é ingênua e inocente a recente pregação contra nordestinos? A xenofobia pós-eleição chegou a ser relevada – como Tarantino tratou a KKK –, em algumas abordagens, como algo quase folclórico.

O massacre em Paris complica a vida dos muçulmanos e instiga os que estão prontos para institucionalizar em toda parte o discurso e as ações anti-Islã e anti-imigrantes, misturados a preconceitos contra negros, índios, gays, pobres.

A estupidez usa os mais variados disfarces para estabelecer seus próprios limites.

Por tudo isso, desde ontem as livrarias deveriam exibir na porta, em pedestal, Humor é Coisa Séria, do psicanalista Abrão Slavutzky, editado no ano passado pela Arquipélago Editorial.

Para que se entenda por que, em meio à morte, o humor continua sendo um jeito de não morrer.