RUTH DE AQUINO
09/01/2015 20h30
Criticar a roupa de Dilma é
machismo?
Se eu falar do cabelo armado Mao
Tsé-Tung de Dilma, além de machista serei considerada fascista e fútil
A posse de Dilma Rousseff e seu
megaministério medíocre quase passaria em branco ou “nude” (cor da pele) se não
fosse a histeria em torno do vestido de renda da presidente e sua falta natural
de elegância. Primeiro, veio o humor. Comparava-se o vestido de Dilma a toalhas
rendadas de mesa artesanais e regionais. Comentou-se sua escolha inadequada de
vestuário. E também seu andar desajeitado. Até aí, era a irreverência normal
das redes.
Uma irreverência útil a Dilma,
pois tirava o foco de um bando de 39 ministros – a maioria inexpressivos,
alguns com passado nebuloso e condenável –, escolhidos a dedo para compor o
toma lá dá cá indecoroso de Brasília. Uma irreverência que nunca atingiu a
presidente. Ao contrário. O folclore e a sátira são absorvidos por qualquer
líder minimamente inteligente. Dilma adora o blogueiro criador da Dilma Bolada
– sabe, aquela personagem que fala palavrões pesados a torto e a direito.
Cx?%&*alho, P x?%&*rra. Dilma nunca ficou bolada. Tudo estava dentro do
roteiro, menos, claro, o vestido de pamonha da Kátia Abreu.
De repente, a patrulha
fundamentalista petista armou-se de Kalashnikovs e passou a fuzilar
grosseiramente quem fizera troça do “vestido da presidenta”. Os maiores alvos
foram as colunistas mulheres. São mulheres fúteis que “internalizaram o
machismo”. Que odeiam mulheres no poder e, por isso, se comportam como os
piores machos da espécie. Só não acho uma tolice essa reação desproporcional e
rude porque ela é, na verdade, um perigo. A censura contra o humor e a
liberdade de expressão começa assim.
Para alguns fanáticos da estrela
vermelha, Dilma é como Maomé. Intocável. Irrepreensível. Acima do bem e do mal.
Nem ela se acha assim. O episódio do vestido de renda revelou que querem
transformar Dilma em Evita, a santa. Na Argentina, Cristina Kirchner é muito mais
visada por cartunistas e humoristas. E também os kirchneristas acusam de
machistas as mulheres jornalistas que ousam criticar a maquiagem medonha de “la
presidenta”.
Aqui, em minha coluna, já
critiquei o Botox exagerado de Aécio Neves, o implante capilar do presidente do
Senado, Renan Calheiros, o cabelo precocemente acaju do imperador do Maranhão
José Sarney, a barriga pronunciada que quase arrebenta os botões dos ternos dos
parlamentares, a deselegância de muitos. Ninguém me chamou de machista. Mas, se
eu falar do cabelo armado Mao Tsé-tung de Dilma, serei machista, porque sou
mulher, ela é mulher e, portanto, somos “sisters”. Não, não somos sisters.
Somos pessoas. No caso de Dilma, além de machista serei fascista e fútil, uma
combinação inacreditável.
As mais ofendidas foram duas
jornalistas, Cora Rónai e Miriam Leitão. Não recebi procuração de nenhuma das
duas para defendê-las, elas não precisam, até porque o lixo histérico nas
redes, destituído de humor ou sutileza, era tão malcheiroso que só poderia
depor contra os irados. O besteirol se revestiu de um tom mais sério e perigoso
quando um teólogo, Leonardo Boff, que sempre admirei, publicou em seu perfil no
Twitter: “Se Miriam Leitão e Cora Rónai se olhassem no espelho, teriam mil
razões para não falar mal da roupa e do estilo da Presidenta” .
Primeiro, duvidei que fosse ele,
há tanta mentira na internet. Achei que o teólogo tivesse contratado um
estagiário que escrevera asneiras em seu nome. Mas, depois, percebi que
Leonardo Boff tinha ficado pessoalmente ofendido com as críticas ao visual
“nude” de Dilma. E Boff diz: “Há 30 anos me ocupo com a questão de gênero”.
Ora, Boff, questão de gênero é
constatar que as mulheres ainda são discriminadas por ganhar menos, por não
dispor das creches prometidas e por morrer em clínicas clandestinas de aborto.
Outra de Boff: “Causa-me espanto que mulheres jornalistas se rebaixem tanto e
percam a compostura ao fazer críticas das roupas da Presidenta”. O teólogo acha
condenável “desrespeitar assim a Presidenta”. Nem com lupa enxerguei
desrespeito – nada diferente do que se faz normalmente com líderes homens, no
Brasil e no exterior.
É possível criticar porque
estamos numa democracia. E as críticas a um líder nacional ou internacional,
que envolvam discurso, comportamento dentro e fora do Palácio, escolha de
equipe ou aparência, não podem ser consideradas um desrespeito. A não ser em
ditaduras de qualquer coloração, onde o Grande Líder jamais pode ser
contestado. No Brasil, diz Cora, “querem blindar Dilma porque é mulher, avó,
tem 67 anos, como se estivéssemos falando de Dona Benta ou Tia Nastácia e não
de uma das pessoas mais poderosas do país”.
Até o humor passa a ser uma
ameaça. O limite para o humor nós presenciamos dolorosamente em Paris. Já tem
gente engajada dizendo nas redes: “Quem mandou o Charlie Hebdo desrespeitar o
profeta?”.