sexta-feira, 8 de maio de 2020


08 DE MAIO DE 2020
EDUARDO BUENO

A culpa é da imprensa


Foi em 86 que a coisa começou. Convicto de que a causa era nobre e as injustiças flagrantes, o voluntarioso militar decidiu tomar uma atitude, por mais intempestiva - e ilegal - que ela pudesse ser. Não optou por ferro e fogo: em vez do fuzil, preferiu manipular as palavras. Mas o recado foi claro: os soldos eram baixos, a tropa estava inquieta, as pressões eram muitas. O Brasil desprezava seus quartéis. Um governo civil sempre seria incapaz de entender agruras da caserna, as angústias da soldadesca. Onde a insatisfação iria desembocar?

Era preciso dar um basta!

A gota d?água partira, como sempre, do parlamento. O projeto proposto pelo Marquês de Paranaguá era inaceitável: a contribuição obrigatória para o montepio dos militares configurava um abuso, uma ingerência, uma expropriação nos soldos já tão vis. Um repetição, aliás, do "pavoroso egoísmo, fundamentalmente impatriótico da classe política", que, durante a Guerra do Paraguai, "se refestelava enquanto o sangue brasileiro vertia aos jorros".

Foi justo esse o trecho mais explosivo do manifesto que o tenente-coronel Antônio de Senna Madureira fez publicar em jornais da Corte. Mas a questão é que a lei vetava aos militares a prerrogativa de se manifestar através da imprensa - e Senna Madureira foi punido com prisão administrativa. No ano seguinte, ao homenagear o jangadeiro Francisco do Nascimento, o Dragão do Mar, que se recusara a transportar escravos, foi punido outra vez e transferido do Rio para Rio Pardo.

No Sul, Senna Madureira aproximou-se do incendiário Júlio de Castilhos, dono do jornal A Federação, ferrenho porta-voz do movimento republicano. Então, em 3 de setembro de 1886, usou o jornal para defender o capitão Cunha Matos, que denunciara um caso de corrupção em quartéis e também fora punido. Quando o ministro da Guerra determinou nova punição a Senna Madureira, Deodoro da Fonseca, então presidente do Rio Grande do Sul, recusou-se a cumprir a ordem. Júlio de Castilhos escreveu então o artigo que foi como "fósforo no paiol de pólvora". Deodoro foi afastado do cargo e transferido para Mato Grosso. De passagem pelo Rio de Janeiro, fundou o Clube Militar, do qual virou o primeiro presidente.

Ao raiar do dia 15 de novembro de 1889, o marechal saiu da cama. E deu no que deu.

Quase um século depois, em 3 de setembro de 1986, um obscuro capitão do Exército, que servia em Deodoro, no Rio, publicou na revista Veja um artigo com o título "O salário está baixo". Foi preso por 15 dias. Em 1988, acusado de planejar ataques a bomba, Jair Messias Bolsonaro foi mandado para a reserva. Elegeu-se vereador em novembro daquele ano.

E deu no que deu.

EDUARDO BUENO

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