segunda-feira, 2 de junho de 2025



02 de Junho de 2025
EM FOCO -Humberto Trezzi

EM FOCO

São 5,1 mil imóveis subsidiados incompletos no Estado

Motivos para a demora no Minha Casa, Minha Vida vão desde interrupções nos financiamentos até desacertos envolvendo empreiteiras. Situação envolve 5,4% das 93,2 mil residências prometidas na modalidade do programa em território gaúcho.

Maior programa federal de habitação, o Minha Casa, Minha Vida (MCMV) tem 3,8 mil imóveis subsidiados (da faixa popular) com construção atrasada ou paralisada no Rio Grande do Sul. Outros 1,3 mil tiveram contratos cancelados. Proporcionalmente, o número não é muito alto (equivale a 5,4% das 93,2 mil residências prometidas com essa modalidade de custeio em território gaúcho), mas é um drama na vida de quem espera há décadas para concretizar o sonho da residência própria.

É o caso da auxiliar técnica Carine Michele Simsen, 40 anos, que comprou uma cozinha há seis anos e a deixou na loja, porque não tem onde colocar os móveis. Ela mora numa quitinete alugada em Campo Bom e há 21 anos tenta se mudar para a ambicionada casa própria. A dela é uma dentre 168 famílias cujas residências, inacabadas e desabitadas, integram um projeto habitacional financiado pelo Minha Casa, Minha Vida (modalidade Entidades) no bairro Quatro Colônias, em Campo Bom.

Carine participou em 2004 da primeira reunião de uma cooperativa idealizada para montar o residencial popular no município do Vale do Sinos. A construção só começou em 2018. Anos depois, com o condomínio já sendo erguido e após muito dinheiro aplicado, a casa está quase pronta, mas ainda sem água, luz e licença para morar. Com muito esforço da cooperativa em busca de verbas federais, o loteamento retomou as obras, mas ainda não tem imóveis habitáveis.

O levantamento que deu início a essa reportagem foi feito pela ONG Fiquem Sabendo, que estuda contas públicas. Os dados foram confirmados pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI) junto ao Ministério das Cidades.

O GDI visitou alguns desses loteamentos inacabados ou nem sequer iniciados e testemunhou o drama de famílias que aguardam há anos, até décadas, por moradia. Em alguns casos, o governo federal acaba de retomar as obras, mas elas continuam sem finalização.

É preciso destacar que o programa Minha Casa, Minha Vida entregou 8,3 milhões de residências no país desde 2009. Destes, 1,6 milhão são imóveis subsidiados para faixas mais carentes. Nacionalmente, são 178 mil desta faixa com construção atrasada, paralisada ou com contratos cancelados. Isto equivale a 10,6% dos imóveis já entregues. Entre os Estados do país, o Rio Grande do Sul ocupa a 19ª colocação no percentual de obras atrasadas, paralisadas ou canceladas do programa.

Razões diversas e complexas

O Ministério das Cidades explica que as interrupções acontecem por razões diversas e complexas. Algumas envolvem articulação entre diferentes órgãos que enfrentam problemas estruturais ou burocráticos. Em outros casos, há decisões judiciais de embargo em empreendimentos ocupados, aguardando ações de reintegração de posse. Existem ainda desacertos envolvendo governo e empreiteiras que não conseguem cumprir os contratos, que são então cancelados e refeitos, provocando adiamentos de anos.

Tanto no Rio Grande do Sul quanto nos demais Estados, a maior parte das construções foi interrompida durante o governo Jair Bolsonaro (2019-2022), quando o Minha Casa, Minha Vida foi extinto e substituído pelo programa Casa Verde Amarela. Isso trouxe mudança no tipo de beneficiários (mais classe média), de custeio (mais financiamentos do que subsídios) e de construções e levou à interrupção de muitas obras em andamento, além de cancelamentos de contratos. No terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que teve início em 2023, foram contratadas obras em 42 mil imóveis do Minha Casa, Minha Vida, e a maior parte delas, apesar de inconclusa, não está em atraso. No Rio Grande do Sul, foram retomadas mais de 1,6 mil unidades habitacionais e suplementadas verbas para 3,9 mil moradias.

O levantamento que embasa essa reportagem foi atualizado pelo Ministério das Cidades. Recentemente, o governo federal inaugurou um loteamento com 441 casas, em Uruguaiana, que estava três anos atrasado. Mas os condomínios visitados pela reportagem continuam sem residências prontas. _

Na Capital, à espera de condomínios idealizados antes da Copa de 2014

Obra prevista para a Copa de 2014, a duplicação da Avenida Tronco, que liga a zona sul à zona leste de Porto Alegre, só foi concluída 10 anos depois. Ao longo de seis quilômetros, a via que corta a vila Grande Cruzeiro foi duplicada e ganhou corredores de ônibus e ciclovias. Mas um problema persiste: moradia para as famílias retiradas da região por causa dessa grande intervenção urbanística.

Cerca de 1,5 mil famílias viviam na área de duplicação da avenida e uma parte delas concordou em ser realocada para condomínios do Minha Casa, Minha Vida.

Seriam 365 imóveis a serem construídos em três locais: as ruas Dona Zaida e Banco da Província e a Avenida Jacuí, situadas no bairro Cristal. Até hoje, nenhum desses empreendimentos foi concretizado.

Os documentos para construção dos condomínios chegaram a ser assinados em 2018, mas a construtora que assumiu a missão não teria cumprido algumas garantias, e o governo federal rompeu o contrato.

Após anos sem fluxo de financiamento federal, nova licitação foi feita e ganha pela empreiteira ALM. O diretor do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), André Machado, ressalta que as obras em dois dos três locais já foram retomadas.

Na Avenida Jacuí, os trabalhos agora são visíveis, uma década após a idealização das moradias populares: a área foi terraplenada, mas nenhum dos 96 apartamentos projetados começou a ser erguido. Na Rua Dona Zaida, que deve receber 200 imóveis, o mato que invadiu a área foi removido, e a prefeitura começou a terraplenar o local, com promessa de começar a construção do condomínio em breve. Na Rua Banco da Província (onde deveriam ser erguidas 60 residências), não há obra à vista.

Aluguel social

Sem lugar para residir e na espera pela concretização dos residenciais do Minha Casa, Minha Vida, 195 famílias aceitaram receber da prefeitura o bônus moradia. São até R$ 120 mil para adquirir novos imóveis, similares aos que foram desapropriados ou demolidos. As demais optaram pelo aluguel social (cerca de R$ 600 mensais para locar imóvel), enquanto aguardam a construção dos condomínios anunciados.

Uma das que se decidiu pelo aluguel social é a aposentada Mara Regina de Andrade, 63 anos. Até 2015, ela e cinco filhos moravam numa casa da Rua Dona Zaida, ao lado de uma área de mata e no alto de um morro com uma bonita vista de Porto Alegre.

Naquele ano, funcionários da prefeitura chegaram lá e disseram que ela e vizinhos teriam de se mudar, para a construção de um moderno condomínio do Minha Casa, Minha Vida, destinado a eles. Por quase 10 anos, a área em que deveria ser construído o condomínio prometido virou um campinho de futebol, e o mato invadiu o resto do terreno.

Há cerca de um mês, a prefeitura limpou o local e começou a terraplenagem, mas a dona de casa diz só acreditar que a construção sairá do chão quando os primeiros tijolos forem assentados.

Mara reside hoje na Rua Dorval Marques, a alguns quilômetros de sua antiga moradia. Usa aluguel social para custear uma casinha e, como teve um AVC que a deixou com dificuldades de locomoção, luta muito para subir as escadarias do imóvel.

Dois dos cinco filhos de Mara cansaram de esperar e aceitaram o bônus moradia. As outras três filhas esperam, com ela, pela casa própria que já tiveram e não têm mais. _

No Vale do Sinos, famílias aguardam a conclusão de obras em loteamento

Em Campo Bom, 168 famílias aguardam o acabamento de casas num loteamento cercado de bosques e morros exuberantes. Parte dessas pessoas sofreu com as cheias catastróficas de maio de 2024, como a copeira Patrícia Passos da Silva, 47 anos. Ela mora de aluguel numa casinha no bairro Operária, junto ao Rio dos Sinos, que foi inundado duas vezes em 60 dias.

- Perdi todos os móveis, roupa de cama, tudo. Tive de recomeçar do zero. Enquanto isso, essa casa que tento conseguir desde 2015 não fica pronta. A gente apela para que os governantes concluam a obra - desabafa Patrícia, entre crises de choro.

O primeiro projeto para implantar um loteamento no bairro Quatro Colônias foi apresentado pela Cooperativa dos Vales do Sinos, Paranhana e Taquari (Cooperpoli) à prefeitura em 2008. Mas a iniciativa só foi aprovada nove anos depois, em 2017, devido a inconsistências, inclusive ambientais, apontadas pelo município.

Divergências e falta de verba

Obtido apoio financeiro do Ministério das Cidades, foi iniciada em 2018 a construção das casas. A previsão era de que estivessem prontas em 18 meses, mas até hoje não foram terminadas. Divergências internas na cooperativa e falta de fluxo financeiro para financiamento durante os quatro anos do governo Jair Bolsonaro interromperam a edificação das moradias, que terão dois dormitórios, banheiro, sala e cozinha americana.

Das 168 casas, nove nem sequer têm telhado. Nas demais residências, faltam o piso, acabamento de esquadrias e a parte hidráulica.

Faltam também as estruturas das redes de água e luz. Corsan e RGE cogitam fazer a instalação neste ano, mas ainda não há data marcada. Em relação à verba para conclusão das moradias, há anúncio do governo federal, que autorizou uso de recursos represados para melhorias e promete mais dinheiro para breve.

Armelinda Ferreira seria uma das contempladas com moradia no loteamento no Quatro Colônias. A filha, Salete Skorek, lembra dela dizendo que gostaria de ter uma casa para chamar de sua. Em outubro de 2024, porém, Armelinda faleceu, aos 90 anos.

- A casa está em nome dela, ela viu quase pronta, mas não conseguiu desfrutar - lamenta Salete, 65.

Uso de recursos próprios

Os futuros moradores do residencial investiram recursos próprios no projeto, ressalta o presidente da Cooperpoli, Antônio Catani. No início, com a compra dos terrenos, feita por meio da cooperativa. Depois, para realizar manutenção de danos causados às residências pelas intempéries, ao longo de anos de obra parada.

Foi contratada empreiteira para fazer reparos em fissuras, construir telhados melhores e começar o acabamento do projeto, com gasto de R$ 3 mil por família. Em dois meses, 21 telhados foram concretizados, além de outras melhorias.

O Ministério das Cidades acabou de autorizar a Catani o repasse de mais R$ 8 milhões para obras, valor que ainda deve ser viabilizado pela Caixa Econômica Federal. Os moradores solicitaram também ao governo estadual R$ 5 mil por residência, para finalizar as construções. Só quando receberem as moradias oficialmente é que os mutuários começarão a pagar prestações do programa Minha Casa, Minha Vida. 

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