sexta-feira, 28 de novembro de 2025



28 DE NOVEMBRO DE 2025
CARPINEJAR

A polarização incurável

Sempre escutei a expressão terceira via, inclusive antes dos livros do italiano Norberto Bobbio. Mas nunca foi uma realidade no país. Em qualquer eleição que se aproxima, ela é mencionada por diferentes candidatos, que terminam atropelados pelos favoritos reincidentes.

Ciro Gomes, por exemplo, naufragou em quatro eleições presidenciais defendendo esse discurso. Nem seu plano de governo de renda mínima ou de anistia do SPC conseguiu mitigar a sua rejeição, que aumentou de pleito a pleito. Seu desespero para emplacar como alternativa pode ser verificado pela troca de siglas: já foram oito partidos até o momento, procurando um lugar em que fosse declarado candidato oficial - PDS (1982-1983), PMDB (1983-1990), PSDB (1990-1997), PPS (1997-2005), PSB (2005-2013), PROS (2013-2015), PDT (2015-2025) e novamente PSDB (2025). Há 27 anos busca a rampa do Planalto, mas parece subir uma escada rolante no sentido contrário. De 2011 em diante, não se habilitou a nenhum segundo cargo eletivo. Seu intento eterno vem apresentando uma nova carreira: presidenciável.

É a encarnação do fracasso da terceira via, uma rodovia de projetos em que se joga piche no chão e jamais se conclui a duplicação.

Sob esse viés, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva talvez seja o único governante brasileiro a permanecer no mesmo partido, a contar o início de sua trajetória como metalúrgico. Nunca virou a casaca. Ele é o PT, o PT é ele. Tanto que sofre com a dificuldade de indicar sucessores, numa antropofagia identitária.

Não sei de quanto tempo precisaremos para nos curar da polarização. Minha convicção é que não será agora, não será cedo.

É efeito colateral do nosso saber acadêmico recente. As primeiras universidades brasileiras foram criadas apenas no século 20: em 1912, surgiu a Fundação da Universidade Federal do Paraná (UFPR); em 1920, a Universidade do Rio de Janeiro; em 1934, a Universidade de São Paulo (USP). Ou seja, o conhecimento sistêmico acabou formalizado quatro séculos depois da chegada dos portugueses. Pagamos os juros da formação retardatária. Não saímos da creche da depuração teórica se nos compararmos ao México e sua Real y Pontificia Universidad de México, de 1551, ou ao Peru e sua Universidad Nacional Mayor de San Marcos (UNMSM), também de 1551, em Lima.

Como esperar que nos aprofundemos em um debate se nossas pioneiras academias estão recém completando cem anos?

A radicalização está presente desde a Primeira República. Não é um movimento acirrado da atualidade entre petistas e bolsonaristas. Vive-se mais um capítulo da obsessão entre mocinhos e bandidos, do messianismo populista, do nosso atávico extremismo, que não permite enxergar o que vai além dos duelos caricaturais.

O Brasil jamais desfrutou de uma fuga de rota, de uma colisão entre duas frentes. A tensão se mostra intermitente, mudando os nomes das causas, dos culpados, dos salvadores da pátria:

Café com Leite (SP/MG) versus Dissidências regionais

Civilistas versus Hermistas

Tenentismo versus Oligarquias

Getulistas versus Antigetulistas

PTB versus PSD

UDN versus PTB/PSD

Arena versus MDB

Colloristas versus Caras-Pintadas

Reformistas neoliberais versus Desenvolvimentistas

PT versus PSDB

Petistas versus Bolsonaristas

O fogo cruzado somente faz vítimas. É um querendo derrotar o outro mais do que governar para todos.

Reduzimo-nos ao antagonismo de Sísifo, a uma guerra simbólica entre esquerda e direita. Somos passionais na política. Levamos tudo para o lado pessoal, inviabilizando a discussão de ideias de forma abstrata e evoluída. Somos igualmente personalistas, desmerecendo partidos e favorecendo nomes. Vota-se ainda "em alguém", não no que ele representa.

Necessitamos de mais princípios e menos torcidas. Enquanto isso prosperar, políticas públicas essenciais - economia, saúde, segurança, educação - continuarão secundárias. _

CARPINEJAR

28 de Novembro de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Sonegação de R$ 26 bi une Lula e Tarcísio

Uma das duas únicas refinarias criadas antes da Petrobras é um dos principais ativos do grupo Refit, alvo da megaoperação que une vários órgãos do governo de São Paulo, comandado por Tarcísio de Freitas, e outros do governo Lula. O que liga dois possíveis adversários na eleição de 2026 é um poderoso aglutinador: prejuízo estimado em R$ 26 bilhões aos cofres públicos - cerca de um terço da arrecadação anual do RS.

O grupo comandado por Ricardo Magro é o maior devedor de ICMS de São Paulo e do Rio e um dos maiores da União. Para não quitar esses pagamentos, costumava usar liminares judiciais e programas de prorrogação de dívida. Entre as acusações, sustentada pela Receita Federal e pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), está a de que a Refit importaria combustíveis em vez de refinar petróleo. Quatro navios foram apreendidos em setembro, com 200 milhões de litros trazidos de forma irregular da Rússia.

Atuação em finanças semelhante à do PCC

A partir disso, a forma de atuação do grupo seria semelhante à do PCC no mercado de combustíveis exposta pela operação Carbono Oculto, com uso de fintechs e fundos de investimento para lavar dinheiro. O aspecto antipolarização é representado pela abrangência dos órgãos que atuam: seis órgãos do governo Tarcísio em SP e dois do governo Lula. Mas se houve convergência entre o governo de SP e o federal, até há poucas semanas existia um embate com o governo do Estado do Rio. A refinaria havia sido interditada, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro liberou, e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) voltou a suspender. Ainda há ligações políticas: Magro foi advogado do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha e teria conexões com outros parlamentares.

Foram bloqueados R$ 8,9 bilhões pela Justiça de SP e R$ 1,2 bilhão pela federal. A expectativa é de que a ação ajude a destravar o projeto contra devedores contumazes que está parado na Câmara dos Deputados. Para ser colocado em apreciação, precisa de uma decisão do presidente da Casa, Hugo Motta Hugo Motta (Republicanos-PB). _

Como o Dia de Ação de Graças fechou os mercados dos EUA, o dólar operou sem direcionadores claros e avançou 0,32%, para R$ 5,352, ontem. A bolsa oscilou 0,12% para baixo e estacionou em 158,3 mil pontos, perto do recorde.

Vagas em Rio Grande podem subir a 2,9 mil

A vitória na licitação de navios gaseiros já era uma possibilidade em outubro, quando o CEO da Ecovix, Robson Passos, deu entrevista à coluna. Na época, sua projeção para a ampliação na geração de postos de trabalho era de 1,6 mil para 2,9 mil no pico das obras. Sobre o que significaria para a movimentação na construção naval em Rio Grande, ele havia afirmado:

- Significa o processamento de cerca de mais 30 mil toneladas de aço para processar em 57 meses, além dos 20 mil do primeiro. A ocupação subiria de 10% para cerca de 20% no pico e a mobilização de 2,9 mil trabalhadores no total.

Há pouco mais de um mês, Passos também avaliou que existe mão de obras disponível e treinada para dar conta dessa demanda:

- No passado, a Ecovix e outros estaleiros capacitaram pessoas. Parte era de fora e migrou de setor por conta da crise. Mas posso afirmar que hoje em Rio Grande temos 5 mil metalúrgicos desempregados que precisam ser ocupados.

Como é a retomada

A Transpetro, empresa de logística da Petrobras, está fazendo licitações para a construção de 25 navios para a estatal. Conforme seu presidente, Enio Bacci, a retomada da construção naval está sendo feita de forma cautelosa, para evitar a repetição de erros do passado.

A Ecovix havia vencido a primeira disputa, para fazer quatro navios do tipo handy, com contrato ao redor de R$ 1,5 bilhão. Agora, também ganhou parte da segunda, com valor aproximado semelhante. _

Estamos falando de R$ 320 milhões. É como se subtraísse da população um hospital de médio porte por mês.

Tarcísio de Freitas

Governador de São Paulo, dando não só escala a valores que podem parecer abstratos como traduzindo o tamanho do estrago feito por megaoperações de sonegação como o da Refit, que chegava a R$ 320 mihões por mês só no seu Estado.

Indústria fecha 5,7 mil empregos

O RS perdeu 5,7 mil empregos em outubro, terceiro mês do tarifaço dos EUA sobre produtos brasileiros, conforme dados do Novo Caged, atualizados ontem.

Ao todo, foram 27 mil contratações e 32,7 mil demissões no período. O saldo representa o pior resultado para o mês desde 2020, ano de criação do Novo Caged, afetado pela pandemia. Os setores de tabaco e couro e calçados puxaram a queda.

No acumulado dos três meses de tarifaço, o RS fechou 11,8 mil postos de trabalho. O recuo de Donald Trump na taxa sobre alimentos só vai impactar os números de novembro. E ainda assim de forma discreta, já que alguns dos produtos gaúchos que mais pesam na exportação para os EUA seguem com tarifa de 50%. A queda no emprego é resultado não só do tarifaço, mas também da desaceleração da atividade econômica por efeito do juro alto. Considerando dados nacionais, a indústria brasileira perdeu 10,1 mil empregos em outubro. _

setores saldo

Tabaco -2.612

Couro e calçados -1.063

Máquinas e equip. -735

Veículos e carrocerias -412

Produtos de metal -297

Haddad dá spoiler sobre "mistérios" do Master

As fraudes do banco Master já provocaram prejuízos a clientes que aceitaram o risco e mesmo a precavidos usuários do Sistema Financeiro Nacional pelo custo imposto ao Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Ainda antes da liquidação do banco, já havia provocado efeitos que ainda estão por ser revelados.

Em rara quebra de sua habitual discrição, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deu detalhes sobre o caso.

- O presidente do Banco Central recebeu uma herança difícil do ponto de vista regulatório, que envolvia tanto fintechs quanto o Master - disse Haddad em entrevista à Globonews.

Segundo o ministro, havia risco ao Tesouro, já que um terço do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) é de bancos públicos. Logo depois do anúncio de venda do Master ao Banco de Brasília (BRB), o Conselho Monetário Nacional (CMN) apertou as regras do FGC para desencorajar práticas agressivas de captação.

Haddad ainda mencionou o inesperado pedido de demissão do presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), João Pedro Nascimento. Antes da liquidação do Master, a "xerife do mercado financeiro" investigava as práticas do banco.

- O pedido de demissão do presidente da CVM ocorreu em ambiente muito tóxico, que gerou muita especulação e foi objeto até de uma conversa minha com o procurador-geral da República - relatou Haddad.

Na época, a especulação era de que Nascimento teria enfrentado pressões de integrantes do Congresso Nacional e de agentes econômicos no caso do Master. _

GPS DA ECONOMIA


28 DE NOVEMBRO DE 2025
POLÍTICA E PODER - Rosane de Oliveira

Assembleia compra energia renovável

Para não deixar a sustentabilidade, bandeira do seu mandato, apenas no discurso, o presidente da Assembleia, Pepe Vargas (PT), adotou mais uma medida prática ontem. Pepe formalizou um novo contrato de fornecimento de energia elétrica no ambiente de contratação livre, reafirmando o compromisso do Pacto RS 25. A contratação foi aprovada pelo deputado e pela superintendente administrativa financeira, Cláudia Bonalume, após processo licitatório, via pregão eletrônico.

A contratação foi firmada com a empresa de São Paulo Matrix Comercializadora de Energia Elétrica S/A, pelo prazo inicial de 60 meses, podendo ser prorrogado por até 10 anos. O novo sistema entrará em funcionamento em dezembro e irá atender à demanda energética dos prédios do Palácio Farroupilha e do anexo. A iniciativa é considerada pioneira entre os legislativos estaduais do Brasil.

A economia direta estimada é de aproximadamente R$ 1,5 milhão (27,03%) em relação ao referencial anterior. Segundo Pepe, com o reajuste de 21%, anunciado pela concessionária, as projeções ficam ainda mais vantajosas: a economia pode alcançar até R$ 2,5 milhões no período - cerca de 37% de redução em cinco anos.

- Além da redução de custos, o contrato assegura que 100% da energia consumida pela Assembleia seja proveniente de fontes renováveis - comemora o deputado.

Comprovação de origem limpa

A empresa contratada deverá apresentar anualmente o certificado I-REC (International REC Standard), instrumento internacional de rastreabilidade, que comprova a origem limpa da energia.

A superintendente destaca que os preços permanecerão fixos no primeiro ano e, após, serão reajustados anualmente pelo IPCA-DI, garantindo previsibilidade e estabilidade financeira nas contas da instituição. Modelos semelhantes já são utilizados por instituições como Ministério Público, Banrisul, Grupo Hospitalar Conceição (GHC) e Câmara de Bento Gonçalves. _

O desembargador Túlio Martins reassumirá a presidência do Conselho de Comunicação do Tribunal de Justiça do

Rio Grande do Sul, cargo que ocupou de 2010 a 2020. O convite foi feito pelo presidente eleito do TJRS, Eduardo Uhlein.

Como sempre ocorre às vésperas de eleições, aumentou a pressão para que o ex-governador José Ivo Sartori concorra. Para 2026, a expectativa do MDB é de que seja candidato a deputado federal. Questionado se aceitará, Sartori promete responder "depois da Festa da Uva". Em 2024, a resposta foi "não". 

aliás

Passados sete anos desde que o marido deixou o Piratini, a ex-primeira- dama Maria Helena Sartori comemora o sucesso dos Centros da Juventude, lançados quando foi secretária, por meio do Programa de Oportunidades e Direito, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). São milhares de jovens atendidos.

Aécio Neves assume a presidência nacional do PSDB

Depois de alguns anos de ostracismo, no turbilhão das denúncias que o retiraram da lista de possíveis candidatos à Presidência e em que precisou recomeçar como deputado federal, Aécio Neves está de volta à ribalta. O neto de Tancredo Neves assumiu a presidência nacional do PSDB, disposto a tornar o partido novamente protagonista no país.

Na posse, acenou com a possibilidade de apoiar Tarcísio de Freitas para presidente, se ele não se apresentar "apenas como candidato de Bolsonaro" e anunciou que sua meta é eleger 30 deputados federais.

Uma das prioridades é definir o rumo da sigla no Rio Grande do Sul. _

Rodrigo Mohr será presidente do Tribunal de Justiça Militar

O Tribunal de Justiça Militar elegeu ontem os integrantes da administração para o biênio 2026/2027. O desembargador militar Rodrigo Mohr será o presidente. O decano da Corte, Sergio Brum, será o vice-presidente. A desembargadora Gabriela John foi eleita corregedora-geral.

Também integrarão a nova administração os desembargadores militares Fabio Fernandes (ouvidor), Amilcar Macedo (ouvidor substituto) e Maria Moura (ouvidora da mulher).

A posse da nova administração ocorrerá no mês de fevereiro de 2026, em data e horário a serem definidos. 

POLÍTICA E PODER


28 de Novembro de 2025
INFORME ESPECIAL - Vitor Netto

Presidentes militares na América do Sul

A terça-feira tornou-se um dia marcante para o Brasil, sendo a primeira vez que um ex-presidente da República e militar, Jair Bolsonaro, foi preso. Além do caso brasileiro, ao menos outros três países da América do Sul já tiveram mandatários detidos.

O Julgamento das Juntas Militares se tornou um marco histórico na Argentina, um dos casos mais conhecidos no mundo em que um tribunal civil julgou e condenou os comandantes de uma ditadura militar (1976-1983) por crimes cometidos durante seu governo. Das nove pessoas julgadas, cinco foram condenadas, incluindo os ex-presidentes Jorge Rafael Videla e Roberto Eduardo Viola.

Augusto Pinochet, que governou o Chile como ditador entre 1973 e 1990, também enfrentou processos judiciais. Seu regime foi marcado por forte repressão e violações dos direitos humanos. Embora tenha sido detido em Londres em 1998 e processado no Chile, Pinochet nunca cumpriu pena efetiva de prisão.

Gregorio Álvarez foi uma das figuras-chave do autogolpe que instaurou a ditadura militar no Uruguai (1973-1985). Com a mudança na interpretação jurídica anos depois, a Justiça passou a considerar os crimes da ditadura como crimes contra a humanidade. Álvarez foi condenado a 25 anos de prisão em 2009 por 37 homicídios no âmbito da Operação Condor.

Semelhanças e diferenças

Professor de Relações Internacionais da PUCRS, João Jung observa que os países da América do Sul compartilham uma característica comum: entre as décadas de 1960 e 1980, viveram ditaduras e processos de redemocratização de forma simultânea. No entanto, um aspecto distingue o Brasil:

- A Constituição Federal de 1988 mantém prerrogativas aos militares. Isso resulta, em parte, de um lobby militar durante o processo de transição política. Alguns afirmam que nossa redemocratização foi uma transação política, e não uma ruptura com o governo ditatorial, mas sim uma negociação.

Jung ressalta uma diferença no caso de Bolsonaro: sua prisão não está relacionada ao papel dele como militar ou a qualquer participação no período ditatorial, mas sim à tentativa de golpe:

- Ele tentou ativar as Forças Armadas para apoiá-lo no golpe. Assim, temos um militar que foi presidente e foi preso, entre outros motivos, por não ter obtido apoio para o tentado golpe de Estado. _

Prefeitura retoma obra de escola paralisada há 13 anos

A prefeitura de Porto Alegre assinou a ordem de serviço para retomar as obras da escola infantil Moradas da Hípica, paralisadas há 13 anos.

A unidade poderá atender até 224 crianças. O investimento será de mais de R$ 6 milhões, sendo cerca de 80% com recursos próprios e o restante do Fundo Nacional de Educação.

Segundo a Secretaria Municipal de Educação, esta é a primeira de sete escolas com obras interrompidas que serão reiniciadas até 2026. A retomada foi possível após a repactuação dos contratos com o governo federal. _

Entrevista - Ailton Krenak

Líder indígena, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL)

"É um absurdo que estejamos fazendo viagens espaciais e não somos capazes de fazer um diagnóstico dos ecossistemas"

Um dos mais importantes líderes indígenas, ambientalista, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras, Ailton Krenak é voz ativa na defesa do meio ambiente e dos povos originários. No ano passado, ele já havia criticado a realização de eventos como as conferências do clima. Ele falou com a coluna:

? O senhor não foi à COP30?

Não, eu não teria lugar na COP. Desde o ano passado, em novembro, eu fiz a primeira observação sobre a COP, dizendo que eu achava que essa ideia de fazer na Amazônia tinha uma vantagem circunstancial, que era a de pôr as pessoas diante de um dos mais visíveis desastres do modo de ocupação territorial: o desmatamento da floresta amazônica e o aquecimento global, como ocorrências imediatas que qualquer um pode observar andando lá. Mas eu achava que também era uma maneira de explorar o imaginário das pessoas sobre uma região do planeta que não confere com o que as pessoas imaginam. Então, estávamos trabalhando muito mais com uma ideia da floresta do que com a realidade do clima no planeta inteiro. Com uma crítica, não tinha sentido eu ficar me inscrevendo em painéis do clima em Belém, um lugar onde a agenda já estava muito atravessada por outras prioridades.

? Quais os principais assuntos que você acha que deveriam ser abordados em uma COP?

Alguns temas da maior relevância não conseguem a atenção necessária quando se estabelecem as prioridades em eventos tão grandes como a COP30. Os oceanos, por exemplo, são sublimados, como se eles não fizessem parte do complexo do sistema terrestre. E é um absurdo que estejamos fazendo viagens espaciais e não somos capazes ainda de fazer um diagnóstico dos ecossistemas terrestres, inclusive daquilo que nós chamamos de superestrutura do planeta. Os oceanos, assim como as geleiras, foram entendidos só como uma espécie de indicadores. Os oceanos deveriam estar com a mesma paridade que as florestas tropicais no mundo, porque o oceano está em todos os continentes. Se nós temos pontos de não retorno para a floresta e para as geleiras, devemos ter um ponto de não retorno também para a questão dos oceanos. Eu acho que se tivéssemos nos debruçado (na COP30) sobre esses temas, teríamos, sim, conseguido tratar de assuntos muito importantes, além da tal da transição energética.

? Recentemnete o senhor disse que as conferências são "balcões de negócios" e que servem "xícara de café com petróleo". Qual é o melhor formato de eventos como esse?

Em alguns países, antes mesmo da Conferência do Clima, já foram tomadas medidas que são de mitigação de danos, que é de resolver a questão das áreas litorâneas. Na Colômbia, por exemplo, o governo decidiu que não vão mais perfurar petróleo na floresta amazônica. E quando pensamos no que pode ser feito, podemos considerar que pode ser feito tudo. Não tem que esperar a próxima conferência. Por que aqui em governos regionais, por exemplo, as questões que já foram discutidas não se transformam em políticas públicas? Alguém vai falar: "Mas falta vontade dos governos para fazer isso". 

Alguns deles dizem que falta dinheiro. Se eu disse que essas conferências se caracterizam por balcão de negócio, o que mais aconteceu lá foram negócios. E sobre a xícara de petróleo no café da manhã, por um tempo ainda vai ser isso mesmo. Vai ter petróleo. Inclusive, porque não dá para saltar daqui para um outro lugar sem um mapa do caminho. _

INFORME ESPECIAL

terça-feira, 25 de novembro de 2025


25 de Novembro de 2025
CARPINEJAR

As vozes da tornozeleira

O Brasil é uma tornozeleira violada. Prevalece uma curiosidade da destruição, as desculpas não condizem com a realidade, a sensação de alucinação permanece, as versões se transformam de acordo com a esperança da defesa.

O Brasil é uma tornozeleira que fala. Confie nesse fato.

As vozes dentro do grilhão contemporâneo de vigilância são de um país que jamais se curou do regime militar, que viveu como se nada tivesse acontecido, com uma anistia do esquecimento que, da mesma forma que permitiu o retorno dos exilados políticos como Leonel Brizola, perdoou os responsáveis pela tortura e desaparecimentos nos porões do Dops. Nunca houve um tribunal, nunca houve um júri para os sumiços arbitrários e sanguinários da suspensão do Estado de direito.

Eu acredito honestamente que existem vozes na tornozeleira eletrônica. Vozes aprisionadas, vozes jogadas em covas anônimas. Não são efeitos de remédio, mas do veneno amargo da culpa. Quem não foi enterrado sempre voltará pedindo justiça.

O que sinto é que trocamos a tinta das paredes, porém nos faltou coragem para resolver as chagas cíclicas e empreender uma reforma estrutural como merecemos.

A infiltração sonora se espalhou por tudo.

Nossa história é torta desde a descoberta. E não pela dúvida de onde realmente desembarcou pela primeira vez Pedro Álvares Cabral, se foi em Porto Seguro ou Natal, mas pela dizimação dos povos originários. Se havia 5 milhões de indígenas na época da chegada dos colonizadores, no início do século 16, o contingente hoje orbita em torno de 450 mil. Acabaram reduzidos a 0,83% da população brasileira.

E não se trata de ecos de um elo remoto. Basta recordar o Massacre do Paralelo 11, em 1963. De tantos genocídios ocultados, tornou-se um dos raros abordados na imprensa, um marco do gradual extermínio, por parte de seringalistas, de milhares de indígenas cinta-larga que habitavam Rondônia.

Esse alarido de idiomas extintos está também na tornozeleira eletrônica.

Somos a sucessão de chacinas. Jamais fizemos sincera retratação - muito além das cotas - à deportação violenta da comunidade africana para trabalhos forçados na escravidão. Outras 5 milhões de pessoas foram arrancadas de seu lar pela eugenia europeia no período do tráfico transatlântico, que durou mais de 300 anos.

Os gemidos e os cânticos de sofrimento moram na tornozeleira eletrônica. É possível escutar com nitidez. Nem uma solda será capaz de soltar os gritos.

E, por indiferença ao passado, por pura alienação, por absoluta ausência de proteção do governo, por zombaria à saúde pública, por negacionismo diante das nossas feridas abertas, por uma arrogância da ignorância, 700 mil brasileiros morreram de covid-19. Era só correr com a vacina, mas escolhemos placebos como a cloroquina para combater a maior crise sanitária mundial. O que dizer para 1,3 milhão de crianças e adolescentes, de 0 a 17 anos, que perderam um ou ambos os pais durante a pandemia?

Os órfãos entenderiam facilmente os murmúrios que emergem da tornozeleira eletrônica. É a saudade engasgada de seus cuidadores. Veio-me à mente essa ideia da polifonia silenciada, amordaçada, presente num dispositivo de segurança, enquanto eu definia a tinta para pintar meu apartamento. Optei por cetim oriental, um misto de bege com cinza.

Mas não é uma cor poética que mudará a nossa verdade. A impunidade salta aos olhos do mais profundo coração adormecido. _

CARPINEJAR

25 de Novembro de 2025
NÍLSON SOUZA

Sábado-feira

A vida presta, especialmente nas manhãs ensolaradas de sábado na feira de produtos orgânicos do bairro Bom Fim, em Porto Alegre. José Bonifácio, o personagem histórico que dá nome à avenida, ficaria orgulhoso de ver o que se passa por lá - naturalista que era o nosso Patrono da Independência. O melhor da natureza humana transita entre as barracas improvisadas, na via fechada ao tráfego de veículos: casais com seus bebês e seus pets, jovens, idosos, gente de todas as tribos pacíficas do planeta, apreciadores de mate e conversa amistosa, vendedores e compradores de frutas, hortaliças, flores, sucos, pães, geleias e uma infinidade de alimentos saudáveis, cultivados e preparados com o carinho característico da gauchada da lavoura.

Gosto de caminhar sem pressa por todos os cantos daquele paraíso de diversidade e ecologia. Borges, o grande escritor argentino, disse que sempre imaginou o paraíso como uma espécie de biblioteca. Quem ama livros adora essa metáfora. Concordo em gênero e letras: livrarias e bibliotecas abrigam o universo inteiro e são refúgios de paz, de conhecimento e das melhores produções literárias do espírito humano. É nelas que a alma se alimenta. Mas o corpo também precisa de combustível renovável.

Por isso frequento com regularidade essa feira de mil atrativos. Compartilho um exemplo do último final de semana: em meio ao burburinho, percebe-se a voz suave de um cantor solitário que arranha sua guitarra sem receber muita atenção. Até que, por uma dessas magias dos sábados de primavera, aproxima-se dele um garotinho de quatro ou cinco anos que passeava com os pais e carregava sua guitarra de brinquedo. Como se tivesse ensaiado, o menino passa a acompanhar o cantador, simulando inclusive a coreografia do artista. Todos param para olhar. A música termina com aplausos entusiasmados dos feirantes e de seus clientes, surpreendidos pelo show inesperado.

Minha cidade - como dizia Erico Verissimo - tem uma orquestra sinfônica. E tem também, no simbólico Campo da Redenção, um brique de antiguidades, uma feira de delícias e um menino que canta e encanta com sua guitarra de plástico. A vida presta. 

NÍLSON SOUZA

 
25 de Novembro de 2025
OPINIÃO RBS

Descompasso climático

Em meio aos acontecimentos políticos e judiciais que sacudiram o país no fim de semana, o desfecho da COP30, em Belém (PA), acabou ofuscado. O resultado da cúpula, no entanto, merece exame por tratar de tema essencial à humanidade. As mudanças climáticas e os eventos extremos não são uma hipótese para o futuro. São um dado do presente, como mostraram a enchente de 2024 no Estado, o tornado que devastou Rio Bonito do Iguaçu (PR) no dia 7 deste mês, às vésperas da conferência, e o granizo destruidor em Erechim, no norte gaúcho, no domingo, com uma força que moradores disseram nunca terem testemunhado.

Os sinais da emergência climática, porém, ainda não são capazes de sensibilizar todos os países para a ação efetiva, como demonstra o documento final da COP30, aprovado no sábado. Para chegar ao consenso possível, foi preciso excluir pontos nevrálgicos, diante de resistência tenaz de nações que são grandes produtoras de petróleo. Nem menções superficiais sobre a transição energética sobreviveram. O chamado "mapa do caminho" pretendido pelo Brasil, indicando um percurso minimamente plausível para um abandono paulatino e realista dos combustíveis fósseis, ficou de fora do texto. O termo "combustíveis fósseis", aliás, nem sequer é citado, indicativo inquestionável de um resultado muito aquém do esperado.

Frustrou também a ausência de qualquer roteiro para deter o desmatamento. Ainda mais para um evento na Amazônia, maior floresta tropical do mundo e ameaçada pela derrubada massiva de árvores, mesmo que agora em ritmo menor. Os combustíveis fósseis e o desflorestamento são duas das principais fontes de emissão de gases causadores de efeito estufa.

Sem passos efetivos na mitigação, os avanços na parte da adaptação climática foram celebrados. Foi adotado um conjunto de indicadores para medir o preparo dos países. É um tópico relevante, mas mostra maior facilidade de chegar a um acordo sobre preparação para a fúria do clima do que para evitar o agravamento do aquecimento global. Foi bem recebido, ainda, o compromisso de triplicar os recursos para adaptação até 2035, embora persista a fragilidade de apontar de onde sairá o dinheiro.

No balanço da COP30, o sentimento de desapontamento predomina. Mas o resultado não difere em grande medida das conferências anteriores, em que se discutiu muito, mas se tergiversou ou fugiu de pautas centrais e as medidas práticas permaneceram como promessas. É o reflexo dos interesses conflitantes, da relevância econômica dos combustíveis fósseis e da crise do multilateralismo. A expectativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que essa fosse a edição da implementação, pondo fim a negociações intermináveis, restou fracassada.

A presidência brasileira da COP30, no entanto, se comprometeu a elaborar planos para levar a discussão sobre combustíveis fósseis e desmatamento para a conferência de 2026, na Turquia. A despeito dos obstáculos, é compromisso histórico manter a mobilização para ainda tentar evitar que a temperatura do planeta se eleve acima do limite de 1,5ºC até o fim do século, como prevê o Acordo de Paris. Até aqui, há descompasso entre a urgência e os passos concretos. _


25 de Novembro de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Recuos de Trump exigem conta antes de ceder

Agora, sim, a retirada de tarifas nos Estados Unidos sobre produtos alimentícios brasileiros faz diferença, tanto para o Brasil quanto para o governo Trump, que enfrenta forte reprovação diante de alta de preços como café e carne. O que o governo americano fez até agora não são concessões ao Brasil no âmbito da negociação bilateral. São apenas novos recuos do atual ocupante da Casa Branca diante tiro no pé que foi o tarifaço.

Ao contrário do que Trump propagandeava, quem paga as altas alíquotas não são os países afetados. É o consumidor americano, porque o importador que banca o pagamento na prática repassa o custo extra para o preço final. O prejuízo para os sobretaxados vem da queda das exportações para os EUA.

A mera retirada do que o próprio Trump chamou de "tarifa recíproca" - 10% para quase todos os países - não resolvia o problema do Brasil, nem o dele. A importação americana de café e carne depende de produtos brasileiros, submetidos ao que ele chama de "tarifa punitiva" - tudo o que passa de 10%, no caso do Brasil, 40%.

Receita com tarifa cresceu 114%, mas...

Conforme dados do Tesouro dos EUA, no acumulado do ano até setembro, a receita com tarifas alcançou US$ 195 bilhões (R$ 1 trilhão, quase a metade do orçamento federal do Brasil, sem contar o juro da dívida). No mesmo período de nove meses de 2024, havia sido de US$ 77 bilhões. Mais do que dobrou, com alta de 114%.

Mas segue longe de resolver o problema orçamentário dos EUA. Lá, como aqui, o buraco é fundo: era de US$ 1,76 trilhão de janeiro a setembro do ano passado, declinou pouco, para US$ 1,63 trilhão em igual período de 2025.

Trocando trilhões em miúdos, o que Trump "conquistou" até agora com sua guerra comercial foi um aumento insuficiente da arrecadação, sem resolver o problema de fundo, o déficit fiscal dos EUA.

Até agora, não há favor ao Brasil, portanto não exige contrapartidas nacionais. Produtos industrializados não foram contemplados, mas também pesam na inflação americana. É bom calibrar os esforços quando enfim chegar a hora de fazer concessões: vai ser preciso fazer muita conta para saber se ceder de fato é interesse nacional. _

O dólar recuou apenas 0,11% ontem, mas foi o suficiente para fechar em R$ 5,395, abaixo do nível de R$ 5,40 ao qual havia voltado na sexta-feira, em pleno feriadão, sob efeito de sinais contrários ao corte de juro nos EUA.

Tênis da COP30 feito no RS vende 2 mil pares

Depois de vender 2 mil pares de tênis feitos de borracha natural e caroço de açaí na COP30, encerrada no sábado, a Seringô, empresa do Pará que tem parte de sua produção feita no RS, abrirá ponto físico em Belém no próximo dia 4. Os calçados da marca, feitos com látex de seringais do Pará, também foram usados pelos voluntários da conferência, mas o modelo oficial do evento não estava à venda.

A Seringô lançou sua loja virtual na COP30, e operou dois locais de venda em Belém, com o Banco do Brasil e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A parceria com o banco estatal será ampliada, e passará a oferecer seus produtos em ambiente digital para clientes da instituição. O novo estabelecimento físico ficará em uma agência bancária.

A empresa entrega para todo o Brasil, com calçados ecológicos a partir de R$ 520. O tênis da COP30 não está disponível para venda.

- Era um produto específico para os voluntários, mas teve uma busca enorme. Os dois produtos que temos hoje são o tênis feito de algodão orgânico e o produzido com tecido de juta (fibra natural) da Amazônia - diz o diretor da Seringô, Lauro Samonek.

Os calçados têm rastreabilidade certificada pela empresa suíça que fabrica a tinta para impressão de 90% das cédulas das moedas do mundo, incluindo dólar, euro e franco suíço, a Sicpa. Um selo com QR Code garante que o produto é original e permite que o consumidor acompanhe da extração do látex à confecção final. _

R$ 85,5 milhões do BNDES para ter

biometano no RS

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou ontem investimento de R$ 85,8 milhões na Bioo Investimentos e Participações, que tem unidade em Triunfo, na Região Carbonífera.

A companhia transforma resíduos orgânicos agroindustriais em biometano - um dos ativos mais atrativos em tempos de transição energética - e em outros produtos sustentáveis. O banco terá participação de 19,9% do capital social da Bioo. O aporte foi feito por meio do BNDES Participações (BNDESPar).

O investimento é realizado com o aporte adicional da Flying Rivers Capital, gestora especializada em investimentos climáticos. A operação apoia o desenvolvimento de duas novas centrais de tratamento integrado de resíduos em regiões com alta disponibilidade do insumo e demanda por energia renovável em alta.

A primeira unidade da Bioo, localizada em Triunfo, entrou em operação no segundo semestre de 2025 com o fornecimento de biometano para a Sulgás em contrato de longo prazo. A empresa também produz CO2 biogênico e biofertilizantes com base em resíduos agroindustriais. _

Risco de terceiro anúncio sem efeito prático de UE-Mercosul

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala na assinatura do acordo entre Mercosul e União Europeia (UE) no dia 20 de dezembro. Admite, porém, a hipótese de que pode ser o terceiro anúncio retumbante, mas sem efeito prático. É bom recuperar a frase completa:

- Possivelmente seja o maior acordo comercial do mundo. Depois que assinar, vai ter ainda muita tarefa para a gente poder começar a usufruir das benesses desse acordo, mas vai ser assinado. É um acordo que envolve quase 722 milhões de pessoas e US$ 22 trilhões de PIB.

Em bom português, pode significar apenas mais uma assinatura, como ocorreu em junho de 2019, no governo Bolsonaro, e em dezembro de 2024, no governo Lula. Seria o terceiro anúncio de acordo, com algum efeito político remanescente, mas a essa altura já um tanto desgastado pelo descrédito de sucessivas declarações formais sem efeitos reais.

É verdade que, desta vez, Donald Trump ajuda no maior interesse dos europeus em um avanço efetivo. O presidente dos EUA não só submeteu a UE a uma tarifa de 15% - alta para os cidadãos do bloco -, mas também a gastos extraordinários com defesa ao não travar a ofensiva expansionista do presidente da Rússia, Vladimir Putin.

A Comissão Europeia, espécie de Poder Executivo da UE, comandada por Ursula von der Leyen, estabeleceu prazo até 20 de dezembro para obter o aval dos Estados-membros.

A tentativa é contornar a histórica oposição da França pela aprovação apenas da parte comercial do acordo, que permitiria a votação dos chefes de Estado dos 27 países-membros do bloco, no âmbito do Conselho Europeu. Não teria a parte de investimentos e de parceria político-estratégica. Uma "maioria qualificada" poderia ser obtida antes da cúpula do Mercosul, em 20 de dezembro, no Brasil. _

GPS DA ECONOMIA

25 de Novembro de 2025
Rosane de Oliveira

TJ protagoniza eleição incrível

Que seria uma eleição apertada, todo mundo no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul sabia. Daí a um empate cravado - 80 a 80, que resultou na eleição do desembargador Eduardo Uhlein para a presidência por antiguidade - poucos se arriscavam a apostar. Foi a segunda vez na história recente que a eleição terminou empatada.

O resultado confirmou a avaliação corrente de que o Rio Grande do Sul tem um TJ partido ao meio, para usar a expressão consagrada por Ítalo Calvino. Nada a ver com a fábula do visconde que encarnava o bem e o mal em lados diferentes do corpo, mas à divisão entre os dois grupos políticos que nos últimos anos disputam o comando do tribunal.

Para o presidente eleito, nenhum desafio será maior do que "promover a unidade institucional":

- Precisamos desarmar os espíritos. Isso se faz com diálogo, com escuta, com a participação dos colegas nas decisões.

À coluna, Uhlein disse que a transição começa imediatamente e que os magistrados conhecem as propostas de sua chapa, debatidas exaustivamente na campanha. A divisão na eleição não deve significar ruptura com a administração de Alberto Delgado Neto, embora parte do grupo de Uhlein proponha um "freio de arrumação" em relação ao uso da inteligência artificial.

- Sem treinamento adequado e sem um olhar crítico em relação à IA, daqui a pouco não estaremos julgando, mas nos livrando de processos - diz um desembargador preocupado com as imprecisões dos robôs, capazes de inventar jurisprudência quando estão diante de um caso inusitado. _

Reunião decisiva sobre o Multipalco

Está prevista para hoje a reunião decisiva para discutir a ameaça de suspensão da programação do Multipalco, por falta de servidores.

O governador Eduardo Leite ficou incomodado com a ameaça do presidente da Fundação Theatro São Pedro, Antônio Hohlfeldt, e garantiu que a programação será mantida. Os secretários sustentam que cabe ao gestor encontrar soluções, mas Hohlfeldt já cansou de explicar que não tem mais coelhos para tirar da cartola.

A contratação emergencial está no radar. 

Pedágios enfrentarão resistência em audiências

Até a cobrança por trecho virou motivo de polêmica

Até o que deveria ser visto como vantagem, que é a cobrança por trecho utilizado, vira argumento contra a concessão. Para que o usuário que usa apenas um trecho da estrada não pague o valor total de quem trafega por toda a extensão é preciso instalar mais pórticos de cobrança, o que se torna impopular. 

TCE lança ferramentas sobre concessões, privatizações e PPPs

POLÍTICA E PODER

25 de Novembro de 2025
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

O que falta ao Brasil é uma terceira via

A prisão de Jair Bolsonaro não é apenas uma oportunidade para a direita se reposicionar. O que falta ao Brasil é uma terceira via.

As pesquisas Quaest vêm demonstrando, de forma seriada, uma fissura no cenário político brasileiro: há um espaço crescente para uma alternativa, de esquerda, centro ou direita, em 2026.

Segundo levantamento de 13 de novembro, 24% dos eleitores afirmam que o melhor resultado seria a vitória de um candidato que não estivesse ligado nem a Lula nem a Bolsonaro. É a maior fatia isolada entre todas as alternativas apresentadas, superando inclusive a preferência expressa por Lula (23%) e por um eventual retorno de Bolsonaro (15%).

Há uma fadiga profunda do eleitorado com a polarização que marca a política nacional desde 2018. Se somarmos os 24% que desejam uma alternativa ao lulismo e ao bolsonarismo aos 17% que preferem alguém de fora da política tradicional, surge um bloco robusto, de mais de 40% dos brasileiros, que demonstra vontade de romper com o binarismo que domina o debate público há anos. É um contingente expressivo, capaz de redefinir a corrida presidencial - desde que exista um nome capaz de seduzi-lo.

Busca por uma alternativa

Aí entramos em outra seara. É muito difícil furar a bolha. A política brasileira parece organizada de tal modo que qualquer tentativa de se apresentar como alternativa é imediatamente tragada por um dos polos.

O governador Eduardo Leite, por exemplo, tenta se posicionar nesse campo desde 2021, mas enfrenta resistências tanto da base bolsonarista - que o associa ao "sistema" - quanto de setores da esquerda - que rejeitam sua agenda liberal. Sem falar das rivalidades internas de seu partido, o PSD.

Outros nomes que já tentaram ou tentam ocupar esse espaço encontram barreiras semelhantes: Simone Tebet, com forte apelo técnico, acabou absorvida pelo governo; Rodrigo Pacheco transita bem entre grupos, mas carece de densidade eleitoral; Marina Silva tem capital moral, mas enfrenta desgaste acumulado; o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, tenta se projetar nacionalmente, mas esbarra na limitação regional e na disputa com a direita bolsonarista. No fim, o sistema político empurra todos para um dos dois polos - e o eleitor fica sem alternativa clara.

A política brasileira continua prisioneira de Lula e Bolsonaro, mesmo que haja sinais de exaustão. Há um medo, no ar, de romper a lógica binária e arriscar um movimento independente - seja à direita, seja à esquerda. A direita tradicional não consegue se desconectar da figura de Bolsonaro, temendo a perda do apoio orgânico de suas bases. A esquerda não consegue se desvincular de Lula, receosa de desafiar a hegemonia. Assim, os dois polos seguem alimentando-se mutuamente: a existência de um reforça a necessidade política do outro.

Enquanto isso, perdem-se debates sobre economia, sustentabilidade, saúde, segurança, inovação, educação. _

Trump e os seus ventríloquos sauditas

Donald Trump e os EUA não estavam na COP30, em Belém, obviamente. Nem precisariam estar.

A Arábia Saudita atuou como ventríloquo americano. Obviamente, o país do Golfo tem seus interesses domésticos.

Os sauditas são os maiores exportadores de petróleo do mundo. Logo, já costumam boicotar qualquer acordo nas COPs que envolvam eliminação de combustíveis fósseis - o que voltou a ocorrer em Belém. Mas, cada vez mais, com apoio da Casa Branca.

Na semana que antecedeu o final da COP30, Donald Trump se encontrou com o príncipe carniceiro Mohamed bin Salman, recebido com carpete vermelho em Washington - para quem não lembra, a CIA informou, há sete anos, ao mundo que MBS, suas iniciais, fora responsável por ordenar o assassinato do jornalista saudita exilado Jamal Khashoggi.

O recado, entre outros, foi reforçado: "Drill, baby, drill!" ("Perfure, baby, perfure"). _

"O Brasil desafiou Trump e venceu", destaca o NYT

O The New York Times, um dos jornais mais influentes do mundo, publicou uma análise do ex-correspondente do veículo no país intitulada "O Brasil desafiou Trump e venceu".

A reportagem de ontem, assinado por Jack Nicas, que atualmente é chefe da sucursal do NYT na Cidade do México, analisa os recentes desdobramentos envolvendo Donald Trump e Jair Bolsonaro.

Logo no início, o texto recupera a resposta que Trump deu a jornalistas ao ser informado sobre a prisão preventiva no sábado:

- Que pena - disse, sem fazer qualquer outro comentário.

Segundo o correspondente, a tentativa de Trump de intervir no Brasil "foi uma manobra extraordinária para influenciar o caso jurídico mais importante de um aliado em décadas, usando algumas das ferramentas mais poderosas à sua disposição. Mas as instituições brasileiras o ignoraram completamente. A aparente capitulação do Sr. Trump demonstra que seus esforços foram basicamente em vão".

O material ainda ressaltou que, após a condenação de Bolsonaro, autoridades americanas chegaram a prometer retaliações, o que nunca se concretizou.

"Lula - um líder da esquerda latino-americana - saiu do conflito com Washington ainda mais forte politicamente do que quando entrou", afirmou o jornal. _

Estátua de Jango na Capital

Às vésperas do cinquentenário de sua morte, o ex-presidente João Goulart terá uma estátua em sua homenagem em Porto Alegre. A inauguração do monumento está marcada para 5 de dezembro, no Trecho 1 da Orla do Guaíba. A estátua será instalada na confluência das avenidas Edvaldo Pereira Paiva e Aureliano de Figueredo Pinto, em frente à Rótula das Cuias. A obra é de autoria do artista Otto Dumovich, mesmo escultor responsável pela estátua do ex-governador Leonel Brizola, ao lado do Palácio Piratini.

A iniciativa partiu da Fundação Caminho da Soberania (FCS), presidida pelo ex-deputado federal Vieira da Cunha. Os recursos para a estátua e para a terraplenagem do local foram arrecadados pela própria fundação. Representando a família, estará presente no evento o neto de Jango, Christopher Goulart, também da FCS. 

Parceria binacional

Uma parceria binacional entre Bagé e o departamento de Rivera, no lado uruguaio, vai promover serviços de saúde na comunidade de Serrilhada (ou "Cerrillada", para os uruguaios). A localidade rural se situa diretamente na fronteira entre os dois países.

A iniciativa prevê que, semanalmente durante um mês, sejam oferecidos atendimentos médicos, odontológicos e de orientação em saúde, com as duas cidades alternando a responsabilidade pelos procedimentos.

- Quem convive na fronteira sabe que no seu cotidiano não tem barreiras. Vivemos como se fosse um só território - afirmou o prefeito de Bagé, Luiz Fernando Mainardi. _

INFORME ESPECIAL

segunda-feira, 24 de novembro de 2025



24 de Novembro de 2025
CARPINEJAR

Mais de 40 mil no Beira-Rio

Há vitórias que não são bonitas, não são justas, não são edificantes, mas descarrego, exorcismo, catarse, livramento. Foi o que aconteceu com o Inter em cima do Ceará na Arena Castelão na quinta-feira. O time vem jogando o seu pior futebol na temporada, sem infiltração, sem solução, com pouquíssimos arremates. Venceu a equipe cearense nos minutos sorrateiros. No último gemido mais do que no último suspiro, mesmo com a superioridade numérica por quase toda a partida.

Ganhou no sufoco, na sorte, não por merecimento. Mas ganhou, é o que importa no estertor do Brasileiro. É como um centroavante em abstinência marcando gol de canela - só agradecerá que a bola bateu em sua perna e acabou indo para as redes.

Agora, com o Santos hoje, chegou a hora de não pensar em outro escore senão mais um triunfo e pôr a pá de cal na cova do Z-4. Não se deve buscar o luxo de um empate, pois os jogos seguintes serão fora de casa. Não dá para esperar e definir a permanência na Série A na derradeira rodada, com o Bragantino. Nunca se sabe o nervosismo.

É tudo ou nada. É aproveitar o embalo e lotar o Beira-Rio. Que o torcedor entenda a gravidade da situação, o tamanho do buraco, a falência que significaria um descenso para um clube completamente endividado. Não há mais espaço para pudores, pruridos, protestos ou mágoas domésticas. Resta esquecer os antecedentes negativos em Porto Alegre, esquecer o ranço acumulado: trata-se de atropelar o medo (sequer Neymar veio para a capital gaúcha). É uma decisão mais crucial do que o Gre-Nal que tolheu a possibilidade do octa do rival.

Não há como desperdiçar três pontos. Não há como adiar a redenção.

Se não contaremos com Carbonero e Tabata, expulsos, não entremos em paranoia, aceitemos o destino, vamos com os guris Gustavo Prado e Ricardo Mathias. Já que Ivan encontra-se lesionado, acolhamos Anthoni em generosidade amnésica, sem lembrar suas reincidências atrapalhadas. Quem se fardar será o nosso craque, o nosso ídolo, o nosso coro de urros e aplausos.

A meta é terminar o ano com dignidade. Depois lavaremos as camisetas sujas e encardidas em público. Depois insultaremos e criticaremos a direção.

Não se xinga doente. Aguardemos que o Inter se recupere do fundo do poço em que se meteu para retomar a saúde das cobranças.

A crise técnica se apresenta, antes de qualquer coisa, como uma catástrofe psicológica do vestiário. Algo saiu do lugar desde a lesão de Fernando e sua dispensa. Sem o capitão moral, o elenco virou um agrupamento. Até Alan Patrick desapareceu e, com o seu ocaso repentino e inexplicável, liquidou suas chances de ser convocado para a Copa.

Ele não desaprendeu sua arte, vive um bloqueio criativo provisório. Como os demais colegas. Um dia desencanta.

Tanto faz quem será o escudo e a bandeira sacrificados na 16ª posição do inferno. O cavalinho retardatário do Fantástico. No turfe da sobrevivência, sentimentos nobres como a piedade ou a compaixão tendem a desvanecer. Precisamos correr longe de sua ameaça. Ganhando do Santos, poderemos ultrapassar Ceará, Vasco e Grêmio, e galgar três postos na tabela.

O que dói é constatar que estamos a oito pontos de uma pré-Libertadores em potencial, tendo ainda confrontos com três adversários diretos para a vaga. Seria sonhar demais, não é o momento. Um passo de cada vez. Nosso foco é sair do pesadelo.

Se chover, lutaremos contra a fúria das águas, a velocidade dos ventos. Se o juiz falhar, lutaremos contra os seus desmandos. Não existe brecha para desculpas. O que é do povo ninguém tira. 

Que tenhamos mais de 40 mil apaixonados no Beira-Rio. Que tenhamos ruas de fogo. Que tenhamos explosão luminosa no céu, irrompendo perto do hotel santista. Que não deixemos a cidade dormir. Que o rugido seja de uma final faminta. Que a pressão seja escandalosa, febril, tóxica.

De acordo com pesquisa recente encomendada pela CBF e realizada pelo Instituto Nexus, o Internacional possui a sexta maior torcida do país, a maior do Sul e a primeira além do eixo Rio-São Paulo. Cabe-nos provar a estatística, justificar esses quatro por cento vermelhos do Brasil. 

CARPINEJAR

24 de Novembro de 2025
CLÁUDIA LAITANO

Cada um na sua

A liberdade religiosa foi uma das grandes conquistas do pensamento iluminista do século 18 - e não apenas porque se trata de uma ideia bonita. Nos dois séculos anteriores, a pancadaria entre fiéis comeu solta na Europa. Não havia sossego para ninguém. Precisou morrer muita gente antes que o pessoal entendesse que, para o bem de todos, era preciso criar algumas regras de boa convivência no condomínio da fé.

Basta olhar o noticiário para perceber que essa é uma lição que precisará ser reaprendida até o fim dos tempos. Volta e meia alguém decide apontar o dedo para quem não reza pela mesma cartilha, e lá estamos nós de novo, armando a fogueira para queimar o herege. É o pluralismo garantido por lei que nos protege da tendência que todas as religiões têm de escorregar para a intolerância dogmática - muitas vezes com apoio de correntes políticas que, sem qualquer motivação espiritual, tiram proveito dos ânimos exaltados para dividir e conquistar.

No Texas, onde estou morando, o governador republicano decidiu assinar uma lei obrigando as escolas públicas a colocarem um cartaz com os 10 Mandamentos em todas as salas de aula. Azar do pluralismo. A lei começou a valer no início do atual ano letivo, em setembro, e imediatamente provocou reações. 

Uma professora de Dallas colocou junto aos 10 Mandamentos cartazes com princípios fundamentais do budismo, do hinduísmo e do islã. Uma outra começou a distribuir botons em defesa da primeira emenda da Constituição americana - aquela que, inspirada pelos iluministas, garante a liberdade e a pluralidade religiosa. Na semana passada, um juiz federal emitiu uma liminar determinando a remoção dos cartazes, atendendo a uma ação movida por um grupo de famílias descontentes. A ver como a coisa anda.

E o que dizer sobre o que aconteceu em São Paulo na semana que passou? Policiais militares armados, um deles com uma metralhadora, invadiram uma escola depois que um pai, também policial militar, surtou quando viu que a filha, de quatro anos, havia desenhado um orixá durante uma aula. Não precisamos falar sobre o escândalo que é ver a Polícia Militar paulista tocando o terror em crianças e professoras por um motivo absurdo, nem lembrar que a Base Nacional Comum Curricular prevê o ensino de fenômenos religiosos, mitos e práticas culturais em escolas de todo o país.

Vamos abstrair tudo isso e pensar apenas no que esse homem, esse policial, esse pai, anda ouvindo falar sobre religião (a dele e a dos outros) na igreja, em casa ou no zap. Que a lei - dos homens - nos proteja. 

CLÁUDIA LAITANO

24 de Novembro de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Como vem o foco ambiental?

Faço parte de uma das famílias que controlam a usina. Era do meu avô, que teve três filhos. A sede é em Alagoas, e tinha 7,5 mil hectares de reserva de Mata Atlântica. Hoje, tem porte considerável, está profissionalizada, a família faz parte do conselho. Mas meu pai fazia corredores entre as grutas para os animais passarem, enquanto eu e meu primo só pensávamos em tirar e plantar cana, porque dava mais. Meu pai nos chamou e disse: ?Vocês podem fazer qualquer besteira e não serão demitidos, porque um é filho, o outro é sobrinho; agora, se arrancarem uma árvore dessas matas, serão demitidos sumariamente?. Ficamos meio sem entender, eu tinha 21 anos.

Entenderam, mais tarde?

Aprendemos que a usina só moía porque tinha mata protegendo todas as nascentes do Rio Coruripe e seus afluentes. A comunidade está envolvida. Antes, quando o pessoal da cidade precisava de madeira para casa, para consertar o telhado, entrava na mata para cortar árvore. Separamos alguns hectares que eram de cana e plantamos uma palmeirinha usada para artesanato, ouricuri. A comunidade não entra mais na mata. Em 1994, compramos uma usina no Triângulo Mineiro, em Iturama, porque no Nordeste não tinha como crescer. Hoje, temos quatro unidades na região. Em 2005, fomos desafiados a levar o projeto de preservação ao Cerrado. Montamos o Idese, que cuida de reservas e projetos sociais. Compramos quase 10 mil hectares de uma siderúrgica que ia arrancar o cerrado para fazer carvão na caixa d?água do Rio São Francisco.

Como sustentam a reserva?

Antes, dependia da usina. E se a usina tivesse dificuldade financeira, a primeira coisa a cortar seria a área ambiental. Transformamos o Idese em uma Ocip (organização da sociedade civil de interesse público). Trabalhamos para isso nos últimos cinco anos. Hoje, a reserva é autossustentável e ainda sobra um pouco de dinheiro para ampliar a área. Compramos mais 10 mil hectares. A gente gasta mais ou menos R$ 2 milhões por ano na manutenção, o que sobra vai para ampliação, porque a venda de créditos de carbono nos dá de R$ 5 milhões a R$ 6 milhões.

Como conseguiram esse retorno em créditos de carbono?

Montamos a operação com ajuda do Itaú. O cálculo do carbono hoje é feito acima e abaixo do solo. No Cerrado, as árvores são baixinhas e tortas, mas as raízes são fortes para aguentar a seca. A última venda de carbono teve contrato assinado na COP30. É uma simbologia, porque a gente já vende bem e está ampliando. Os clientes são empresas europeias e algumas americanas. O banco ganha um pedaço desse negócio, lógico, ninguém trabalha de graça, mas é um negócio que dá uma renda anual, por ao menos 30 anos.

A reserva tem outro lucro?

Quando a Coruripe exporta açúcar, ganha US$ 2 a mais por tonelada de açúcar por ter sustentabilidade ambiental certificada pela Vive (Vendor Information Verification Experts) em que se cadastram exportadoras e importadoras. Se não, é o preço da bolsa. E esses US$ 2 dólares vão direto para o Idese, que tem conta bancária separada da Coruripe. Eles pagam um prêmio para quem é sustentável, mesmo em outro país. Cerca de 40% do nosso açúcar é exportado para essas empresas que querem estar no Vive.

O que US$ 2 representam?

Uma tonelada de açúcar para exportação hoje está em torno de US$ 550. O prêmio é de US$ 2, é pouco. Mas para nós, dá quase US$ 1 milhão por ano. Para a reserva ambiental, é um colosso. Banca o custo de preservar e fazer nossos programas educacionais e ainda sobra, com os créditos de carbono, para comprar 1,5 mil hectares por ano. Lá, quando alguém desmata, tem gente que quer botar na cadeia. Eu digo ?minha gente, a briga aqui é diferente, a briga é econômica?. Se colocar meia dúzia na cadeia, 200 vão desmatar. Não adianta.

Como ganhar essa briga?

A gente tem de fazer com que preservar dê tanto dinheiro como plantar soja. Na hora que isso acontecer, ninguém em sã consciência vai tirar uma árvore para plantar soja, correndo o risco da safra, podendo deixar a árvore e ganhar quase igual. Dizem que o Estado é que tem obrigação de preservar, mas não tem dinheiro para educar o povo, fazer saúde. Aí quer que preserve porque é obrigação. No Brasil, acho que nos próximos 200 anos não vai acontecer. A gente tem de permitir que isso seja feito pela iniciativa privada. Esse é o charme da RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Nacional). É o governo não gastar imposto, só vai fiscalizar. É caro preservar. Mas com crédito de carbono, passa a ser lucrativo também. 

Respostas capitais - Vítor Wanderley Júnior

Engenheiro mecânico, sócio e integrante do conselho de administração da Usina Coruripe, uma referência em preservação autossustentável no Brasil

"A gente tem de fazer com que preservar dê tanto dinheiro como plantar soja"

Vítor Montenegro Wanderley Júnior ouviu do pai que seria demitido do negócio da família, uma usina de açúcar, se cortasse uma só árvore da reserva. Descobriu que a mata protegia as nascentes do rio que irrigava o plantio de cana. Décadas depois, multiplicou a área de preservação que dá lucros crescentes.

GPS DA ECONOMIA