quarta-feira, 31 de janeiro de 2018



31 DE JANEIRO DE 2018
DAVID COIMBRA

O moletom do Mickey

Gosto do meu moletom do Mickey. Ele é confortável e azul-escuro e tem um capuz muito bom e a cara sorridente do Mickey bem grande estampada no peito. Comprei na Disney. Era uma noite em que fazia muito frio e eu estava desprevenido, achando que na Flórida sempre é quente e acolhedor. Então, entrei numa daquelas lojinhas deles e vi esse moletom. Olhei para o Mickey ali desenhado, tão simpático com suas orelhonas, e pensei: por que não? Vesti-o na loja mesmo e me afeiçoei.

Depois, nos dias de inverno inclemente do Norte, várias vezes acordava ainda em meio ao breu da madrugada, para fazer o Timeline, da Gaúcha, enfiava meu moletom pelo pescoço e ia preparar o café sentindo-me mais jovial. Participava alegremente do programa, dentro do meu moletom. Mas, um dia, o Potter ralhou:

- Fica ruim tu entrevistar um ministro de moletom do Mickey.

A Marcinha fez coro:

- Ele está certo. Não tem cabimento tu andar por aí com esse moletom do Mickey!

Com o que, dobrei tristemente meu moletom e o acomodei em uma prateleira alta do roupeiro, suspirando:

- Adeus, querido ratinho...

Faz uns dois anos que isso aconteceu. Desde aquele dia, tenho pensado em jogar para o alto as convenções e voltar a vestir, orgulhosamente, meu moletom do Mickey. Estava até decidido a cometer esse ato de rebeldia ainda em janeiro, até que, nesta semana, vi aquele vídeo da quase ministra do Trabalho. Você sabe do que estou falando: a deputada Cristiane Brasil, candidata a ministra, aparece a bordo de uma lancha cercada por homens sem camisa. Eles são fortões, grandes e estão depilados. A deputada fica pequena perto deles. Seu queixo está à altura dos mamilos do mais alto. Ela começa a falar defendendo sua nomeação ao ministério, e os sujeitos concordam:

- É isso aí, ministra!

Assisti ao vídeo nas redes e no Jornal Nacional. Confesso: não prestei a mínima atenção ao conteúdo da fala da quase ministra e de seus apoiadores brutamontes. A forma, digamos, pouco ortodoxa do vídeo suplantou e ofuscou a mensagem. Não que achasse o vídeo indecente, como alguns acharam, nada disso. Achei apenas esquisito, o que bastou para que o teor do discurso da deputada se esfarelasse.

Foi aí que dei razão ao Potter e à Marcinha: a bela apresentação não garante a qualidade do produto, mas a embalagem desleixada é um dado que depõe contra o conteúdo. Se houve descuido na capa, é provável que tenha havido também no interior. É preciso ficar atento. Não vou mais vestir meu moletom do Mickey.

DAVID COIMBRA

31 DE JANEIRO DE 2018
PEDRO GONZAGA

UMA APOSTA


Um banqueiro e um jurista, depois de uma acalorada discussão sobre a pena de morte, resolvem fazer uma aposta. O banqueiro, defensor da execução por princípios humanitários - quem haveria de preferir um verdugo que nos mata lentamente, ano a ano, a um que agisse de imediato e com pouco sofrimento -, é confrontado pelo jurista que alega ser qualquer vida melhor que nenhuma vida. Disposto a tirar a discussão de um plano teórico (e quem já não quis fazer isso?), o banqueiro aposta dois milhões como o jurista não aguentaria cinco anos confinado a um quarto. 

Talvez pela bebida, talvez pelos arroubos da juventude, o desafiado aumenta para 15 anos a temporada de reclusão. E assim os dois selam o estranhíssimo acordo. O preso teria direito a um piano, vinho e tabaco, os livros que desejasse, e teria por restrições não poder se comunicar com ninguém nem abandonar o aposento, localizado numa casinha ao fundo da propriedade do banqueiro.

E os anos passam velozes neste magnífico conto do Tchekhov, chamado Uma Aposta. O jurista aguentará os anos trancafiado, lendo feito um louco, obras de todos os tipos, dos clássicos aos livros de ciência e de teologia, crendo e descrendo na humanidade, imerso na solidão que tantos leitores conhecem, a um só tempo libertária, fantasiosa e fatal. Do lado de fora, tendo feito maus negócios, atacado pela idade e pelas derrotas, o banqueiro vê se avizinhar o fim do prazo. 

Se antes dois milhões eram nada, agora ter de pagá-los representará sua ruína. Por isso, resolve, na calada da noite, dar cabo de seu prisioneiro. Já dentro da peça, em que se depara com um homem frágil, a dormir, encontra uma carta a si endereçada. Nela o prisioneiro alega que não quer o dinheiro, que nada mais na experiência humana pode surpreendê-lo ou encantá-lo. Depois de ter vivido grandes horas na companhia dos maiores autores, depois de tê-los amados e deles se cansado, que lhe importavam o dinheiro e outras glórias.

Dividi com vocês esse conto porque nas férias o leitor é sempre um pouco esse jurista. Finalmente há tempo para as leituras adiadas, as mais queridas, que nos sequestram com facilidade do mundo sensaborão dos debates políticos, dos artistas de temporada, das polêmicas de dois dias. Mas é também um alerta ao perigoso chamado ao isolamento.

Aposta, no entanto, é aposta. E mesmo depois de 30 anos, eu diria ao banqueiro:

"Paga y no bufa!".

pdgonzaga@icloud.com - PEDRO GONZAGA


31 DE JANEIRO DE 2018
ARTIGOS

DEPUTADOS, SALVEM O RIO GRANDE DO SUL



Nesta semana, o Rio Grande do Sul terá a oportunidade de iniciar o processo de reconstrução do Estado. A convocação extraordinária da Assembleia Legislativa para votar a adesão ao regime de recuperação fiscal pode não ser a única, mas é a oportunidade real para iniciar um já atrasado processo de enxugamento estatal. Uma medida prioritária para a saúde financeira do RS e das milhares de famílias de servidores públicos que sonham em ver os seus salários em dia.

Mas, afinal, porque ainda há dúvidas sobre a aprovação da proposta? A quem interessa inviabilizar o pagamento do funcionalismo ou o retorno dos investimentos em infraestrutura, saúde e segurança? A quem interessa não permitir que o governo venda estatais que só trazem prejuízo aos cofres públicos e a cada um de nós? Em suma: a quem interessa impedir o progresso do Estado? Deputados, não podem ser os senhores.

É hora de deixar de lado as guerras políticas que têm acumulado perdas para todos nós. As disputas ideológicas apenas nos levaram para trás. Olhem o exemplo do nosso Estado vizinho, Santa Catarina. Unido, não para de avançar.

Chega de colocar os interesses partidários e corporativistas acima dos interesses de todos os gaúchos. Nós merecemos a chance de ir adiante e de ter o nosso orgulho de volta. Merecemos resgatar a autoestima que nos foi tirada com anos de descaso e irresponsabilidades com a coisa pública.

Não por acaso, o Rio Grande do Sul é um dos Estados mais endividados do Brasil, beirando a falência. A culpa é de todos nós, que permitimos que o Estado chegasse a este ponto de descontrole fiscal. É também dos senhores, pois cabe ao parlamento, além de legislar, fiscalizar as ações do Executivo.

Já tivemos vários governos, de diversos matizes, que não conseguiram resolver o desequilíbrio financeiro. Alguns, inclusive, o agravaram. É hora de dizer basta. O projeto de privatização da CRM, da Sulgás e da CEEE - esta com um passivo trabalhista que beira o abismo - é a oportunidade que temos para iniciar um longo projeto de reestruturação do Estado.

Se a questão for política, lembrem: votar contra o projeto dessa gestão será votar a favor da inviabilização do mandato dos próximos governos, sejam eles quem forem. Um futuro promissor para o Rio Grande, para nossas empresas, para nossos jovens e filhos, deve começar a ser construído agora. Depende dos senhores.



Cientista política e publisher da revista Voto karim@revistavoto.com - KARIM MISKULIN

31 DE JANEIRO DE 2018
ARTIGOS


SOLUÇÕES INOVADORAS

Aideia de que a crise é insolúvel, alardeada pelo governo, cria na sociedade o sentimento de que devemos aceitar tudo o que está sendo feito, como se fosse o único caminho. Aumentar impostos, vender empresas públicas e usar depósitos judiciais já foram testados por vários governos e não deram certo. São soluções conservadoras que ampliaram a crise.

Nós, do PDT, somos totalmente favoráveis à renegociação da dívida, porém contrários à proposta do atual governo. Se aprovada, ela nos traria um alívio nos próximos três anos, mas comprometeria o futuro. Nos últimos meses, não pagamos a dívida e, mesmo assim, a situação não melhorou. Esta iniciativa repete outras renegociações que foram pensadas para resolver a situação de governos e não do Estado.

Esse plano de recuperação fiscal tem pontos claramente negativos. O Rio Grande será governado por uma junta comandada pelo Tesouro Nacional e o próximo governador será um fantoche. Será mantido o aumento de ICMS até 2023 e isto está tirando a competitividade do Rio Grande do Sul e asfixiando nossa economia. Essa proposta canaliza todos os dividendos que serão gerados pelo Banrisul para o pagamento da dívida. Defendemos que empresa pública tem que dar lucro e a lucratividade deve ser investida em um fundo para a educação, e não em privilégios.

Somos contrários, também, porque entendemos que o futuro governador, independentemente de quem seja, terá muito mais força e legitimidade para conquistar uma renegociação positiva para o Estado e que não inviabilize nosso futuro. No mundo complexo de hoje, não podemos nos limitar a soluções simplistas.

Não somos um partido do quanto pior, melhor. Nos últimos 24 anos, ajudamos governos diferentes, sempre com o objetivo de recuperar o Rio Grande. Portanto, somos os únicos que têm trânsito com todas as forças políticas e podemos unir o Estado.

A crise gaúcha tem solução. Mas ela não virá das receitas tradicionais de sempre, e sim de atitudes inovadoras.

Ex-prefeito de Canoas, pré-candidato ao governo do RS (PDT) jairojorge.pdt@gmail.com
JAIRO JORGE

31 DE JANEIRO DE 2018
INDICADORES - Ricardo Hingel - Economista

TRF4, o mercado e o ferrolho


Acostumado a trabalhar no mercado financeiro, com suas lógicas e racionalidades, constantemente tenho dificuldades em compreender os resultados de processos judiciais no Brasil. O aparato de leis que compõem a Justiça brasileira permite que tudo seja judicializado e com altas doses de subjetividade nas decisões, incorporando, por vezes, entendimentos pessoais de quem julga, afastando-se do senso comum que origina as regras.

Nesse sentido, me causou surpresa positiva a qualidade do trabalho da 8ª Turma do TRF4, que confirmou a condenação do ex-presidente Lula. Não vou entrar aqui no mérito do julgamento, mas, sim, na forma como os relatos foram apresentados. Olhando com meu viés financeiro, mais objetivo, chamou atenção o estilo técnico e pontual com que os pronunciamentos foram sendo apresentados; didaticamente conceituaram o que seria uma prova e, na sequência, traziam o fato a ser julgado; se se enquadrava no conceito, era prova e seria considerada; fora do conceito, seria descartada.

Sem qualquer erudição, a decisão foi construída e embasada, sendo afastadas as subjetividades que poderiam comprometer o juízo do mérito. Por sua clareza e didática, o procedimento dos três desembargadores deveria servir de modelo. Os não letrados em geral agradeceriam.

O resultado se somou aos do Mensalão, do Petrolão e, agora, aos da Lava-Jato, que imediatamente encarcerou alguns dos principais figurões de nossa República, por suas ações de assalto ao patrimônio público.

Embora nossa legislação ofereça uma espécie de ferrolho àqueles que possuem mandato, protegendo-os criminalmente e os diferenciando dos simples mortais, espera-se que muitos ainda venham a ser condenados. A Constituição de qualquer país civilizado garante que todos os cidadãos são iguais perante a lei; a nossa parece diferente, pois oferece salvo-conduto para alguns.

Após o julgamento, o mercado financeiro reagiu favoravelmente, não porque tenha preferência partidária, mas porque se alinha com correntes econômicas que tenham racionalidade e responsabilidade. A atual correção dos rumos da economia precisa ser mantida e os resultados de recuperação já aparentes não estão garantidos. O não retorno à condução irresponsável da economia (vide a grave recessão, recém começando a ser superada), será fundamental para a garantia do equilíbrio das contas públicas, da inflação e dos juros baixos para que se volte a crescer e empregar pessoas.

Ricardo Hingel escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias. Amanhã, Bruno Zaffari.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018


30 DE JANEIRO DE 2018
LUÍS AUGUSTO FISCHER

DO FACEBOOK PARA O LIVRO


Não tem jeito: livro, impressão em papel, com as letrinhas ali paradas, uma pilha de folhas coladas por um dos lados, capa, isso faz parte essencial ainda da nossa maneira de estar no mundo. Tanto que textos nascidos na internet, no Facebook ou similares, portanto textos com tamanho variado e tom particular (informal, mas mais que meramente escrito à vontade: um informal de quem sabe que vai ser lido por amigos mais ou menos imediatamente) - também eles estão convergindo para o livro.

Dois casos sensacionais recentes. Um é A Cobra da Laranjeira - Crônicas Muito Azedas, de Ana Marson (editora Consultor Editorial). Conheço a autora há tempos e sei que ela é debochada como as melhores pessoas são. Isso quer dizer: debocha com senso de oportunidade e tino, sem tripudiar dos já derrotados pela vida e pelos poderes superiores. (Boa maneira de distinguir deboche do bem e o do mal, nestes tempos sombrios, não é?)

Ocorre que a Ana foi morar em São Paulo, por motivos profissionais, e o que ela viu na cidade só uma criatura com senso agudo da diferença veria - e saberia dizer de modo tão justo, no alvo, em palavras precisas e ritmo certo. Dá vontade de reproduzir aqui umas quantas, só para o prezado leitor curtir o humor da Ana - humor bom e humor mau, mas sempre humor. Ela falando dos sons, dos costumes, das estranhezas da ex-Terra da Garoa, em textos que vão das oito linhas às três páginas, é um negócio. (No fim ainda tem umas crônicas dela já morando em Florianópolis, outra fase da vida, mesmo humor.)

E humor autocrítico também, o que sempre recomenda. A Ana, que tem origem em Cotiporã, volta e meia confronta a experiência da megalópole com o mundo interiorano, rindo de si mesma, rindo do ridículo da vida, enfim, fazendo um bem enorme ao leitor. Não perca. Encomende ao seu livreiro predileto, meu caro leitor.

Ah, sim: tem outro, que eu não vou ter espaço pra comentar, mas é de chorar de rir e de pensar: Rio em Shamas, do Anderson França, vulgo Dinho (editora Objetiva). Quem me deu o toque foi a Katia Suman. E a gente lê de vez em quando no Sarau Elétrico.

LUÍS AUGUSTO FISCHER


30 DE JANEIRO DE 2018
ESSENCIAL


Visto eletrônico vai atrair mais turistas dos EUA

O governo brasileiro passou a facilitar, desde quinta-feira passada, a emissão de vistos para entrada de turistas dos Estados Unidos. Segundo o Ministério do Turismo, o processo poderá ser feito totalmente via internet, e o tempo estimado entre solicitação, apresentação de documentos necessários e liberação da entrada no Brasil será de, no máximo, 72 horas.

Antes da mudança, a concessão de visto brasileiro ao turista norte-americano poderia levar até 90 dias. A facilitação está disponível para os vistos de turismo e de negócios e não inclui as modalidades de trabalho ou de estudante, que mantêm os procedimentos já existentes.

O Brasil é o destino de apenas 0,7% dos mais de 75 milhões de turistas americanos que viajam pelo mundo, informou o ministério. Com a desburocratização e a simplificação na emissão de vistos para turistas dos EUA, o governo brasileiro espera incrementar em 200 mil o número de visitantes por ano.

NÚMEROS ATUAIS

De acordo com as estatísticas mais recentes, mais de 575 mil turistas dos EUA escolhem o Brasil como destino turístico e injetam US$ 710,5 milhões (cerca R$ 2,4 bilhões) na economia nacional por ano. Eles representam o maior número de turistas estrangeiros de fora da América Latina em solo brasileiro.

EXPECTATIVA

A expectativa é de que a mudança possa incrementar em até 25% o número de visitantes dos EUA no Brasil, segundo projeções da Organização Mundial do Turismo (OMT). Como resultado, poderão ser injetados até US$ 177,6 milhões (cerca de R$ 600 milhões) na economia brasileira com os gastos dos turistas norte-americanos no país.

MAIS PAÍSES

Além dos EUA, mais três países foram beneficiados com a implantação do visto eletrônico: Austrália, Canadá e Japão, considerados estratégicos pelo governo brasileiro na tentativa de ampliar o fluxo de turistas estrangeiros. Com esta medida, de acordo com estudos da OMT, o Brasil deve atrair R$ 1,4 bilhão a mais nos próximos dois anos. Também passou a vigorar este mês a isenção de vistos para os países dos Emirados Árabes, aprovada pelo Congresso Nacional.

ESSENCIAL


30 DE JANEIRO DE 2018
ASTRONOMIA

Amanhã tem Superlua Azul e Lua de Sangue


O ano de 2018 promete muitos eventos celestes. Em 1º de janeiro, houve a primeira lua cheia do ano - foi, aliás, uma "Superlua", maior e mais brilhante do que o satélite normalmente aparenta estar nessa fase. E amanhã teremos a segunda lua cheia do mês. Ela estará novamente no seu perigeu (a menor distância da lua à Terra). Portanto, será outra "Superlua", que pode ser chamada de "Superlua Azul".

Também amanhã, haverá um eclipse lunar total (quando a lua está entre a Terra e o Sol). E o satélite deverá "assumir" outra cor. Graças à refração da luz do Sol, a lua fica vermelha, o que garante à ocasião o nome "Lua de Sangue". Mas não será possível enxergá-la assim do Brasil: o fenômeno será visível apenas na Ásia, na Austrália, no Oceano Pacífico e no oeste da América do Norte.

30 DE JANEIRO DE 2018
ARTIGO

HÁ MUITA BELEZA POR AÍ



Com suas cornucópias a cuspirem água, quatro nereidas montadas em cavalos-marinhos anunciam o chafariz, todo em ferro fundido. O Chafariz das Nereidas, como dizem os pelotenses, é um cartão de visitas da cidade.

Como nos mitos de Netuno, ninfas ladeiam carrancas de leões. Das ânforas e bocas felinas vertem jatos de água. Máscaras humanas lançam esguichos de suas gargantas.

Mais acima, meninos atlantes sustentam quatro estátuas fêmeas: ciência, música, arte e indústria. E no topo, em pé, nua e bela, Deméter, filha de Nereu e Dóris, deusa grega da agricultura.

Há um chafariz igual ao pé da montanha que leva ao castelo medieval onde nasceu o rei James I, em Edimburgo, na Escócia. Ambos foram produzidos nas Fundições Durenne, na França, em fins do século 19.

No entorno da Praça Coronel Pedro Osório, onde está o chafariz, vislumbram-se elegantes casarões da época em que Pelotas floresceu com as charqueadas. Veem-se o Theatro Sete de Abril, o mais antigo do Rio Grande do Sul, o Grande Hotel, o Theatro Guarany, a Bibliotheca Pública Pelotense e o Mercado Público. E, de lambuja, Simões Lopes Neto, pernas cruzadas, num banco da praça.

Em meio a tantas notícias ruins, ir à Princesa do Sul foi para mim um presente. Como todas as cidades, Pelotas tem seus problemas, mas luta corajosamente para resolvê-los. E o faz promovendo a cultura. Lá acontecia um festival internacional de música erudita da maior qualidade.

Eu, que andava triste com o país, senti-me como o jovem do conto de Gogol, prestes a se suicidar, que cai no sono com o revólver engatilhado nas mãos. E mergulha num sonho surpreendente, em que existe, sim, um mundo justo e feliz. Ao despertar, ele já não é a mesma pessoa. Sai a caminhar, alegre, pelas ruas, em busca do que de bom a vida lhe pode dar.

Pelotas lembrou-me que a cultura é indestrutível. Mesmo que a maldade varresse-nos, todos, da Terra, restaria sempre um indício de beleza atribuível à presença humana. Numa pintura rupestre, numa partitura musical ou num velho chafariz no centro de uma praça.

Médico e professor gilberto.ez@terra.com.br - GILBERTO SCHWARTSMANN

30 DE JANEIRO DE 2018
OPINIÃO DA RBS

CHANCE DESPERDIÇADA


Convocados para sessão extraordinária na Assembleia Legislativa, os deputados gaúchos perderam a primeira oportunidade de ajudar o Rio Grande do Sul a encontrar uma saída para o colapso das contas públicas. Por uma falha da bancada do governo e uma manobra da oposição, a sessão foi encerrada por falta de quórum em um breve momento em que parlamentares estavam na Casa Legislativa, mas não em Plenário.

Conhecida a gravidade da crise no Estado, com atraso no pagamento dos salários do funcionalismo e de fornecedores, é lamentável que se desperdice um dia de trabalho legislativo, que deveria ser dedicado ao debate sério e profundo de projetos. Espera-se que a Assembleia pense acima de interesses setoriais, com os olhos voltados para a maioria da população e para o futuro, e aprove os projetos que, se não são o ideal, pelo menos evitam o agravamento de uma situação já dramática.

O principal prejudicado com o atraso na apreciação do pacote de recuperação fiscal é o próprio Estado, que, sem alternativas, segue condenado a uma situação de penúria, sem condições de oferecer serviços públicos de qualidade.

Neste quadro, é espantoso que deputados da oposição, amparados por sindicalistas, persistam em defender um modelo público cujo resultado prático é o pagamento de servidores com atraso e a não retribuição, em serviços e investimentos, dos impostos cobrados de todos os gaúchos.

A pressão das galerias, formadas basicamente por líderes sindicais do funcionalismo, mais preocupadas em defender interesses de determinadas categorias do que em ouvir pronunciamentos com a seriedade que o momento exige, não pode determinar o futuro do Rio Grande do Sul. O Estado não pode seguir refém de uma visão atrasada, que defende que a estrutura do setor público deva permanecer engessada, congelada em um tempo que não existe mais.

30 DE JANEIRO DE 2018
CARPINEJAR

Terno para toda a vida


Só tive um terno até os quinze anos.


Um terno preto e um par de sapatos escuros. Usava para todas as situações que exigiam formalidade. Ia sempre com o mesmo traje em casamentos, batismos, enterros e formaturas da família. A mãe soltava a bainha conforme espichava, as mangas do casacos avançavam aos cotovelos. Não se cogitava comprar outro. Custava caro, os olhos da cara, e nunca reclamava.

Terno era para a vida inteira na minha infância. Eu crescia, ele encolhia. Andava com ele absurdamente menor, apertado, pelas horas graves da honra, quando tinha que parecer velho e sério. Não deveria faltar com o respeito quando colocava as minhas pernas e o meu tronco nele, roupa de ser grande e forte, precisava mastigar as palavras e suportar o silêncio.

Pegue o seu terno - meu pai me avisava com brevidade.

E eu tinha a noção de que alguém havia morrido. E tentava parecer mais triste do que realmente era. O chamado vinha claro e inegociável. Não podia rir, não podia brincar, não podia correr, não podia bagunçar com os meus irmãos.

Assim como havia o pijama para dormir, havia o terno para ser adulto. Ele me servia para antecipar a maturidade. Ele me preparava para a barba e para as dores. Era um tempo futuro recebido com antecedência, uma amostra grátis da velhice durante o meu corpo em formação, uma iniciação das conversas sussurradas e das despedidas.

Talvez eu não tivesse crescido sem o terno, confidente das primeiras lágrimas e sustos, cúmplice do mundo misterioso dos casamentos e divórcios, da culpa e do perdão, das demoradas celebrações. Sem ele, jamais entenderia que existe o momento de rir e o momento de não fazer piada, o momento de festejar e o momento de se calar.

Lembro que não o lavava, ele não conheceu a água e a espuma, o balde e o sol, minha mãe simplesmente passava uma escova em seus ombros para retirar os cabelos e a poeira e estava pronto para a nova batalha.

No meu armário, num cabide solitário de madeira, ainda o conservo. Ele preserva o cheiro e o suor da primeira metade de minha história, o DNA do meu espírito. É a mais fiel caixinha de recordações de casa.

Aquele terno esconde a minha imensa ternura de criança.

carpinejar@terra.com.br - CARPINEJAR

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018


29 DE JANEIRO DE 2018
DAVID COIMBRA

Chega de outrossim, destarte e entrementes


Coisa linda quando alguém fala destarte. Não é para qualquer um. Os ministros do Supremo de vez em quando metem um destarte no discurso. Aí, não ouço mais nada. Só murmuro:

- Destarte... Que bonito...

Esses ministros são demais. Tem outras palavras bacanas que eles usam. Outrossim. Confesso que meu sonho era, um dia, falar ou escrever outrossim. Não faço porque tenho vergonha. Não cairia bem. Diria faceiro meu outrossim e viria algum crítico, cheio de razão:

- Tá pensando que é ministro do Supremo?

Um ministro do Supremo pode engastar um outrossim, um destarte, até um entrementes numa frase, porque é do ofício dele. Ele precisa falar desse jeito para amaciar o ouvinte e dar corpo ao discurso. Um destarte é como uma catedral: tem a função de ser imponente. A catedral é a casa de Deus; o destarte é a palavra da Lei.

É assim que eles vão acomodando, ajeitando e acochambrando, que ministro do Supremo acomoda, ajeita e acochambra. Repare na diferença, por exemplo, dos três desembargadores que julgaram Lula em segunda instância - não, não vou falar mais de Lula. É uma chatice e, além disso, chega de propaganda.

Dos desembargadores, sim, falarei. Profissionais técnicos, precisos, diretos. Queriam provas? Eles passaram o dia inteiro tapando o Brasil de provas, cruzamentos de depoimentos, e-mails, fotos, contratos, declarações de renda, ficou tudo mais do que claro. O que não faz nenhuma diferença para os crentes em Lula, óbvio, mas isso também não importa. O que importa é que esses desembargadores, esses juízes, esses policiais, esses promotores, esses funcionários públicos de carreira representam o anseio da nova sociedade brasileira.

E eles não poderiam ter surgido em Brasília, é evidente que não, embora haja muitos deles na cidade de Lúcio Costa e Renato Russo. Mas essa mudança não poderia começar por Brasília porque lá, como já disse um dos ministros do Supremo, Gilmar Mendes, eles se encontram, partilham jantares, bebem da mesma garrafa de tinto chileno. Um ministro diria que vivem quase que em contubérnio.

A mudança também não poderia vir do Rio, que está apodrecido pela corrupção.

Nem do Rio Grande do Sul, o Estado mais embolorado ideologicamente do país. Do Rio Grande, Lavoisier diria que nada se cria e nada se transforma, mas muito se perde.

A mudança tampouco poderia vir de São Paulo, porque lá se espojam muitos dos atingidos pela nova onda, como alguns dos bilionários que passaram a usar o boi na cadeia.

A mudança tinha de vir de um lugar como Curitiba, cidade que sempre esteve fora do foco do poder e com desenvolvimento cultural sólido o suficiente para formar uma geração de servidores públicos honestos, dedicados e capazes.

Mas é claro que esses servidores não estão apenas em Curitiba. Eles se espalham por todo o Brasil, que não suporta mais essa elite política. Não suporta mais como ela age e pensa.

Neste fim de semana, a tragédia da Boate Kiss completou cinco anos. Duzentos e quarenta e dois jovens morreram no incêndio. Eu disse: 242. Até agora, ninguém foi responsabilizado. A Boate Kiss é o Brasil antigo, o Brasil dos legisladores que pregam a desobediência à lei, o Brasil dos líderes políticos que querem uma Justiça especial para eles, o Brasil em que dinheiro, poder ou popularidade tornam alguém inimputável. O Brasil que acomoda, ajeita e acochambra. O Brasil do destarte, do outrossim e do entrementes. Pensando bem, jamais escreverei outrossim.

DAVID COIMBRA


29 DE JANEIRO DE 2018
ARTIGO

ACESSIBILIDADE RIMA COM DIGNIDADE


Acessibilidade é assunto que faz parte da minha vida. Sei da carência de equipamentos e de profissionais preparados para estimular a inclusão, apesar das reivindicações constantes e de leis que amenizam as distorções. Diante do cotidiano adverso, me pergunto de que adianta essa luta. Sempre que vou a algum lugar, público ou não, e deparo com as mesmas dificuldades, tenho respostas simples e viáveis, mas que dependem de atitude, sensibilidade, vontade política, enfrentamento da burocracia. Poucos estão interessados.

As instituições bancárias são um exemplo perfeito. Os bancos têm lucros enormes, divulgados aos quatro ventos. Mas não está na pauta dos banqueiros uma verba para oferecer condições adequadas aos clientes com algum problema. Como uma pessoa com nanismo acessa os caixas? A pergunta espanta e todos se esquivam - isso é com o gerente! Ninguém está preocupado. Não há resposta. Muito menos solução.

Por experiência própria, afirmo que é exaustivo reivindicar a mesma coisa cotidianamente. Estamos sempre à mercê da boa vontade do outro, de quem faz o atendimento ou daquele que nos acompanha porque é solidário. Às vezes, cria-se um vácuo constrangedor. As pessoas tentam ser gentis, mas não estão preparadas para esse enfrentamento.

Já escrevi e falei muito sobre isso. Mas hoje minha percepção ultrapassa o nanismo. Estamos tão mergulhados no individualismo e atordoados por governos ilegítimos e insensíveis, que outras questões somam-se à minha preocupação com acessibilidade. Há direitos conquistados que estão nos tirando todos os dias. Há uma imposição da miséria física e moral que precisamos encarar para não cair no jogo de quem nos quer sem voz. Há um cinismo usurpador corroendo nossa dignidade. Enquanto isso, a política sórdida, comandada por homens corruptos que viram as costas para a questão social, é respaldada por um Congresso de homens que se vendem facilmente e por uma Justiça que vai pelo mesmo caminho.

Quero acessibilidade, sem dúvida, mas meu desejo agora é infinitamente maior e urgente - recuperar os direitos que nos roubam a cada anoitecer.

Jornalista leleigira@gmail.com - LELEI TEIXEIRA


29 DE JANEIRO DE 2018
OPINIÃO DA RBS

A ÚLTIMA CHANCE

Um governo precisa estar a serviço da maioria da população, gerar investimentos e retribuir com eficiência os impostos recolhidos dos contribuintes

O retorno do projeto de adesão ao regime de recuperação fiscal à pauta na Assembleia é a derradeira oportunidade para se contornar a mais dramática crise das finanças na história do Estado. A causa dos atuais problemas já foi exaustivamente diagnosticada, e neste momento já não cabe questionar sua origem, mas apresentar soluções e tomar atitudes concretas para que elas se convertam em realidade. 

Os deputados gaúchos têm diante de si a chance decisiva de demonstrar que a união em favor do Rio Grande do Sul está acima de disputas políticas transitórias, a serviço apenas de interesses específicos e minoritários. É esse conflito mesquinho diante da envergadura dos desafios do Estado que tem impedido, governo após governo, geração após geração, uma saída para o futuro.

A aprovação do projeto na Casa Legislativa e o apoio dos deputados às três propostas de emenda à Constituição que autorizam o Piratini a negociar CEEE, CRM e Sulgás sem a necessidade de plebiscito vão além de questões imediatistas. Uma eventual rejeição não significará unicamente a derrocada das contas públicas, mas sobretudo uma derrota para os próximos governantes, sejam eles quem forem. Perderão ainda mais o funcionalismo, que sofre há meses com o atraso dos salários, e toda a população, que vivencia no cotidiano a deterioração na qualidade do serviço público. Sem o estancamento das despesas e o apoio do governo federal, essa será tão somente uma luta sem vencedores.

A oposição e os deputados ainda em dúvida sobre os projetos têm o legítimo direito ao questionamento, mas não podem dar as costas ao futuro de todos os gaúchos. Respeitadas as divergências ideológicas, não é hora de promessas eleitoreiras ou da busca de palanque, mas de assumir a responsabilidade com o Estado por inteiro. Aparentemente, a nenhum parlamentar pode interessar o colapso da terra que os elegeu. Os maiores prejudicados serão seus eleitores, sobretudo os mais carentes.

Eleitos pelo povo, os parlamentares têm, na essência de suas visões ideológicas, posições diversas sobre tamanho e funções do Estado. Mas todos devem concordar que um governo precisa estar a serviço da maioria da população, gerar investimentos e retribuir com um mínimo de eficiência os impostos recolhidos dos contribuintes. Mais do que nunca, o Rio Grande do Sul precisa concentrar esforços em áreas indispensáveis, como saúde, educação e segurança.

A renegociação da dívida com o governo federal não significa que todos os problemas serão resolvidos de uma só vez. Mas sua rejeição, sem dúvida, representará um aprofundamento da crise no Rio Grande do Sul. A esperança de pagamento em dia do funcionalismo se esvanecerá, fornecedores cortarão mais serviços e produtos ao governo, o patrimônio se deteriorará, a criminalidade atingirá novos patamares. Não há área do Estado que passará ao largo de um desastre ainda mais fundo na administração.

A adesão tardia do Estado do Rio de Janeiro ao regime de recuperação fiscal devido aos entraves na Assembleia fluminense é mais uma evidência de que a hora de agir é agora. Não se deve esperar que o Rio Grande do Sul alcance tal estágio de convulsão social para que iniciativas sejam postas em prática. A crise atingiu níveis tão elevados de gravidade, que medidas duras não podem ser adiadas.

Ao Piratini, cabe apresentar à sociedade garantias de que os recursos da venda de estatais farão parte de um projeto mais amplo de futuro e não serão drenados para tapar buracos, caso uma ampla reforma do Estado não seja efetivamente implementada.

À Assembleia Legislativa, cabe evitar a degradação ainda maior de uma situação já de dramática penúria. É assim que os deputados podem ajudar a recolocar o Rio Grande do Sul no caminho do melhor Estado para se viver e se trabalhar, de que tanto se orgulhavam as gerações passadas.


29 DE JANEIRO DE 2018
L.F.VERISSIMO

A palavra e o grito


O debate sobre o julgamento do Lula ganhou um inesperado protagonista de última hora, o economista americano Mark Weisbrot, que, de Washington, escrevendo no New York Times, descreveu o que estava em curso no Brasil como um golpe para acabar com o futuro político do ex-presidente. Para Weisbrot, o golpe começou com a deposição da Dilma, e as provas, ou ausência de provas, usadas para condenar Lula seriam ridicularizadas, por exemplo, num sistema judiciário como o dos Estados Unidos.

O texto do americano, publicado no dia 24, circulou de mão em mão e de WhatsApp em WhatsApp entre os apoiadores do Lula. O Brasil descrito de fora, ainda mais nas páginas do New York Times, tem a vantagem de desprezar os pormenores e fixar-se no essencial, e Weisbrot estava dizendo o que gostaríamos de acreditar. Mas que no final só serviu como consolo. Tudo bem, perdemos, mas pelo menos o New York Times nos entende.

O debate acabou sendo entre a palavra e o grito. A palavra cheia de si dos juízes contra o grito de protesto das ruas. Os juízes foram enfadonhos, mas meticulosos e didáticos, as ruas foram desorganizadas, desarticuladas e desafinadas. Milhares andando e gritando nas ruas em favor de Lula não tiveram a loquacidade de três juízes nas suas cadeiras macias. As palavras dos juízes abafaram os gritos da rua. Não era preciso nem levantar a voz. Foi covardia.

Não sei como costuma ser a liturgia em casos como o do julgamento do dia 24, mas imagino que os advogados de defesa participem das sessões para argumentar em favor dos seus clientes. Argumentar, teoricamente, é tentar convencer, é esperar uma resposta, nem que seja por simples cordialidade. Os juízes do dia 24 já tinham seus votos prontos e sincronizados. O que o advogado do Lula estava fazendo lá? Se tivesse aproveitado para dar um cochilo, ninguém o recriminaria.

O advogado australiano Geoffrey Ronald Robertson, que representa Lula no Conselho de Direitos Humanos da ONU, participou da sessão como convidado. Depois do julgamento, entre várias outras coisas erradas que flagrou, Robertson declarou-se escandalizado com a presença de um representante do Ministério Público, responsável pela acusação a Lula, sentado junto com os juízes. Robertson já foi conselheiro da rainha da Inglaterra. Se contasse o que viu por aqui para Sua Majestade, ela desmaiaria.

O que acontece agora? Vem aí um festival de recursos, se entendi bem. Advogados contra juízes, palavra contra palavra. Vamos ver no que dá. Enquanto isso, nossa imprensa bem que poderia publicar uma foto do Mark Weisbrot. Gostamos de ver a cara dos nossos heróis.

L.F.VERISSIMO

A leitura influencia sua vida e sua mente de muitas formas. Além disso, em um plano fisiológico, foi comprovado que quem lê ativamente é capaz de aumentar a conectividade de seus neurônios.
Enquanto isso, no plano emocional, demonstrou-se que ao ler – principalmente ficção – aumentamos a nossa capacidade de simular o estado mental dos outros e podemos sentir mais empatia e compreensão pelos demais.

Os benefícios da leitura

– A leitura permite que você viva novas experiências. Como? É bem simples, especialmente a literatura de ficção tem um grande efeito emocional no leitor, pois ele é capaz de sentir emoções que talvez demoraria décadas para descobrir, e isso ajuda a sentir empatia pelos personagens com os quais o leitor vai se identificando ao longo da narração.
– A literatura é, em si, uma grande simulação da realidade. É como uma máquina do tempo que nos leva de encontro a diferentes situações e épocas, com suas características e personagens particulares.
Isso nos ajuda a sermos mais amáveis com os demais, pois nos ensina a ver o mundo da perspectiva dos outros, e nos ajuda a ter em conta as consequências dos nossos atos para com os demais. Também nos demonstra a simplicidade de virtudes como a amabilidade, a generosidade e a simpatia.
– A boa literatura sempre esteve em oposição aos sistemas de valores hegemônicos, estes que só priorizam a busca por dinheiro e poder. Os escritores se alinham à margem oposta dessa concepção de mundo. Eles nos ajudam a simpatizar com as ideias e os sentimentos que se contrapõem ao cinismo e à hipocrisia do mundo.
– A literatura é uma cura para a solidão. Em bons livros podemos encontrar personagens com os quais podemos nos identificar e, com eles, descobrimos todo o mundo que vai sendo descrito ao longo da narração. Quando o livro é interessante, atrai toda a nossa atenção e a solidão simplesmente desaparece, porque o livro vai se tornando nosso melhor amigo e companheiro.
– Os escritores nos ajudam a abrir nosso coração e nossa mente porque dão as ferramentas para nos livrarmos da paranoia e da sensação de perseguição que, muitas vezes, nos invadem.
 Finalmente, quero adicionar que a leitura é muito útil, além de tudo isso, porque nos ajuda a nos prepararmos melhor para o fracasso. Ninguém quer fracassar na vida, mas na literatura você vai encontrar ferramentas que lhe permitirão reconhecer que o fracasso existe e que pode ser superado para torná-lo mais forte, e finalmente alcançar o objetivo que deseja.
 A leitura é um bom hábito para todos, porque os benefícios são os mesmos independentemente da idade ou da condição do leitor. É claro que cada idade tem suas próprias preferências e necessidades, mas os resultados são iguais para todos.
Quero que você pense na leitura como um elixir que existe para nos ajudar a viver com um pouco mais de sabedoria e bondade, por isso não importa quando ou onde, se você tem a oportunidade de ler um bom livro, não desperdice… esse é o meu conselho final.

sábado, 27 de janeiro de 2018



27 DE JANEIRO DE 2018
LYA LUFT

As virgens loucas


As virgens loucas do Novo Testamento - não preciso verificar e citar ao pé da letra porque aqui só me interessa a metáfora - não cuidaram do azeite de suas lamparinas e sofreram algum castigo (talvez o noivo que escolheria uma delas se perdesse na escuridão, deixando-as mais loucas ainda).

Mas gosto da expressão, da loucura, do quanto reflete a nossa condição atual, o tsunami de confusões, ameaças, protestos, coisas honradas e outras distorcidas, nem tantas tão dignas.

O chamado povo brasileiro, que alguns qualificam de preguiçoso, desatento, conformado, eu o vejo como heroico, honrado, sacrificado, em parte desinformado e por isso iludido. É o meu povo. Há cinco ou seis gerações, minha família vive aqui, ajudou com sacrifício a construir esse gigante de momento tão atrapalhado.

Quem somos? O que sabemos? O que queremos? Oscilamos entre os pregadores da esculhambação, os oradores complicados que ninguém entende, os gritalhões adolescentes eternos e irresponsáveis. Mas, de repente, vejam só: num tribunal de desembargadores aqui, em Porto Alegre, minha amadíssima cidade adotiva (Gramado é a outra, sendo Santa Cruz meu berço), magistrados relativamente jovens, preparadíssimos mas não metidos a eruditos, sem rasgados falsos elogios mútuos, começam a botar as coisas em seus devidos lugares e a apresentar a verdade - devidos, porque é justo, porque é questão de justiça. 

Não há política nem politicagem, não há exibicionismo de erudição jurídica, não há nada palavroso nem olhares fulminantes ou peitos estufados. Apenas, com a simplicidade de quem de verdade sabe e sabe que está com a verdade, fizeram uma faxina moral e conceitual nas nossas cabeças. Isto é, de quem quis ou soube escutar.

Um velho professor com quem muitíssimo aprendi sempre me dizia: "Só quem sabe o mais consegue dizer com clareza e verdade o menos". De modo que, assim, aprendi então que o caminho da sabedoria é também o da simplicidade, sobre as calçadas da verdade.

Difícil, sim. Na vida pessoal, mais ainda na vida pública. Não quero nenhum imitador de Cristo populista, não quero incitação à desobediência, não quero irresponsabilidade nem borbulhas de champanhe francês atrás dos bastidores enquanto nós, o povo brasileiro, trabalhamos até o fim para pagar contas e impostos, morremos nas filas, no chão dos hospitais, na pobreza e falta de higiene nos nossos barracos, porque nem esgoto decente nos deram, muito menos escola boa, e próxima.

Quero, sobretudo, paz. Decência. Honradez. Alguma liderança de cara e mãos limpas, que nos dê esperança de não estarmos nos últimos lugares em quase todas as avaliações globais: infraestrutura, educação, saúde, Previdência, orgulho natural disto que somos.

Deus nos ajude.

LYA LUFT

27 DE JANEIRO DE 2018
MARTHA MEDEIROS

O fim da mulher discreta


Diretores de empresas, cineastas, fotógrafos, senadores, deputados, médicos, dentistas, advogados, jornalistas, professores, treinadores, executivos em geral: posso imaginar alguns deles colocando a cabeça no travesseiro à noite e se perguntando quais as chances de, na manhã seguinte, serem despertados por uma denúncia de assédio que porventura tenham cometido anos atrás. 

Rastreando a memória, talvez eles encontrem cenas esparsas de um carinho mal-intencionado numa estagiária, de uma proposta constrangedora a uma funcionária recém-contratada, de uma apalpada indevida numa paciente imobilizada, enfim, alguma situação de abuso de poder que tenha caído no esquecimento, mas quem garante? A mulherada lembra de tudo e resolveu soltar o verbo.

Pois é, rapazes, já não se fazem mais garotas discretas como antigamente.

Todas as pessoas, seja homem ou mulher, têm segredos guardados, e não há do que se envergonhar disso, ao contrário, é sinal de vida bem vivida. Ninguém está interessado na biografia de alguém que não tenha nadinha a esconder. Pequenas derrapadas, aventuras secretas, as deliciosas maluquices que ficaram sem testemunhas, quem nunca? Se você tem propagado por aí que sua vida é um livro aberto, não vejo tanta virtude nessa transparência toda, talvez seja um atestado do quão pouco audaciosa você é. Ora, não há quem não tenha, em sua história pessoal, ao menos um parágrafo punk.

E não precisa contar. Guarde pra você, esta é a graça da coisa: saber que ninguém imagina do que você foi capaz.

Completamente diferente é você ter sido vítima de um crime e silenciar a respeito por ser uma dama sofisticada que não se expõe. Sei bem como é difícil abrir o porão da nossa intimidade, já que foi assim que nos educaram: mulher fina é mulher calada. Graças a essa opressão travestida de etiqueta, guardamos traumas que nos infernizaram por anos. E, para piorar, nós mesmas fazíamos bullying umas com as outras: se alguma vinha a público denunciar um chefe ou um parente, éramos as primeiras a julgá-la como escandalosa, chamativa, vulgar.

Isso foi em outro século. Sabe esse boato de que o mundo está mudando? Procede.

Mulher fina pode e deve falar sobre alguma violência a que tenha sido submetida. É bem verdade que ainda há quem não tenha entendido que assédio está relacionado com poder - não só poder hierárquico, mas físico também. Cantada sem contato corporal e sem uma chantagem subentendida não é crime, pode, no máximo, ser uma grosseria, uma chatice, uma inconveniência, então cuidado para não ser injusta. 

Mas, se o titio justificou o parentesco para obrigá-la a fazer coisas que você não queria ou se o chefe insinuou que sua carreira não iria adiante se você não fosse boazinha com ele, abra o bico. Com um batom arrasador, claro: uma vez elegante, sempre elegante.

De resto (sobre aquilo que ninguém sabe que você fez ano passado), nem um pio.

MARTHA MEDEIROS

27 DE JANEIRO DE 2018
CARPINEJAR

A lição do quero-quero


Eu tenho hábito de escrever em praças. Em Porto Alegre, me isolo no laguinho do Grêmio Náutico União, da sede Petrópolis. Enquanto os outros caminham em círculos, eu ando dentro de mim.

Mas nunca é fácil me aproximar do meu esconderijo entre as árvores. Preciso enfrentar o temperamento agressivo do quero-quero. Ele não gosta de mim. Quando eu me dirijo para a alameda das quadras, ele já se põe em arma. É um duelo de faroeste. Bufa, concentra os olhos, arruma o penacho, levanta poeira com uma de suas patas e corre em minha direção. Sou obrigado a perder o charme do passo a passo e trotear em desespero. É uma vergonha social. Nem ficar quieto traz calmaria, a tática usada com os cachorros bravos não tem serventia.

Farejando o meu medo, ele voa para cutucar as minhas costas e cabeça. É uma invasão de pássaros feita por um único pássaro. Não o compreendo: não fiz nada para que demonstre colossal ódio. Soa como implicância gratuita. Parece que a cisma é somente comigo. Não ataca mais ninguém.

Lá estou, adulto, homem barbudo, fugindo do quero-quero. Logo eu, que não temo cascavel e rato. Uma comédia para os funcionários do clube, que não escondem as risadas da perseguição matinal. Não duvido que a cena seja um dia gravada e surja nas cassetadas de Faustão.

Buscando decifrar o seu comportamento arisco, me dei conta de que ele apenas está protegendo o seu ninho, guardando a casa. Atrás de sua vigília, há dois filhotes ainda sem pêlo e bambas, perto das cercas.

Aquilo me converteu emocionalmente, desmoronou a antipatia. Ele é um exemplo de pai. Eu vi que somos iguais, ou, pelo menos, tento ser. Minha paternidade sonha em lutar pelos filhos como um quero-quero. Com a mesma garra e imposição. Com a mesma fúria e possessão.

Pode me zombar, pode me ofender, mas jamais os meus filhos. Minha vaidade se concentra toda na minha ninhada. Eu perco o discernimento. Levanto voo e afio as asas em revoada. É o ponto fraco e também o ponto forte.

Coisa de gaúcho não temer a batalha para defender a prole.

CARPINEJAR


27 DE JANEIRO DE 2018
PIANGERS

Aurora


Hoje uma senhora passou por mim na praia e gritou: Sou fã da Aurora!. As pessoas são suas fãs, Aurora. Acho que é por causa do seu jeito alegre, sempre sorrindo, da sua simpatia em acenar para todos. Isso vem de quando você era ainda mais nova com um ou dois anos você já acenava para cachorros na rua. Com três anos, você fazia amizade com todos os mendigos do bairro, conversava demoradamente sobre os objetos que eles tinham amontoados em cima do cobertor no chão. Eu queria apressar o papo, meio por receio do que poderia surgir daquela amizade, meio porque chegaria atrasado pra te deixar na creche.

Acho que as pessoas são suas fãs porque você está sempre se divertindo. Acorda dando risada, toma café da manhã com entusiasmo, vamos andando até a escola com alegria. Se eu faço uma piada, você ri alto; se te carrego no colo, você comemora; se encontra uma joaninha no meio do caminho, fica deslumbrada. 

Você, aos cinco anos, ainda acredita nas coisas mais fantásticas. Como aquela vez em que fomos a um parque com dinossauros de plástico gigantes, e você disse que achava que eram dinossauros de verdade que aceitaram trabalhar no parque em troca de comida. Como quando eu esqueci de trocar seu dente que caiu por uma moeda, você acordou e disse: "Olhem só. Eu ganhei o meu próprio dente!". Você é uma menina feliz, Aurora.

Uma vez, me disseram que eu mudei depois que você chegou. Que minha primeira filha era mais séria e racional - como eu -, e, por isso, eu não tinha mudado muito com a chegada dela. Mas que, quando você chegou, eu fiquei mais doce e deslumbrado. Acho que isso aconteceu mesmo. 

Você gosta de cócegas e de andar pela rua saltitando de mão dadas. Você me chama de seu herói, diz que sou a pessoa mais legal do mundo. Não tem como não ficar doce e deslumbrado com essas coisas, Aurora. Você é um sopro de esperança em um mundo duro. Você conversa com todos sem julgamento. Seus olhos brilham com as coisas mais comuns da natureza. Você se diverte com as coisas mais triviais.

Não há nada que deixe um pai mais orgulhoso do que ouvir um elogio aos filhos. Você pode elogiar o pai, e ele ficará contente, mas elogie seus filhos, e ele ficará realizado. Toda vez que alguém diz que gosta do meu trabalho, fico agradecido. Mas, toda vez que alguém diz que gosta das minhas filhas, fico emocionado.

Ontem, você segurou a porta do quarto pra eu não entrar. Disse que tinha uma charada, e eu só entraria se acertasse a resposta: "O que é o que é um ponto amarelo na grama". Respondi: "Um fandangos? Um milho?". E você: "Não. Um flor amarela!". Eu ri tanto. "Já que você não acertou tenho outra: o que é um pontinho preto andando na calçada?" "Uma pessoa?", eu disse. "Sim! E qual o nome da ?pissoa? (sic fofo)?", você perguntou. "Marcos?", respondi. "Acertou", e você me deixou entrar.

Neste verão, estou te contando uma história infinita sobre um lagarto que vimos aqui no terreno da frente do prédio. Ele morava com a família em um buraco e ficou amigo de um sapo. O sapo ganhou uma capa que dava a ele superpoderes. Os dois fizeram corridas, festas de Réveillon, entregaram brinquedos de Natal e organizaram apresentações em zoológicos. No episódio de ontem, eles perderam a voz e tiveram que se apresentar apenas batendo palmas. Sempre que digo "Continua amanhã", você diz que eu contei muito pouco, que quer mais. É uma história que nunca vai terminar, Aurora.

Assim como a nossa.

PIANGERS

27 DE JANEIRO DE 2018
CAUÊ FONSECA (INERINO)

LULA, ENTRE O BRONZE E A CARNE



Chamou atenção o finalzinho da manifestação do procurador regional da República, Maurício Gotardo Gerum, durante o julgamento que tornou Porto Alegre o epicentro político do Brasil na quarta-feira passada. Falando, é claro, do réu Luiz Inácio Lula da Silva, o procurador citou Crime e Castigo, a crise de consciência em forma de romance escrita por Fiódor Dostoiévski. No trecho, enquanto pensa na velha agiota que assassinara, o protagonista Raskólhnikov devaneia sobre Napoleão:

- O verdadeiro soberano, a quem tudo é permitido, esmaga Toulon, faz uma carnificina em Paris, esquece um exército no Egito, sacrifica meio milhão de homens na campanha da Rússia e se safa com um calembur em Vilna. E ao morrer é transformado em ídolo. Logo, tudo lhe é permitido. Não, pelo visto esses homens não são de carne. São de bronze.

Gerum então se apruma para fechar sua participação com uma frase de efeito:

- Em uma República, excelências, todos os homens são de carne.

Carne, pensei cá com meus botões, por alguns muito bem protegida pelas armaduras da imunidade parlamentar ou do foro privilegiado. Mas tudo bem, o que achei curioso mesmo foi a citação ao bronze. Porque Lula há muito não está lutando com unhas e dentes pelo direito de voltar a ser presidente da República. Político experiente que é, duvido que ele mesmo se enxergue subindo a rampa do Palácio do Planalto em 1° de janeiro de 2019 e tomando a faixa verde-amarela de Michel Temer. Lula está lutando justamente pela sua versão em bronze. Pelo que será lembrado.

Me pergunto se Lula, ao olhar para o espelho e enxergar aquele misto de cansaço e fúria das capas de jornal da última semana, já se perguntou quais foram os seus grandes erros desde 2010, quando deixou o poder como o preferido de líderes de Estado como o francês Nicolas Sarkozy e o português José Sócrates para ser secretário-geral da ONU. Aquele para quem Barack Obama apontou em 2009 e disse: "Esse é o cara!". Desconfio que esses erros não têm nada a ver com triplex. As primeiras fissuras na figura de Lula se deram a partir de escolhas políticas infelizes.

Falando em Obama, faltou a Lula a grandeza de se afastar do poder como fazem os presidentes norte-americanos tão logo abandonam a Casa Branca. De se exilar da vida política após a sua contribuição de quatro ou oito anos. E Lula não deveria fazê-lo apesar de ser extremamente popular, mas justamente por sê-lo. Sua popularidade desobrigou o PT e a esquerda como um todo de procurar um sucessor natural, alguém com capacidade própria de liderar políticos em torno de um projeto de governo e de país. Esse candidato, perdesse ou ganhasse a eleição, tiraria o foco de Lula. Traçaria seu próprio caminho.

Em vez disso, Lula optou por moldar a figura de Dilma Rousseff e se manter presente. Teve carisma para eleger e reeleger a sucessora, e esse foi outro erro. Dilma pode ter sido eleita por Lula, mas ainda era a presidente, e uma presidente pode ser apeada - especialmente uma, diferentemente de Lula, sem características de liderança tão necessárias para o cargo e aliada a partidos infiéis. Somando a esse cenário a incompetência da oposição de superar Lula ou o legado de Lula, deu-se o impeachment e a derrocada do seu partido, hoje um triste agrupamento de cabeças brancas amarguradas.

Fora da política, sobre apartamentos, sítios e afins, não sou procurador, advogado de defesa e muito menos juiz para sentenciar, mas me consternou, à época, uma fala de Lula repetida à exaustão em um daqueles discursos inflamados após a condução coercitiva em março de 2016. Lula se referia aos pedalinhos com os nomes dos netos em Atibaia:

- Só eu não posso?!

Exatamente, Lula. Só você é o primeiro presidente de origem popular. E, como tal, teria de ter especial cuidado com a coisa pública para evitar que qualquer problema na Justiça desse vazão ao preconceito social em forma de protesto contra a corrupção. Seu dever - o de todos, mas seu em especial - era o de ter uma índole inatacável. Pela simbologia que representa. Os processos vêm mostrando, infelizmente, que está longe disso.

A batalha de Lula, agora, é pela caneta da História. Se ficar de fora da eleição, Lula tentará emplacar a versão de um herói, de um perseguido político por ser um candidato imbatível. Para isso, grita forte para que não emplaque a outra versão, a de que ele é apenas mais um político cooptado pela corrupção que terminou na cadeia. Uma batalha entre o bronze e a carne. Ou entre o bronze e o plástico, em forma de boneco inflável flutuando no Guaíba em trajes listrados. Lembra do tal calembur (um trocadilho, um jogo de palavras) citado na fala do procurador, proferido por Napoleão ao abandonar suas tropas aos frangalhos sob a neve de Vilna: do sublime ao ridículo, é só um passo.

CAUÊ FONSECA (INERINO)