terça-feira, 30 de abril de 2024


30 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

O desamparo da infidelidade

Quem trai nunca diz toda a verdade. Esta é a verdade que não se comenta. Ele conta somente parte da história, a parte mais inofensiva, mais aceitável do envolvimento paralelo.

Há uma edição da narrativa para evitar conflitos maiores e constrangimentos morais. O infiel não esclarece quantas vezes saiu com o outro, quantas viagens bancou, quantos passeios realizou, quantos programas românticos executou na surdina, quantos presentes ofereceu, quantas confissões partilhou, onde se encontravam e em quais horários.

Não descreve minúcias e detalhes da escapada. Mal fala da terceira pessoa. Mantém os rumores sufocados no silêncio. Se tudo fosse dito de uma vez por todas, o ódio conheceria uma única explosão, um único surto, uma única catarse. Mas, na infidelidade, você desmascara a farsa aos poucos, por capítulos. Por isso que dói tanto.

Você perde gradualmente a cumplicidade, a admiração, a amizade e, no fim, não sobra nem o respeito.O chifre não é apenas uma coroa do deboche, um adorno do desastre que se coloca na cabeça: suas pontas serão fincadas em sua pele devagar, em sua alma lentamente, com sucessivas incisões e desdobramentos, fazendo uma cicatriz irreversível.

É como ter a sua casa furtada. A cada dia, vai descobrindo mais um objeto que sumiu, mais um sentimento que foi subtraído de seu lar. É sempre algo a mais que se leva do patrimônio emocional da relação, e você se desespera de raiva, por não acreditar em monumental desdém e frieza.

É sempre mais uma mentira que você desvenda no decorrer dos fatos. Viverá abastecido por uma rede de informantes arrependidos ou culpados pela sua tristeza. Um amigo ou um colega próximo adicionará um elemento, uma cena dos amantes, uma situação da duplicidade, de que você não desconfiava.

A sensação é de que todo mundo sabia do que estava ocorrendo nos bastidores, menos você. O que aumenta a sua perplexidade diante da dissimulação do parceiro, transformando o que era intimidade em completa estranheza, a ponto de questionar: "Com quem eu vivi até agora?".

Depois da infidelidade, não é possível ficar junto. Exige-se no mínimo um tempo longe para ver o tamanho do estrago. Não contar que traiu tampouco salva o casamento. Só vai adiar o fim certo e líquido.

A infidelidade não prescreve. Pode-se esconder a verdade por cinco anos, por 10 anos, por 20 anos. Quando ela vier à tona, a dor não terá esfriado, a vergonha não será esquecida, a injúria não será perdoada.

Não importam o tamanho da convivência depois do caso, as alegrias que surgiram posteriormente, as conquistas mútuas. Assim como não faz diferença se a infidelidade foi um flerte de uma noite ou uma aventura demorada.

Ninguém aguenta ser enganado.Em Nápoles, na Itália, um idoso de 99 anos decidiu se divorciar de sua mulher de 96, após 77 anos de matrimônio. Ele localizou cartas de amor escondidas num gaveteiro antigo, e ela confirmou um romance secreto nos anos 1940.

O desamparo da traição não tem idade.

CARPINEJAR

30 DE ABRIL DE 2024
OPINIÃO DA RBS

AGILIDADE E TRANSPARÊNCIA

Questionados legitimamente sobre suas responsabilidades no incêndio que causou a morte de 10 pessoas e ferimentos em outras 15 na Pousada Garoa, em Porto Alegre, os gestores da instituição e as autoridades da prefeitura da Capital levantam a suspeita de ação criminosa e se colocam na defensiva, como se estivessem sendo atacados. Não se trata disso. 

Excluindo-se algumas condenáveis manifestações de viés político, facilmente identificáveis, o que a sociedade gaúcha busca é o total esclarecimento do episódio, não apenas para que eventuais culpados sejam punidos, mas também - e principalmente - para que se aprimore o processo de acolhimento e proteção de pessoas vulneráveis como as vitimadas pelo sinistro.

Nesse contexto, é absolutamente lógico que se questione a relação da prefeitura com a rede de hospedarias que mantém contrato com a municipalidade para acolher pessoas em situação de vulnerabilidade social. Se é louvável e necessária a decisão de vistoriar minuciosamente os 21 estabelecimentos que recebem hóspedes sustentados pelo município, também é impositivo que se pergunte por que tal vistoria não foi realizada com maior regularidade para prevenir eventuais tragédias. Aqui vale, mais uma vez, lembrar que mesmo um possível incêndio criminoso não atenua a falta de segurança, de sistema de combate adequado e de rotas de fuga.

Assim, espera-se que a investigação criminal seja célere e eficiente para dirimir quaisquer dúvidas sobre a origem do fogo. Também é imprescindível que a vistoria anunciada pela prefeitura se desenvolva com total transparência. Nesse sentido, é preocupante a declaração feita ontem pelo secretário municipal de Desenvolvimento Social, Léo Voigt, de que a inspeção é sigilosa e precisa ser comunicada com antecedência aos proprietários da rede de hotéis, porque se trata de instituição privada. 

Se há um convênio sustentado por recursos públicos e as pousadas recebem hóspedes financiados pela municipalidade, o mais lógico é que os fiscais tenham acesso livre e no horário que acharem mais oportuno, até para evitar que problemas estruturais possam ser maquiados.

Além disso, a população tem o direito de saber o que seus representantes em cargos públicos estão fazendo para protegê-la e para prevenir novas tragédias. O sigilo até se justifica na investigação policial, para evitar que eventuais criminosos possam se valer de informações para ocultar provas ou se evadir. Mas as vistorias dos locais destinados à hospedagem devem ser transparentes, inclusive com prestação de contas regular por parte dos órgãos públicos.

Desde que a Lei de Acesso à Informação foi implementada no país, consolidou-se a visão de que a regra da administração pública é a publicidade, ficando o sigilo apenas como exceção, e assim mesmo quando chancelado pelo Poder Judiciário. Até agora, os gestores públicos do município vêm agindo com assertividade, tanto nas respostas aos questionamentos da imprensa quanto no apoio às vítimas. Seria lamentável que deixassem a população sem respostas só porque se sentem acuados.

OPINIÃO DA RBS

30 DE ABRIL DE 2024
+ ECONOMIA

Vaivém tributário no RS precisa acabar, para Estado avançar

Era para ser um aumento da alíquota-padrão de ICMS para 19,5%. Não houve apoio, e a recomposição de receita do Estado se voltou para a redução de benefícios fiscais. Houve muita resistência, e o caminho voltou a ser o aumento de alíquota, no máximo de 19%. Também não foi obtido apoio, e agora a saída volta para a diminuição a alguns setores. É o próprio vaivém tributário, que se arrasta há cinco meses. 

Economistas que conhecem as contas públicas diagnosticam que, de fato, os Estados perderam arrecadação e precisam recompor. Como o RS em um passado ainda mais complicado, o Rio de Janeiro pediu suspensão do pagamento da dívida estadual ao Supremo Tribunal Federal (STF). Detalhe: com aumento de 30% no gasto com pessoal de 2021 a 2023 - um dos maiores percentuais do país.

Diante desse cenário, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, disse ontem que vai levar ao STF "o que tem deixado as finanças (do Rio) em situação fragilizada", se é a dívida ou "decisões locais em relação à gestão de finanças públicas e o grau de responsabilidade em relação ao futuro das finanças". É um exemplo do que não fazer. O RS não pode retroceder, é preciso avançar.

MARTA SFREDO

30 DE ABRIL DE 2024
POLÍTICA +

Quem defende o segurado do IPE Saúde?

Por mais que os hospitais tenham dado sinais de que não aceitariam a nova tabela do IPE Saúde e até recorrido à Justiça, o que ocorreu nesta última segunda-feira de abril é inaceitável. Pode-se chamar de boicote, de chantagem, de pressão e até de exercício do legítimo direito de espernear diante de uma mudança com a qual não concordam.

Da forma como foi feito, passa a mensagem de insensibilidade com quem está lá na ponta e que é a razão da existência do IPE Saúde: 1 milhão de segurados, em sua maioria pessoas de classe média ou baixa, que não têm como pagar um plano de saúde privado.

É preciso voltar ao começo para que o segurado entenda o que está em jogo. Por muitos anos, o IPE concordou com um sistema que não é usado por planos de saúde como a Unimed, para ficar com o mais conhecido. Em vez de atualizar as diárias e o valor dos procedimentos, aceitou que os hospitais compensassem a defasagem superfaturando o preço dos medicamentos, dietas e insumos. Pode parecer irrelevante quando se pensa em um analgésico ou antibiótico, mas se pensarmos em quimioterápicos, stents ou próteses, a coisa muda de figura.

Porque não é lógico nem transparente esse sistema, o Ministério Público e a Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage) exigiram que o IPE Saúde reformulasse o sistema de remuneração dos hospitais. O IPE reajustou as diárias e os procedimentos, mas adotou uma tabela de medicamentos com a qual os hospitais não concordam.

A medida anunciada por 18 instituições depois que a Justiça derrubou a liminar que impedia a entrada em vigor das tabelas semeou pânico entre os segurados, principalmente entre os que estão em tratamento. Porque os hospitais estão suspendendo o atendimento sem dar prazo para a instituição fazer novos contratos.

É sabido que alguns hospitais dependem do IPE para sobreviver, seja porque o SUS paga ainda menos, seja porque não têm pacientes de planos privados em quantidade suficiente, seja porque também esses não pagam o que se cobra de um paciente com dinheiro para custear um tratamento.

Diante do impasse, o governo, por meio da Procuradoria-Geral do Estado, precisa fazer alguma coisa com urgência. Os hospitais alegam que o IPE Saúde "não conversa", mas os registros da agenda do presidente Paulo Afonso Oppermann provam que não é bem assim.

O segurado é o marisco entre o mar e o rochedo. Quem vai defender o seu interesse?

ROSANE DE OLIVEIRA

30 DE ABRIL DE 2024
NÍLSON SOUZA

No centro

O Brasil já esteve acima de tudo, na visão ufanista dos criadores do antigo slogan oficial. Agora está no centro do mundo. Por obra e graça do IBGE, nossa pátria amada e idolatrada, às vezes também distraída e subtraída, migrou para a parte central do mapa-múndi. A novidade está fazendo sucesso. Segundo o próprio instituto, já tinham sido vendidos mais de 4 mil exemplares até a semana passada. Acho que nem o último livro do nosso talentoso escritor Tailor Diniz vendeu tanto em tão pouco tempo.

O cartograma foi apresentado no dia 9 de abril, num evento do G20 no Rio de Janeiro, e logo começaram a aparecer interessados. Os gestores do IBGE viram aí uma oportunidade de negócio e passaram a anunciar o desenho por R$ 10, mais o frete. Tá saindo como água.

É um pouco intrigante isso. O que será que as pessoas fazem com o mapa transfigurado? Penduram na parede da sala? Tiram selfies com ele? Talvez alguns até levem em viagens ao Exterior para que os estrangeiros saibam com quem estão falando. Sentir-se no centro do mapa planetário deve ter algum significado psicológico. Pelo menos a gente pode dizer que não veio do fim do mundo, como humildemente se posicionou o papa Francisco logo depois da fumaça branca de sua eleição.

Outra curiosidade em relação ao assunto, que também está servindo para acirrar a polarização (a política, não a geográfica), foi a recente postagem do atual presidente da República sobre a representação. Ele - ou algum assessor autorizado - colocou o novo desenho na sua rede social e legendou: "A Terra é redonda".

Deve ter sido um recado para os 7% dos seus apoiadores adeptos do terraplanismo, conforme mostrou recente pesquisa do Datafolha. Por uma questão de equilíbrio (ou de desequilíbrio, sei lá), é importante dizer que 8% dos apoiadores de seu principal opositor político também acreditam que podem desabar no espaço se fizerem alguma viagem longa. Considerando-se que aquela ilustração do IBGE é um planisfério, pode estar aí a explicação para a explosão de vendas.

Mas, falando seriamente, o mapa-múndi brasileiro tem lá a sua lógica. Embora todos tenhamos aprendido a ver o planeta representado sob a ótica do eurocentrismo, é daqui, deste recanto tropical da América do Sul, que os brasileiros observam o mundo. Então, faz todo o sentido nos colocarmos no centro. Desde que a gente não fique se achando muito importante por isso. O ufanismo também tem pernas curtas.

NÍLSON SOUZA

segunda-feira, 29 de abril de 2024


29 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

A flexibilização trágica da Lei Kiss

A tragédia da Pousada Garoa, que resultou em 10 mortes na sexta-feira, em Porto Alegre, é um dos efeitos colaterais da flexibilização da Lei Kiss.

Criada em 2013, a Lei Kiss, nº 14.376/2013, era uma resposta contundente e rigorosa ao incêndio que vitimou 242 pessoas na Boate Kiss, em Santa Maria, no dia 27 de janeiro daquele ano. Assegurava normas de prevenção e combate a incêndios a todos os imóveis não considerados como unifamiliares exclusivamente residenciais.

Infelizmente, para liberar alvarás com maior rapidez, diante da falta de efetivo no Corpo de Bombeiros, abriu-se precedente com mudanças constantes do texto original, em duas novas redações (Leis Complementares Estaduais nº 14.555/2014 e nº 14.924/2016), até que a Assembleia Legislativa aprovou, no fim de 2022, o total enfraquecimento da Lei Kiss. O somatório Frankenstein de legislações complementares deixou buracos para que pequenos imóveis fizessem uma autodeclaração de que estavam em ordem, sem a necessidade da vistoria.

Escolheu-se preservar patrimônio e empresas em vez de preservar vidas. Ali, naquele ato político inflamado, naquele acordo de pragmatismo, está o início das chamas que acabaram com o futuro de uma dezena de inocentes no centro porto-alegrense, não lhes dando chance de escapar de uma ratoeira.

A pousada foi uma das empresas beneficiadas pela medida. Por quê? Ela se apresentou com a natureza de escritório, não como hospedaria com mais de 200m², e não existiu nenhuma auditoria. Tal discrepância não passaria batido pela lei original.

Se antes ela teria que ser avaliada de acordo com sua ocupação, lotação máxima, capacidade de controle de fumaça e cumprir exigências mínimas de segurança para receber um alvará dos bombeiros, agora, as alterações da lei facilitaram as irregularidades.

Hoje, basta o empresário autodeclarar pela internet o perfil do negócio, suas características e informações de segurança. Os bombeiros apenas checam os documentos. Confia-se na palavra, não nos olhos da fiscalização. O processo dura cinco dias úteis e não requer visita presencial.

A teoria passou a se divorciar perigosamente da prática. Restou apenas a obrigação dos extintores de incêndio e da sinalização de emergência, que de nada adiantaram no caso do albergue de três pavimentos, com quartos minúsculos, um do lado do outro, sem a devida e adequada ventilação. A inalação da fumaça foi suficiente para assassinar os hóspedes.

Houve uma precarização do documento de excelência, que unia engenharia, arquitetura e responsabilidade técnica e blindava contra a possibilidade de riscos. Houve uma relativização danosa na perícia de parte dos imóveis, desconsiderando relevantes questões estruturais como compartimentação vertical e horizontal, controle de materiais de acabamento e revestimento.

A Lei Kiss nem contou com tempo de adaptação e já foi simplificada. Sequer conseguimos dar amparo às famílias das vítimas do caso Kiss, e a lei que o tomou como base não subsistiu. Tampouco a condenação aconteceu e ela não assusta mais.

Eu compreendo que devemos compatibilizar os interesses privados com os propósitos públicos e incentivar o surgimento de microempresas, desde que não se prejudique a natureza ilibada da coexistência social, muito menos que seja ameaçada a integridade dos contribuintes.

A calamidade desse recente incêndio - o segundo mais letal na história da capital gaúcha - nos obrigará a revisar a atual lei, visivelmente inepta. No fim das contas, temos que voltar para a Lei Kiss. A desburocratização pode matar ao pressupor relaxamento imprevidente das normas.

CARPINEJAR

29 DE ABRIL DE 202
OPINIÃO DA RBS

AÇÕES PELA EDUCAÇÃO

A celebração de mais um Dia Mundial da Educação, ontem, motiva os brasileiros a uma reflexão profunda sobre esta área da atividade humana tão essencial para o desenvolvimento do país e para o futuro das próximas gerações. O Brasil ainda ocupa posições subalternas nos rankings internacionais de aproveitamento escolar, mas as insuficiências do poder público - que vão das tradicionais promessas de prioridade administrativa a políticas públicas equivocadas, passando também por compreensíveis dificuldades econômicas - têm sido atenuadas por ações espontâneas de organizações sociais privadas que se dedicam à nobre causa.

Entre as inúmeras entidades dedicadas a ampliar as ações do Estado em atividades dirigidas ao ensino, à inovação e ao desenvolvimento tecnológico, destacam-se o Movimento Todos pela Educação, em âmbito nacional, e o Instituto Caldeira, no cenário regional. Essas duas instituições, em suas respectivas áreas de atuação, vêm contribuindo significativamente para transformar a realidade educacional do país.

Criado em 2006, em São Paulo, o Movimento Todos pela Educação é uma organização da sociedade civil centrada na melhoria de qualidade da educação básica na rede pública de ensino. Sem vínculos com governos e partidos políticos, empenha-se em colocar a educação na pauta da sociedade brasileira e em monitorar o poder público, mas também em elaborar propostas e articular com autoridades e instituições para que sejam levadas à prática. 

Para ficarmos com um exemplo recente, o movimento divulgou na última quinta-feira um estudo que mostra a preocupante redução de professores concursados nas redes estaduais de ensino nos últimos 10 anos e o correspondente aumento de professores temporários. A consequência, segundo alertam os especialistas da instituição, é uma rotatividade maior, com descontinuidade de planejamento e prejuízos para a qualidade do ensino.

Sob o enfoque regional, cabe destacar o lançamento da terceira edição do programa Geração Caldeira, pelo instituto de mesmo nome, criado em 2019 por empresários e executivos gaúchos para promover a inovação e capacitar jovens para o mercado de trabalho na nova economia. Trata-se não apenas de uma complementação da educação formal, mas também da abertura de oportunidades reais de trabalho e futuro para estudantes que habitualmente encontram barreiras por causa das carências do ensino público.

São iniciativas como essas, empreendidas igualmente por muitas outras organizações não governamentais e privadas pelo país, que justificam a existência de um Dia Mundial da Educação, data instituída no ano de 2000 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Evidentemente, a celebração comporta prioritariamente o reconhecimento ao trabalho de professores, diretores e servidores de escolas públicas e particulares que se dedicam diariamente à árdua tarefa de ensinar.



29 DE ABRIL DE 2024
POLÍTICA +

Alckmin vai onde Lula não pode ir

Apesar de a relação com o agronegócio ter serenado na comparação com 2023, o presidente Lula achou por bem mandar o vice-presidente Geraldo Alckmin em seu lugar na abertura oficial (e sem público) da Agrishow, de Ribeirão Preto (SP). Com Alckmin foram também os ministros da Agricultura, Carlos Fávaro, com bom trânsito no setor, por ser produtor rural, e o ministro do Desenvolvimento Rural, Paulo Teixeira.

Alckmin, que é uma espécie de quebra-gelo na relação com empresários em geral, chegou à feira acompanhado da esposa, Lu. Os dois não hesitaram em colocar um chapéu na cabeça e andaram de mãos dadas entre os estandes.

A presença do vice, que também é ministro do Desenvolvimento, indica uma inflexão na relação com o agronegócio, depois do episódio de 2023, quando a abertura foi cancelada porque o ministro da Agricultura foi "desconvidado" pelos organizadores. Como o ex-presidente Jair Bolsonaro havia confirmado presença, a organização recomendou que Fávaro transferisse a participação para outro dia. O ministro da Agricultura estrilou e a abertura foi suspensa.

Desta vez, a abertura oficial ocorreu sem a presença do público, que participa a partir de hoje. E o governo foi elogiado pelo presidente da Agrishow, João Carlos Marchezan.

Prefeitura faz agora o que não fez antes da tragédia

A prefeitura de Porto Alegre poderia adotar como lema o adágio "porta arrombada, tranca de ferro". Só agora, depois que 10 pessoas morreram e 15 ficaram feridas no pior incêndio deste milênio na Capital, é que os técnicos vão fazer o que deveriam ter feito quando foram assinados os convênios para abrigar pessoas em situação de vulnerabilidade: visitar as pousadas e verificar se oferecem condições de segurança.

Por que isso não foi feito antes? Porque em nome da liberdade econômica, adotou-se o princípio da boa-fé. O empreendedor declara que seu negócio é de baixo risco, ganha uma autorização para funcionar sem necessidade de alvará e se compromete a encaminhar o plano de prevenção e combate a incêndios (PPCI).

A pousada que se incendiou era uma arapuca, segundo a descrição dos bombeiros. Podia ser tudo, menos um empreendimento de baixo risco. Mesmo assim, a prefeitura firmou convênios com a rede em 2020 e os renovou sucessivamente, a última vez em dezembro de 2023, por mais um ano, sem verificar se havia PPCI.

Essas pousadas não fazem nenhum favor. A prefeitura paga bem para que acolham moradores de rua, o que é correto em uma cidade com tanta gente sem teto, sem emprego e sem condições de retornar para a cidade de onde veio em busca de uma vida melhor.

Alguém sabia qual era o estado das camas e das divisórias? Sabia dos riscos de um sinistro? Conferiu se havia extintores? Pelo que se ouviu até aqui, não. A prefeitura confiou no que o proprietário pôs no papel.

Por que os abrigados não reclamaram? Ora, não estamos falando de Airbnb. Essas pessoas são quase invisíveis. Pobres, sujos e famintos, dão graças a Deus por encontrar um teto e não precisar dormir ao relento.

ROSANE DE OLIVEIRA

Maio de 24

O posto menos invejado nos EUA atualmente deve ser o de reitor. Se a guerra Israel-Hamas inflamou (ainda mais) o debate público e abriu uma cratera ideológica até entre pessoas que antes pareciam concordar, em poucos lugares os embates têm sido mais acalorados do que nas universidades americanas.

Se o reitor tentar proteger a liberdade de expressão de uns, pode ser visto como alguém que é leniente com o discurso de ódio contra outros. Se defender a independência para lidar com assuntos internos, será lembrado do volume estratosférico de dinheiro que a iniciativa privada e o governo federal despejam em centros de excelência acadêmica. Se tolerar manifestações, será visto como fraco por um Congresso de maioria republicana. Se reprimir, perderá a legitimidade junto a alunos e professores, majoritariamente democratas ou de esquerda.

Nos últimos dias, os protestos de estudantes tomaram uma dimensão como há décadas não se via no país - com Columbia, que concentra o maior número de alunos judeus e muçulmanos, como epicentro. O movimento rapidamente tornou-se nacional, e os alunos agora protestam não apenas contra o massacre em Gaza, mas também contra a repressão das manifestações e a prisão de dezenas de estudantes.

Vamos voltar algumas casas nesse tabuleiro. No início do ano, a reitora de Harvard foi levada a renunciar depois de um depoimento no Congresso em que titubeou na hora de classificar o antissemitismo como um tipo de discurso de ódio. Chamada a depor no mesmo comitê há duas semanas, Minouche Shafik, de Columbia, decidiu mostrar-se mais dinâmica e eficiente - além de determinada a manter o emprego e os investimentos. 

Prometeu aos congressistas que garantiria a ordem no campus de qualquer jeito e que discursos considerados antissemitas não seriam tolerados. A fala de Shafik no Congresso e a decisão posterior de chamar a polícia para dispersar os alunos que acampavam no campus acabaram esquentando ainda mais a fervura. Em questão de horas, deputados republicanos, ativistas pró-Palestina e pessoas que são a favor da liberdade de manifestação, mesmo quando não concordam com as opiniões defendidas, estavam pedindo a cabeça da reitora.

Para que serve uma universidade? Que valores deveria defender? Como administrar diferentes tipos de demandas, internas e externas, que contrariam esses valores? Quem ganha quando a independência de uma universidade é ameaçada? Como as manifestações de estudantes, que prometem se estender pelo mês de maio, serão narradas pelos historiadores no futuro? Essas são algumas das questões que estão postas sobre a mesa. Maio de 24 começa daqui a dois dias, mas sabe-se lá quando e como vai terminar.

CLÁUDIA LAITANO 

sábado, 27 de abril de 2024


26/04/2024 - 09h00min
Martha Medeiros

O amor é uma elegância em nossas vidas

Não pode virar um sacrifício sustentado por filmes e livros que contam histórias românticas tendenciosas. Ninguém é sozinho, há um povaréu dentro de cada um. “Mas o que eu vou fazer se ficar sozinha?” me perguntou ela, enfurnada num casamento que já tinha virado outra coisa, coisa nenhuma, um esconderijo.

Comecei dando sugestões práticas: criar várias playlists no celular, mergulhar nos livros e viver todas as vidas que de outra forma ela não viverá, viajar para algum lugar que ela sempre quis conhecer, chamar cada uma das amigas para uma conversa íntima sem hora para acabar, fazer uma oficina de literatura e transformar em prosa a sua história, visitar as exposições que a cidade inteira comenta, começar a se exercitar a sério. Mas será que esta lista prosaica, nada original, seria suficiente para ela entender que a solidão pode ser repleta de acontecimentos?

Acrescentei, claro, que nada impedia que ela iniciasse uma nova relação, menos algemada a contas conjuntas, rotinas familiares e planos a longo prazo, um engate sem tornozeleira eletrônica, um namorado para as próximas 24 horas, com renovação automática a cada manhã, se fosse bom para os dois. Mas confiança não era o forte dela. Não acreditava quando eu dizia que pessoas maduras têm tanta ou mais facilidade para namorar do que os jovens. A neura dela era ficar solteira em uma sociedade machista, em que os pares ainda valem mais do que os ímpares.

É uma cilada acreditar nisso. Porque a mulher vai se acomodando e perdendo oportunidades de renascer a cada novo desejo, que não precisa ser o desejo por outra pessoa, mas o desejo de ser mais livre, mais ela mesma. Até os índices de feminicídio poderiam cair se a gente entendesse que não é obrigatório formar um casal. Ninguém é sozinho, há um povaréu dentro de cada um. Que se pense bem antes de render-se ao casamento apenas por uma exigência social que interessa ao status quo (casados são ordeiros, formam família, consomem por quatro).

O amor é uma elegância em nossas vidas, não pode virar um sacrifício sustentado por filmes e livros que contam histórias românticas tendenciosas. Até a bossa nova nos deu um hino que mais parece uma sina: “é impossível ser feliz sozinho”. O marketing pró-acasalamento é milionário, glamouroso e distribui prêmios. Porém, a agenda da solidão não traz páginas vazias. Há também jantares, shows, viagens, cursos, beijos, trabalho – e descanso, dorme-se melhor. Mais que isso, há tempo para o silêncio, para a paz das leituras demoradas, para a música que toca noite adentro, para o convívio com nossa alma em estado puro.

Eu consegui um feito: levei minha solidão para dentro do meu namoro e ela foi recebida de braços abertos. Mas não é assim que funciona com a maioria dos casais, onde a solidão de um extermina a solidão do outro. Depois se perguntam como é que pôde ter dado errado.


27/04/2024 - 09h00min
Claudia Tajes

Independentemente da tecnologia, vida longa ao PS

Que ele continue colorindo as nossas cartas. Um amigo disse que, em tempos de comunicação digital, o PS perdeu a sua razão de ser.

PS, o post scriptum, aquela informaçãozinha que complementa uma carta, às vezes com objetividade, às vezes com graça, às vezes com poesia. Também pode ser com graça poética objetiva, depende de quem escreve.

Para o meu amigo, o PS fazia sentido quando, após escrever uma carta caprichosamente à mão, com caneta tinteiro ou Bic mesmo, o missivista percebia ter se esquecido de alguma coisa. Óbvio que, nessa situação, a pessoa jamais reescreveria tudo para acrescentar o que ficou para trás.

Uma professora do ensino primário, a Irmã Urbana, veio transferida para dar aulas em Porto Alegre. Ela tentou fazer com que eu, com uns 10 anos de idade, mantivesse correspondência com uma aluna dela do Pará. Podia ter sido uma boa experiência, mas tanto eu quanto a outra menina éramos pequenas demais para achar graça naquilo. Minha mãe sentava comigo para escrever e eu quase dormia, de tão chata que era a minha vida de criança de apartamento para contar. Quando chegava a resposta da menina, tão desinteressante quanto a minha, eu ia direto para o PS, que em geral dizia: um abraço para a Irmã Urbana.

O PS tinha essa função. Estando o assunto da carta enfadonho, ia-se direto para ele, para ver o que realmente importava daquelas páginas todas. O suco da carta. Isso, claro, se as cartas não fossem de amor. Se fossem, até as maiores banalidades mereciam a mais atenta das leituras.

Com as cartas na máquina de escrever, mesma coisa. O Errorex era ótimo para consertos em textos de trabalho, mas ficava feio mandar uma carta toda remendada. Fora a desconfiança: uma linha inteira apagada, o que será que ela se arrependeu de escrever? O PS continuou não apenas útil, mas indispensável. Parecia uma instituição eterna, como a própria carta. E mais, a gente podia se valer de vários PSs, se necessário fosse. PS2, PS3, PS4. Hoje em dia, os desavisados ficariam boiando: que que tem o PlayStation a ver com isso?

Então veio o computador. O ponto do meu amigo é: ninguém precisa mais recorrer ao PS se basta voltar atrás e acrescentar o que faltou e onde der. Como se escrever fosse isso, achar um lugar qualquer e enfiar uma informação à moda Miguelão. Não é assim que funciona. Independentemente da tecnologia, vida longa ao PS. Que ele continue colorindo as nossas cartas.

PS: Um abraço para a Irmã Urbana.


27 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

Inexplicável!

Um incêndio estendeu o escuro da noite e cobriu a capital gaúcha de trevas e mortes durante a manhã de sexta-feira. Dez pessoas morreram, 15 ficaram feridas, num dos focos de fogo mais incompreensíveis dos últimos tempos, que atingiu uma pousada na Avenida Farrapos, entre as ruas Garibaldi e Doutor Barros Cassal, próximo a um posto de combustíveis. Os bombeiros chegaram por volta das 2h20 da madrugada.

Trata-se do segundo mais letal incêndio de Porto Alegre, apenas atrás da tragédia no emblemático prédio da Lojas Renner, na tarde de 27 de abril de 1976 (quase a mesma data), que matou 41 pessoas e deixou dezenas de feridos.

Não há como disfarçar a indignação. É sempre um luto carregado de raiva, bílis e injustiça. Será que são necessários 10 falecimentos, 10 famílias enlutadas para agora investigarmos se o hotelzinho realmente precisava do Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI)?

Se a burocracia está em ordem, se a documentação está em dia, de quem é a culpa? Como uma estrutura de tantos riscos evidentes é aprovada para operar como pousada, na condição de alojamento de baixo risco, com a dispensa de alvará e autorização de funcionamento?

Será consequência da brandura da lei, engessando a fiscalização a ponto de esta só atestar falhas de monitoria depois de um desastre, quando já é tarde demais, quando existe uma fileira de covas abertas e caixões em procissão?

No albergue de três pavimentos, os modestos quartos eram colados uns nos outros, revestidos de madeira, sem a devida e adequada ventilação. Não tinha como fugir. Não tinha como escapar. Quem se via exausto, em sono profundo, jamais despertou.

Era uma ratoeira, um labirinto com único acesso pelas escadas, desprovido de plano e sinalização para evacuação rápida. Pela vista aérea dos destroços da edificação, da qual permaneceu somente o esqueleto carbonizado, percebe-se que se resumia a uma panela de pressão, com condições propícias ao alastramento das chamas e a sucessivas explosões.

Não aprendemos nada com as centenas de óbitos de estudantes em Santa Maria, na Boate Kiss. A amnésia repete as dores. O esquecimento reutiliza os scripts de falta de segurança, comprometendo covardemente vidas inocentes, que pagaram um quarto para pernoite, a cinco minutos da Rodoviária, jurando que se achavam protegidas.

Já que o espaço vinha sendo usado pela Secretaria de Assistência Social como moradia para desabrigados e desassistidos, a gravidade da ocorrência aumenta. O contrato público com a rede de pousadas, que possui outros três endereços em Porto Alegre, recebeu renovação com a prefeitura em dezembro do ano passado.

Que licitação é essa que repassa R$ 2,7 milhões por 360 vagas naquilo que acabaria sendo um cemitério? Com certeza, diante da precariedade das instalações, os moradores de rua, em situação de vulnerabilidade, estariam mais resguardados dormindo ao relento, debaixo das marquises.

Quantos gritos de socorro terminaram afônicos pela toxicidade da fumaça? Quantos assentos de ônibus seguiram vagos, sem o seu passageiro regressando ao lar no Interior? Tudo está sendo apurado, tudo é recente, mas, pelos indícios até então, dá para concluir que o incêndio poderia ter sido facilmente evitado.

Se não foi alguém que o provocou de propósito, a prefeitura deve oferecer uma resposta, pois o incêndio ocorreu sob sua autorização, sob sua tutela, num acordo em vigor de albergamento, no centro da cidade, numa de nossas mais movimentadas avenidas.

Queremos saber. Não basta oferecer os pêsames a Marcelo Wagner Schelech, 56 anos, um dos sobreviventes, que não conseguiu socorrer sua irmã, que não teve chance de salvá-la, que carregará o trauma de ter saído dali sozinho. Ele carece de uma explicação.

CARPINEJAR

27 DE ABRIL DE 2024
FLÁVIO TAVARES

DATAS INESQUECÍVEIS

A data de 25 de abril, ocorrida dias atrás, é inesquecível. Festejamos agora os 50 anos da Revolução dos Cravos, que em 1974 derrubou em Portugal a ditadura mais longa da Europa, estabelecida em 1932. Aqui no Brasil, porém, sucedia o oposto: 10 anos depois, no mesmo dia, a Câmara dos Deputados rejeitava a Emenda Dante de Oliveira, que restabelecia a eleição direta do presidente da República, suprimida em 1964 pelo golpe militar direitista.

Em Portugal, pela primeira vez no mundo, um movimento militar instituía a democracia. Na ponta dos fuzis, os soldados levavam um cravo vermelho, símbolo da paz, sem opressão. O movimento das forças armadas nasceu para opor-se à cruenta repressão às guerras de libertação nas colônias portuguesas da África.

Naquele 1974, tudo foi diferente. Começou com a tomada da Rádio Nacional e a transmissão da canção Grândola, Vila Morena, proibida pela censura ditatorial. Era a senha que mobilizou os quartéis. O major Otelo Saraiva de Carvalho comandou o golpe, mas, vitorioso, não ocupou nenhum cargo no governo.

Já consolidada a democracia e a liberdade de expressão, morei dois anos em Portugal no século passado. Permaneciam, porém, alguns vestígios da longa ditadura. Parte das mulheres se vestia de preto, tal qual nos tempos idos, quando elas eram relegadas à condição de "seres inferiores", sem direito à cor sequer nos trajes.

Em compensação, havia uma explosão de liberdades, em que grupos de esquerda e direita disputavam território. Lembro-me da cena inimaginável em qualquer canto do mundo, mas lá habitual naquela época - transeuntes e automobilistas discutiam na rua com policiais de trânsito, sem que estes sequer esboçassem qualquer reação.

Entre nós, porém, 10 anos depois, outro 25 de abril tornou-se inesquecível pelo absurdo de a Câmara dos Deputados rejeitar emenda à Constituição que reinstituía o direito do voto direto na eleição do presidente da República, abolido pelo golpe militar de 1964.

Os tempos já são outros e podemos festejar.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

27 DE ABRIL DE 2024
OPINIÃO DA RBS

DESLEIXO FATAL

É muito fácil levantar suspeitas e apontar culpados quando uma tragédia abrevia vidas humanas de forma tão cruel como ocorreu na madrugada de ontem, no incêndio da Pousada Garoa, em Porto Alegre. A comoção causada pelas mortes exige respostas imediatas e tende a gerar precipitações. Porém, embora seja mais sensato aguardar os resultados das perícias e das investigações policiais, não há dúvidas de que autoridades públicas e administradores do estabelecimento falharam nos cuidados, na fiscalização e na prevenção - desleixo fatal e inadmissível num Estado com memória traumática de sinistros semelhantes.

A verdade inquestionável é que o hotel popular tinha convênio com a Fundação de Assistência Social e Cidadania, o órgão da prefeitura da Capital que trata do acolhimento de cidadãos, famílias e grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Além disso, segundo o Corpo de Bombeiros, o local não tinha alvará de funcionamento nem Plano de Proteção Contra Incêndios, o chamado PPCI. Mais: pelo testemunho de moradores e frequentadores, já se sabe que as instalações eram precárias e malcuidadas, tanto em relação à segurança quanto à higiene. Em resumo, mais uma armadilha construída pela imprevidência e pelo descaso, como nos célebres casos da boate de Santa Maria e da creche de Uruguaiana, que também causaram numerosas vítimas e chocaram a população gaúcha.

Há, portanto, culpados - e é imprescindível que essas pessoas sejam responsabilizadas na proporção exata de suas participações ou omissões na cadeia de incúrias que gerou a fatalidade. Porém, mais importante do que eventuais punições deve ser o trabalho de rescaldo voltado para a prevenção. Nesse âmbito, as falhas são mais amplas e coletivas, incluindo aspectos como o abrandamento da legislação protetora e a insuficiente fiscalização, que possibilitam o funcionamento de estabelecimentos comerciais, prédios residenciais e habitações sem as mínimas condições de segurança.

A população gaúcha, infelizmente, ainda não conseguiu adotar uma cultura de prevenção capaz de interromper o rastilho das tragédias antes do desfecho inexorável. Quando as autoridades não são suficientemente confiáveis e diligentes no exercício de suas obrigações, cabe ao cidadão fiscalizar, denunciar e exigir providências corretivas para não se tornar vítima do desmazelo.

Não podemos continuar convivendo com o perigo. E nem aceitando pacificamente que autoridades, representantes políticos e proprietários de estabelecimentos sinistrados fujam de suas responsabilidades. No caso recente, já é perceptível um certo jogo de empurra por parte de algumas pessoas ouvidas. Só falta tentarem culpar as vítimas que caíram na armadilha do desleixo porque não tinham outra alternativa de abrigo digno. O momento é de comoção e de compaixão pelos mortos, pelos feridos e por seus familiares e amigos, mas não se pode perder de vista a necessidade de investigação minuciosa que leve à responsabilização dos negligentes e à retomada de mecanismos eficientes de prevenção.


27 DE ABRIL DE 2024
+ ECONOMIA

Mundo do vinho quer conquistar jovens

Iniciativas isoladas já tentavam "puxar" o consumidor jovem para o vinho, mas agora haverá esforço de todo o segmento para atrair o público entre 25 a 35 anos.

Segundo Luciano Rebellatto, que preside o Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado (Consevitis-RS), haverá mudanças em produtos e processos para oferecer mais bebidas leves e com menor teor alcoólico, além de campanha que estreia nos próximos dias com o mote "Vai de vinho brasileiro" - em várias situações.

- Nosso clima não propicia que uvas amadureçam muito. O resultado é maior refrescância, que ajuda - observa.

Como aos jovens também é atribuída a característica de ter maiores exigências sociais e ambientais, a coluna quis saber se há alguma pendência relacionada ao caso de trabalho análogo à escravidão que envolveu empresas do setor.

Segundo Rebellatto, como a percepção predominante foi de que se tratava de caso isolado, não houve impacto no consumo. O de imagem, avalia, foi momentâneo. Houve aprendizado e correção de práticas do setor.

Por reoneração, Lula contrata crise com Congresso e setores

Ao insistir em reonerar a folha de pagamento pela via judicial, o governo Lula contratou nova crise com o Congresso e os setores econômicos contemplados justo no final de uma semana marcada por aparente pacificação. Houve reação forte do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e de líderes empresariais e municipais, já que prefeituras também foram contrariadas.

Por mais que tenha fortes argumentos - a despesa não está no orçamento e há vedação constitucional a benefícios com base nas receitas da Previdência -, o governo entra em batalha difícil de ganhar e, caso consiga, terá vitória amarga.

No setor privado, o impacto é profundo, uma vez que decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) têm efeito imediato. Ou seja, seria necessário adaptar o pagamento já na próxima folha. A Abicalçados considerou um "retrocesso" e um "desrespeito ao trâmite" do Congresso. Conforme a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), a decisão no STF "cria um cenário de total imprevisibilidade" e "abala a confiança dos setores produtivos". A Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra) argumentou que haverá "paralisação de investimentos essenciais".

Dado o perfil mais diplomático do presidente do Senado, chamou atenção a elevação de tom do discurso de Pacheco, que apontou "perplexidade e muita insatisfação". E, pior para o governo Lula, aderiu à pressão para que se corte gastos para alcançar equilíbrio fiscal:

- Vamos fazer um debate a respeito de como se aumenta a arrecadação sem sacrificar o contribuinte que produz e gera emprego e onde podemos cortar excessos de gastos.

É bom lembrar que Pacheco é padrinho de proposta de emenda constitucional dos quinquênios, que aumenta o gasto público, segundo o Ministério da Fazenda, em R$ 42 bilhões ao ano.

é o número de cooperados alcançado pela Unicred Central Geração, que atua no RS e em outros 10 Estados. Com mais de três décadas de atuação, a cooperativa financeira chega pela primeira vez a essa marca. Presente em todo o país, o Sistema Unicred, da qual a Central Geração faz parte, conta com 29 cooperativas, 370 agências e cerca de 310 mil cooperados.

MARTA SFREDO

27 DE ABRIL DE 2024
POLÍTICA +

Lições deixadas pelo incêndio que matou 10 em Porto Alegre

Tragédias como a que deixou 10 mortos e 15 feridos na pousada da Avenida Farrapos, em Porto Alegre, nos obrigam a olhar para o futuro escaneando o passado para identificar o conjunto de falhas que criou o cenário para o incêndio. Foi assim no caso da boate Kiss, com seus 242 mortos. Como nos acidentes com aviões, é um conjunto de erros ou omissões somados que explica o sinistro. A isso não se pode chamar de fatalidade.

No caso da pousada Garoa, que abrigava pessoas pobres, sem teto, acolhidas pela assistência social da prefeitura ou que procuravam um lugar barato para morar, é preciso começar do início. Como pode um prédio naquelas condições ter licença para funcionar como pousada/hotel/hostel sem ter um plano de prevenção e combate a incêndio (PPCI)?

Ora, essa é a realidade da maioria dos prédios de Porto Alegre, públicos e privados - um dos edifícios mais exclusivos do bairro Moinhos de Vento não tem. O PPCI, popularizado depois do incêndio da Kiss, é uma obra de ficção em boa parte da cidade.

Mas e o alvará? A lei da liberdade econômica, cantada em prosa e verso como a solução para atrair investidores e combater a burocracia, permite que o "empreendedor" abra uma pousada sem que se faça qualquer fiscalização. Basta declarar que se enquadra como atividade de baixo risco.

Em geral, os proprietários buscam maneiras de agilizar o licenciamento, baratear custos e escapar da burocracia e das fiscalizações. Mas será que uma pousada improvisada em um prédio antigo é mesmo uma atividade de baixo risco?

Quando essas leis são aprovadas, não se faz a necessária reflexão. A sociedade só questiona quando ocorre a tragédia. A Lei Kiss, que foi aprovada a duras penas, é flexibilizada o tempo todo. No Estado mesmo, em 2022, dezenas de atividades foram liberadas do licenciamento do Corpo de Bombeiros. Repetindo o que fizeram os antecessores, o governador Eduardo Leite adiou para 2026 a vigência plena da lei, mesmo alterada e descaracterizada.

ROSANE DE OLIVEIRA

27 DE ABRIL DE 2024
MARCELO RECH

Imprescindíveis

Empresário experiente, um amigo costuma definir carinhosamente como "gauchinhos metidos" aqueles que, como ele, não se conformam com limitações de um Estado no extremo de um país periférico e enxergam o mundo como uma extensão da querência. Os gauchinhos metidos fazem deste torrão a plataforma para ganhar o Brasil e o Exterior ou para ser uma vitrine de excelência que atrai olhares de admiração. São, por isso, decisivos para fazer do Rio Grande o que ele representa hoje e o que poderá alcançar no futuro.

Eram gauchinhos metidos os criadores da Varig e da Ipiranga e políticos que moldaram boa parte da história brasileira no século passado. E são gauchinhos metidos muitos dos fundadores e os que tocam hoje empresas como Randon, Gerdau, Évora, Tramontina e Marcopolo, entre tantas outras que visualizam em um mapa-múndi as suas operações. Na cultura, Erico Verissimo e Moacyr Scliar cantaram sua aldeia e seguem universais, assim como o é Yamandu Costa. E, com todo o respeito, há muitas mulheres tão ou mais lindas que Gisele Bündchen, mas foi principalmente sua atitude de gauchinha metida que a levou à glória e ao reconhecimento internacionais.

Na raiz da disposição de conquistar o mundo, está uma pergunta íntima: por que não? O que nos impede, tal e qual europeus ou norte-americanos, de sairmos do casulo que aprisiona potenciais e de amarrarmos pacificamente nossos cavalos simbólicos nos obeliscos das principais capitais do planeta? No fundo, o que nos limita é aceitar, passivamente, que a gaúchos e brasileiros resta nos contentarmos com papéis secundários na grande ópera universal.

Na seleção de gauchinhos metidos, um novo expoente é o empresário Fernando Goldsztein, que, movido inicialmente por uma luta familiar, tomou nas mãos o desafio de buscar a cura do meduloblastoma, o segundo tipo de câncer mais comum na infância. Em 2015, seu filho com então nove anos foi diagnosticado com a doença. Ao constatar que os protocolos de tratamento haviam evoluído quase nada desde os anos 1980, ele fundou e se dedica agora de corpo e alma à The Medulloblastoma Initiative, um consórcio mundial de cientistas que já produziu uma série de avanços no enfrentamento de um câncer de cérebro que acomete 30 mil crianças por ano.

Quando David Coimbra se tratou experimentalmente no Dana-Farber Cancer Institute, em Boston, ele teve a sorte de encontrar no grupo de pesquisadores outro gauchinho metido, o jovem oncologista André Fay. David contava: "O André e os outros caras dizem que estão ali pra achar a cura do câncer. Só isso. E eles vão achar".

Essa é a postura que muda destinos de pessoas, famílias, empresas, Estados e nações. Os imprescindíveis gauchinhos metidos não se gabam nem vivem a reclamar. Simplesmente vão lá e fazem.

MARCELO RECH

27 DE ABRIL DE 2024
INFORME ESPECIAL

O frio na barriga

No próximo dia 7 de junho, entre idas e vindas, vou bater uma marca pessoal: 25 anos desde que pisei pela primeira vez no prédio de Zero Hora, em Porto Alegre. Eu ainda era estudante de Jornalismo e acabava de ser contratada como auxiliar de redação. Detalhe: com o salário de R$ 269,05 (nunca esqueci) e um baita frio na barriga.

Lembrei-me disso nessa semana, quando ouvi o Nelson Sirotsky, nosso publisher (não me pergunte o que isso quer dizer, mas, resumindo, é quem manda na "lojinha"), contando o que sentiu quando teve de falar pela primeira vez na redação.

- Eu tive medo. Até minhas pernas tremiam - confidenciou Nelson, no mesmo local, três décadas depois, arrancando gargalhadas da turma, às vésperas dos 60 anos de nossa querida Zero Hora.

Jornalistas, você sabe, são seres questionadores, céticos e críticos por natureza (para não dizer chatos). Agora imagine isso multiplicado por 200, no mesmo lugar, com todos os olhos cravados em quem está falando - nesse caso, o chefe (nem ele escapa do escrutínio).

Nelson cresceu na Zero Hora, levado pelas mãos do pai, Maurício, e do tio Jayme Sirotsky. É praticamente um de nós. Tem jornalismo nas veias. E, veja bem, ele sentiu medo.

Costumo ouvir, de pessoas que me abordam para conversar, diferentes versões da mesma pergunta:

- Como é trabalhar lá?

No primeiro dia, eu também fiquei apavorada. Primeiro, porque não sabia se daria conta. Segundo, porque essa redação tem história - e prêmios, muitos prêmios, de dar orgulho em qualquer jornal do mundo. Em terceiro lugar, porque ali, diante de mim, estavam os melhores jornalistas do Rio Grande do Sul.

Quem não ficaria aflito?

Enquanto escrevo este texto, olho ao meu redor. Na minha frente, na mesa, está o Rodrigo Lopes, conversando com o Vitor Netto. Ao meu lado esquerdo, o Ticiano Osório finaliza uma página. Do direito, o PG, a Gisele Loeblein e a Carolina Pastl trabalham. Na outra ponta, a Amanda Souza dedilha no teclado, concentradíssima.

É um privilégio trabalhar ao lado de tanta gente interessante. O mais legal são as conversas. Uma hora, é o Rodrigo falando de geopolítica. Dali a pouco, o tema é o filme que o Ticiano indicou em ZH. Quer saber das perspectivas do La Niña? A Gisele fala (e sempre, de algum jeito, nos faz sorrir). E o que dizer da Amanda, que entrou ao vivo, em rede nacional, em pleno BBB, lá do Alegrete?

Trabalhar em um lugar assim é estar ao lado de profissionais que têm muito a dizer. E é ouvir histórias saborosas, hilárias e (às vezes) impublicáveis.

Já não há mais o tec tec contínuo das máquinas de escrever, da época em que a redação era majoritariamente masculina, onde se fumava e - reza a lenda - se bebia muita cachaça. Esse tempo passou.

Hoje, o salão cheio de computadores e telas de TV é um lugar marcado pela diversidade e por um jornalismo adaptado aos novos tempos, no papel, no site, nas redes sociais e no que mais aparecer. Se eu perdi o medo? Sim, perdi. Mas preciso te contar uma coisa: o frio na barriga continua. Como da primeira vez.

É a maior crise de Canoas de todos os tempos. Como o terceiro maior PIB do Estado chegou a esse caos?

SHIRLEY FERNANDES

Presidente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Canoas, sobre as turbulências politicas, financeiras e de atendimento na saúde enfrentadas pelo município.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem que, em vez de ler um livro, perder algumas horas conversando no Senado e na Câmara.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Presidente da República, cobrando do ministro e de outros membros do primeiro escalação maior participação na articulação política.

Eu tenho erros e acertos, não tenho problema de reconhecer o erro quando eu faço.

ARTHUR LIRA

Presidente da Câmara, no programa Conversa com Bial, admitindo erro ao ter chamado o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, de "desafeto pessoal" e "incompetente".

A nossa bancada não tem como dar acordo. Não há possibilidade de votar favoravelmente.

LUIZ FERNANDO MAINARDI

Líder da bancada do PT na Assembleia, negando apoio ao projeto do governo Leite para elevar a alíquota geral de ICMS de 17% para 19%.

O que mais me dói é saber que ele sofreu lá dentro.

JOÃO FANTAZZINI JÚNIOR

Tutor do golden retriever Joca, cão morto durante transporte aéreo, após a Gol errar o destino e submeter o animal a um tempo de viagem muito superior ao que suportaria.

Fiquem tranquilos, não vamos a lugar algum.

SHOU ZI CHEW

Presidente-executivo do TikTok, após EUA aprovarem lei que pode banir a rede social chinesa do país, prometendo contestar no judiciário a legislação.

Temos que pagar os custos (pela escravidão). Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isso.

MARCELO REBELO DE SOUSA

Presidente de Portugal, que admitiu responsabilidade histórica do país no período colonial em relação a escravidão, massacre de indígenas e saque de bens em terras estrangeiras.

arte

Retrato de um Homem Lendo Jornal

Desde que um alemão chamado Johannes Gutenberg "inventou" a imprensa, com a criação da máquina de impressão tipográfica, no século 15, o hábito da leitura diária se multiplicou e ganhou espaço, também, nas artes visuais. Inúmeras são as obras que reproduzem a ação.

Ao lado, você vê um exemplo disso na tela Retrato de um Homem Lendo Jornal, pintada no início do século 20 pelo artista francês André Derain, um autodidata que começou a carreira aos 15 anos.

Originalmente, o periódico que vemos nas mãos do tal homem era real, colado diretamente na tela. Curioso, né? O quadro pertence ao acervo do Museu Hermitage, que fica em São Petersburgo, na Rússia.

INFORME ESPECIAL

quinta-feira, 25 de abril de 2024


25 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

Alpinistas de cancelas

Existem os alpinistas das cancelas do shopping. Os que praticam rapel na hora de mostrar o comprovante de pagamento. Vou explicar. Já testemunhei infindáveis casos. Na saída do estacionamento, no momento de encostar o tíquete no visor eletrônico, o motorista faz a proeza de parar o carro longe do token. Falta braço. É um goleiro de braço curto.

Começa o constrangimento público, absolutamente evitável. Ele fica encalacrado no quase. Estica-se todo pela janela aberta, sem conseguir a validação. É possível escutar, mesmo a distância, os seus ossos estalarem em forçado alongamento.

Com o fracasso, com o engarrafamento aumentando atrás de si, com o medo da buzinada contagiosa dos colegas de ocasião, ele é tomado pela pressa, pela ansiedade, e se lança para uma missão impossível: tirar o cinto e abrir a porta do carro. Só que tampouco quer ter o trabalho de apagar o veículo e andar, recusa-se a empreender a tarefa calmamente do lado de fora.

Não aceita desligar o motor. Não admite desistências. Então, vira um Minotauro: metade gente, metade touro. Mantém incrivelmente o pé no pedal do freio e pisa no chão com o outro, jogando o seu corpo para frente, escalando o topo da montanha da cancela, tentando inutilmente levantar o código de barras do cartão para liberar o acesso.

Não é que seja um péssimo motorista, não é que não goste de balizas. É a crença afoita de que passará pela cancela, não precisará estacionar na cancela como se fosse uma vaga provisória. Ele executa uma decisão equivocada, intuitiva.

Pensa que será uma transição rápida, e não capricha. Encalha na passagem. Nem sempre tem um fiscal por perto para acudir. Nem sempre ocorre a leitura automática da placa por câmera. Além da coreografia cômica, não há como o espectador da confusão não temer um desastre.

Seria muito mais prudente aceitar a primeira falha para não vacilar tanto depois. Seria muito melhor dar uma ré quando havia espaço de retaguarda e alinhar as rodas para se colocar mais próximo.

A cena ilustra nossa resistência ao recuo. Temos uma noção de que recuar é covardia, é ausência de convicção, é derrota moral, e realizamos parvoíces em nossa vida. Avançamos mesmo estando errados, e apenas acentuamos nossa conduta desfavorável.

Uma grande mentira já foi pequena antes. O tempo que você levou para assumir a verdade é que aumenta a gravidade da situação. Um grande erro já foi ínfimo antes. O exaustivo adiamento até a reparação é que o torna irreversível.

O perigo mora nos detalhes. Retroceda no ato. Desculpe-se enquanto age.

CARPINEJAR

25 DE ABRIL DE 2024
OPINIÃO DA RBS

POTENCIAL SUBAPROVEITADO

O país tem um considerável espaço para aumentar a movimentação de cargas em suas águas internas, diminuindo custos e desafogando rodovias. Um estudo publicado em fevereiro pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) apontou a existência de 20,1 mil quilômetros de hidrovias economicamente viáveis no país. Ainda assim, seria menos da metade da real extensão aproveitável. 

Mas é um potencial que começou a ser mais bem explorado, como mostrou o Anuário Agrologístico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), conhecido nesta semana. Nos últimos 13 anos, o escoamento de milho e soja por hidrovias no país cresceu de 3,4 milhões para 30 milhões de toneladas. Em 2010, o modal tinha uma participação de 8% no escoamento da safra. A fatia chegou a 19% no ano passado, após chegar a 23% em 2022.

O transporte hidroviário não é viável em todas as regiões. Depende da existência de rios e outros grandes corpos d´água navegáveis. O Rio Grande do Sul é um dos Estados privilegiados e pode avançar com hidrovias em trechos dos rios Gravataí, Jacuí, Taquari, Caí e Sinos, no Guaíba e nas lagoas dos Patos e Mirim. Os gaúchos, aliás, foram no século 19 pioneiros nesta alternativa no país.

Na década de 1970, eram aproximadamente 1,2 mil quilômetros de vias navegáveis no Estado. Hoje, seriam cerca de 770 quilômetros, indicam entidades e órgãos públicos vinculados ao setor. Três anos atrás estimava-se que apenas 3% do fluxo de mercadorias no Rio Grande do Sul ocorria por hidrovias. Especialistas avaliam que seria possível chegar a algo próximo de 12%. 

Dragagens insuficientes, sinalização precária e burocracia para a criação de terminais privados vinham sendo citadas ao longo do tempo como principais entraves. Talvez seja inviável retomar a extensão utilizável de meio século atrás, mas é possível ao menos viabilizar os trechos existentes para ampliar o transporte de granéis em grande volume. Existe espaço não apenas para grãos, mas para celulose, petroquímicos e fertilizantes, produtos exportados e importados pelo Estado.

Alguns movimentos trouxeram alento e outros podem contribuir para a recuperação do modal. A legislação portuária foi modernizada e permitiu o surgimento de mais terminais privados. Há processos de concessão em andamento. Uma hidrovia entre o Brasil e o Uruguai é considerada prioridade pelo governo federal e espera-se para este ano a dragagem da Lagoa Mirim. O Palácio Piratini, ao mesmo tempo, iniciou em fevereiro um processo de atualização do Plano Estadual de Logística e Transportes (Pelt), que também analisará a infraestrutura existente e as demandas do modal. O estudo deve estar concluído em 2025.

Cerca de 90% da matriz de transporte do Rio Grande do Sul é rodoviária. Há boa margem para elevar a participação dos modais ferroviário e hidroviário, desde que se solucionem gargalos. Ambos, para cargas de maior volume, são mais competitivos e ambientalmente vantajosos. Um maior aproveitamento também aliviaria as rodovias de veículos pesados, com ganhos para a segurança dos demais usuários e menor pressão relacionada aos custos de manutenção das estradas.