26
de agosto de 2012 | N° 17173
CAPA
O sabor da
perfeição
A
editora do caderno Gastronomia Bete Duarte conta a trajetória de Tsuyoshi
Murakami, aclamado como o melhor chef de cozinha japonesa da América Latina, e
explica por que degustar os pratos do restaurante Kinoshita, em São Paulo, é
uma experiência sensorial inigualável
Tsuyoshi
Murakami finaliza um dos pratos como quem dá as últimas pinceladas em uma tela.
Nesse momento, o chef que comanda o Kinoshita, o mais badalado restaurante
japonês da América Latina, localizado no bairro Vila Olímpia, em São Paulo,
mostra-se imerso em sua arte.
O
mundo parece parar. Mura, como é conhecido pelos amigos, nem de longe lembra o
homem falante, de gestos largos e vocabulário repleto de gírias, ou o cantor
com voz de tenor (sim, ele é as duas coisas). Neste momento de concepção dos
pratos, identifica-se apenas com um samurai japonês, dono de uma concentração
invejável e uma disciplina militar, em busca de uma perfeição da qual só os
orientais são capazes.
Tsuyoshi
Murakami é o japa da hora. Mais do que as mesas do restaurante, comensais
disputam um lugar no balcão próximo dele, para acompanhar a destreza do chef
com a faca Aritsu, a mais antiga feita no Japão. Absolutamente imerso em um
processo de meditação, ele faz cortes perfeitos nos peixes e monta os pratos
como um ourives lapida uma joia. Sem abrir mão das raízes da gastronomia
tradicional japonesa, destaca textura, cor, volume e aromas dos ingredientes em
busca da emoção sensorial por intermédio do gosto: o maior valor da kappo
cuisine.
À
sua volta, concentram-se os cinco pilares da culinária japonesa: shoyu, saquê,
saquê mirin, vinagre de arroz e missô. As cerâmicas artesanais trazidas de
Arita, no Japão, são levadas às mesas de ávidos gourmands que descobriram no
Kinoshita uma espécie de templo dedicado aos sabores mais puros da cozinha
nipônica.
É
questão de instantes para o samurai Murakami, de 43 anos, desaparecer dando
lugar ao nipo-carioca Mura, que solta a voz como em um show da Broadway. Ele
pode interpretar My Way, ao estilo Frank Sinatra, ou entoar com voz de tenor Ne
La Fantasia, tema do filme A Missão. O cozinheiro e o cantor se fundem de tal
sublime maneira que no recém-lançado livro Kinoshita e o Jazz de Murakami, uma
edição de luxo da BEI, está incluído um CD de jazz gravado pelo chef.
Cinema
é outra paixão, principalmente os filmes de Akira Kurosawa, Antonioni e Ingmar
Bergman.
–
Gosto de histórias intensas, consideradas tristes, porque a felicidade faz
parte de uma tristeza gostosa – filosofa. – Além disso, a mesa japonesa tem a
ver com o cinema: é visual, simbólica, quase intimista.
Essa
e outras analogias com arte surgem quando Murakami disserta sobre sua cozinha.
Na música, busca o equilíbrio, persegue a afinação dos instrumentos, a
perfeição da voz. Na cozinha, procura ressaltar as diferenças entre a ocidental
e os hai kai japoneses, em que não há excessos, onde menos é mais:
– A
diferença pode ser percebida ao comparar o garfo e a faca dos ocidentais com o
hashi japonês. O hashi não fere, não corta, ele põe no colo, abraça.
A
preocupação com o cliente e seu aconchego é visível no Kisoshita. O restaurante
foi projetado segundo os preceitos do Feng Shui, técnica milenar chinesa de
harmonização dos ambientes que busca trazer paz, alegria e prosperidade ao lar
e ao local de trabalho. Murakami tem 50 funcionários. Mas não deixa de
conversar com cada um dos comensais.
Considera-se
um monge a propagar as qualidades da kappo cuisine, cujos preceitos segue como
uma religião. Mas não se priva de trabalhar com ingredientes bem brasileiros.
No cardápio, estão presentes o jiló, a mandioca e o quiabo – com o toque
oriental de um tempura.
O
chef samurai faz muitos planos para o futuro. Entre eles, está abrir um novo
restaurante: um izakaya, com cozinha aberta e 200 lugares, inspirado nas
tabernas de ambiente descontraído em que os japoneses vão beber após o
trabalho. Para maio do ano que vem, programou levar gourmets em viagens gastronômicas
ao Japão.
bete.duarte@zerohora.com.br