sábado, 1 de abril de 2017



01 de abril de 2017 | N° 18808 
PIANGERS

Freud explica

Existe a confidencialidade de informações na relação paciente e médico, mas quero crer que existe apenas da parte do médico, certo? Quero dizer: da parte do paciente, podemos contar as coisas que ouvimos no consultório? Porque fiz terapia por um bom tempo com um psiquiatra que me ajudou muito a entender uma série de coisas. Ele era muito bom (e, portanto, caríssimo!) e eu só conseguia pagar duas sessões por mês, mas valiam cada centavo. Ele me ajudou a me encontrar profissionalmente, equilibrar trabalho e família, resolver minhas questões do passado e criar melhor as minhas filhas. Como eu disse, esse cara era muito bom.

Mas uma coisa que ele jamais conseguiu curar – e acredito que nenhum médico jamais conseguirá – é a minha insegurança. Tenho aquela imagem idealizada dos psiquiatras como personalidades dominadoras que estão sempre analisando o que digo e, assim, conseguem controlar minhas atitudes puxando as cordinhas certas. Então, ao mesmo tempo em que ele me analisava, eu analisava ele me analisando. Eu queria entender seus métodos, antever qual seria sua tentativa de me fazer abrir. Mas o homem era ninja e sempre me surpreendia. Perguntava “E a sua mãe?” na hora certa e me fazia cair no choro.

Ele não salvava os contatos no celular, justamente pra preservar a privacidade dos pacientes. Então, quando eu mandava mensagem, ele respondia: “Quem é você?”. Minha vontade era dizer: “É exatamente isso que você deveria me ajudar a responder!”. Mas nunca falei isso, claro. Apenas me sentia insignificante tendo que detalhar minhas credenciais: sou o Marcos, filho da Eloisa, aquele que está em conflito profissional e tem dificuldade de deixar a filha na creche.

Uma vez, perguntei a ele o que achava das minhas colunas no jornal. Ele disse: “Acho que você se limita demais”. Acredito que ele quis dizer que eu era melhor do que parecia para o público, mas pra mim a mensagem que ficou foi: “Seus textos são uma porcaria”. Fiquei com isso na cabeça e, quando lancei meu livro, a fila era enorme e passei seis horas autografando páginas. 

Meu psiquiatra estava lá, pude vê-lo no canto me olhando e coçando o queixo, não veio falar comigo, apenas cochichou algo no ouvido da minha mulher e foi embora. Imaginei que, com aquele sucesso, ele teria se convencido de que meu texto é bom, mas depois minha mulher me passou o recado: “Fala para o Marcos que ele sabe o que eu penso”. Ou seja, até hoje eu acho que ele acha que meu texto é uma droga. Este aqui, inclusive.

Minha insegurança com meu psiquiatra chegou ao auge no dia em que cancelei uma sessão porque estava indo viajar. O que não informei era que a viagem era só no outro dia, mas queria passar a despedida perto da família. Então, quando jantávamos amorosamente no segundo andar do Puppi Baggio, quem é que entra subindo as escadas? 

O homem, me olhando por trás de seus óculos, como quem pega uma criança lambuzada de doce. Ao me levantar para cumprimentá-lo, tropecei no pé da mesa, o que deixou mais evidente minha travessura. “Você não foi viajar?”, perguntou. Tentei explicar, gaguejando, ele se afastou e sentou em uma mesa cheia de amigos, cerca de 10 senhores, provavelmente todos psiquiatras. Pela maneira que me olharam a noite toda, sabiam de todos os meus segredos.