sábado, 8 de julho de 2017



08 de julho de 2017 | N° 18892 
DAVID COIMBRA

O inventor do Corpo de Bombeiros

Crasso era homem e virou adjetivo, mas, antes disso, fez coisas importantes, como inventar o Corpo de Bombeiros. É que incêndios ocorriam amiúde em Roma, sobretudo nos bairros mais pobres. Nesses lugares, as construções típicas eram as insulae, prédios frágeis de madeira ou tijolo, que alcançavam seis ou sete andares de altura. Eram tão próximos uns dos outros, e tão precariamente erguidos, que às vezes se tocavam na parte de cima.

As famílias romanas viviam em apartamentos minúsculos, sem banheiro ou esgoto. Faziam suas necessidades em penicos e, quando queriam se livrar delas, despejavam-nas pela janela, e ai de quem passasse embaixo.

Esses edifícios, quando um deles pegava fogo, todos no entorno queimavam, fosse pela contiguidade, fosse pela fartura de material combustível. Crasso, que já era rico e mais rico se tornou, viu o problema e imaginou a solução. Reuniu um grupo de escravos e os treinou como os primeiros bombeiros da história. Ideia genial e, aparentemente, generosa. Nem tanto. Crasso fazia o seguinte: quando irrompia um incêndio, corria para o local com seus homens. Parava ao lado do proprietário, este obviamente desesperado, e fazia a proposta:

– Se você me vender essa propriedade, eu apago o fogo. Se não vender, deixo que queime até o chão e você fica sem nada.

Como ficar com alguma coisa é melhor do que ficar sem coisa alguma, os proprietários aceitavam a primeira proposta de Crasso e vendiam barato o prédio em chamas. Aí Crasso ordenava que o fogo fosse apagado, reformava o lugar e o revendia a bom preço ou o alugava. Essa operação imobiliária era tão lucrativa, que, quando não havia incêndios, o próprio Crasso dava um jeito de providenciá-los através de outro corpo bem treinado, só que de incendiários.

Lembrei desse capítulo da história de Crasso por causa da situação atual do governo Temer. Porque os incendiários estão angustiados para apagar o fogo.

Entenda: é bom espancar Temer. Ninguém lhe dá suporte, com exceção do apoio fisiológico do Congresso. Temer é o alvo ideal, porque não tem defensores, nem simpatizantes, além daquela mulher que gritava que o amava enquanto tentava invadir o Palácio do Planalto.

Assim, Temer é o inimigo perfeito. A oposição cresce, com Temer. O PT, todo escalavrado por causa de sua atuação no governo, encontrou em Temer seu canal de desafogo. Os petistas gritam:

– Estão vendo! Tiraram o PT para pôr isso no lugar!

E assim o PT parece bom. Todos parecem bons.

O governo Temer é o incêndio desejável. Mas o prédio não pode queimar por completo. Se queimar, não haverá ganho. Se Temer for deposto em 15 dias, como preveem alguns, a crise política será estancada. O novo governo, de Rodrigo Maia, não precisará ser competente; precisará, tão somente, manter-se longe de escândalos.

Seria péssimo para quem, hoje, fustiga Temer alegremente. Preste atenção, surpreso leitor: os incendiários ruidosos se transformarão em bombeiros discretos.

Mas Crasso cometeu seus erros, como seu nome indica. Vou falar sobre eles oportunamente. Por ora, me deterei em seu acerto espúrio. Foi agindo como agem os políticos brasileiros, tocando fogo aqui, apagando o fogo acolá, que ele se tornou o homem mais rico de Roma. Talvez tenha sido o mais rico de todos os tempos. Crasso tinha muito, muito dinheiro. Tanto, que merece mais uma crônica só para isso. Aguarde.