
12 DE OUTUBRO DE 2020
ECONOMIA
Os segredos e as soluções das fábricas de calçados veganos
Nicho em expansão estimula o consumo consciente e sustentável, relações mais justas e a produção sem depender de animais
Na década de 1990, a organização internacional Peta (Pessoas em Luta pelo Tratamento Ético aos Animais, na sigla em inglês) ficou famosa no mundo em razão da campanha Eu Prefiro Sair Sem Roupa. Celebridades como Pamela Anderson, Dennis Rodman e Eva Mendes fizeram parte do movimento contra o uso de pele animal em casacos. De lá pra cá, muitos hábitos mudaram em termos de consumo. E a mesma organização, atualmente, atesta a expansão do mercado de calçados veganos no Brasil.
Segundo a entidade, a solicitação do selo de certificação de produto vegano aprovado pela Peta, que facilita a identificação de itens livres de sofrimento animal pelos consumidores, tem média de crescimento de 275% por ano em fábricas de calçados da América do Sul. No Brasil, depois de dois registros do logotipo em 2016 e 2017, outras oito marcas obtiveram a qualificação em 2018 e mais sete se juntaram à lista em 2019. Até julho deste ano, mais duas empresas conquistaram o selo e havia lista de pendentes para aprovação (há uma série de critérios que devem ser preenchidos). A Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) não possui dados deste segmento específico.
Exemplos
Mas a expansão também pode ser exemplificada por três empresas. Apesar de parecidas sob alguns aspectos e diferentes sob outros, Insecta Shoes, Urban Flowers (essas duas gaúchas) e Ahimsa (de Franca-SP) registraram crescimento em suas produções nos últimos anos. A marca paulista, que abriu fábrica própria com sete funcionários em 2014, hoje tem cerca de 50 trabalhadores, já vendeu seus produtos para aproximadamente 50 países e conta com lojas parceiras em 15 nações.
A Insecta, com 16 funcionários, não tem fábrica própria, mas possui lojas em São Paulo. Em 2019, lançou operação internacional e passou a ter itens vendidos por lojistas parceiros de países como França, Israel, EUA e Alemanha. Produz, de forma terceirizada, cerca de 2 mil pares por mês e, na pandemia, diversificou a produção, oferecendo novidades como pantufas e tênis, exemplares mais confortáveis. Além disso, não classifica calçados por gênero. Seus produtos são unissex.
Já a Urban Flowers, que começou no quarto de Cecília Weiler, em 2013, em Campo Bom (RS), inaugurou no ano passado uma fábrica própria para seus 10 funcionários em área rural da cidade e produz cerca de 600 pares por mês, em média, já tendo alcançado mil pares em alguns meses de 2019.
Além de ostentar cases de crescimento econômico, as três têm em comum a oferta de soluções para contribuir com o consumo consciente e sustentável, e ampliam a comercialização de produtos livres de crueldade animal. Tanto a Urban quanto a Insecta, por exemplo, têm a certificação do selo Eu Reciclo, para compensação ambiental de embalagens, um modelo de logística reversa (instrumento de responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos).
- Uma marca vegana tende a olhar para todo o processo. Sempre buscando novas formas de produzir e fortalecendo uma cadeia mais justa para animais, pessoas e ambiente - explica Cecília.
Materiais
Na Insecta, ainda há o projeto Fechando o Ciclo. Por ele, a marca recebe calçados que chegam ao fim do seu ciclo de vida, inclusive tênis de outras marcas. A entrega pode ser feita em lojas físicas ou pelos correios. Quem devolve um calçado, ganha um cupom de R$ 50 para compra no site.
Os sapatos recebidos são desmontados e alguns componentes são destinados para reciclagem. O cabedal (parte de cima do sapato) e a palmilha são transformados em novas palmilhas. O solado é triturado e vira nova sola, não gerando lixo.
Na produção de novos pares, cabedais são feitos com roupas de brechó, garrafa PET ou algodão reciclados, ou tecido reutilizado.
Ao comprar um par da Insecta, segundo a marca, a pessoa recicla cinco garrafas PET, economiza 37 quilos de emissão de CO2 e não sacrifica nenhum animal.
Curiosamente, a campanha contra o uso de peles de animais em roupas foi aposentada pela Peta no início de 2020. Não por falta de apoiadores, mas ela se tornou desnecessária.
"Praticamente todos os estilistas desistiram das roupas de peles, a rainha Elizabeth II renunciou ao material, a Macy?s também desistiu e a maior casa de leilões de peles na América do Norte faliu", escreveu no site da entidade o vice-presidente sênior da Peta, Dan Mathews.
Mas ele promete esforços extras para expandir campanhas contra o couro animal, entre outras ações. O que pode ser um sinal positivo para o futuro de empresas que acreditam em calçados veganos.
Quando nascemos, há sete anos, não se falava tanto de moda sustentável. Hoje, há indicadores financeiros atentos a isso, todas as tendência de comportamento em mercado apontam para esse lado. As grandes marcas estão repensando modelos de produção. Mas a representatividade ainda é pequena. Esperamos que ser uma marca sustentável não seja diferencial no futuro.
Tentamos ser mais conscientes. Estamos inseridos num sistema capitalista consciente e entendemos que todos podem ganhar no nosso formato de negócio. Ninguém precisa sair perdendo. É possível fazer diferente. A empresa é pequena, mas é lucrativa.
Barbara Mattivy - fundadora da Insecta Shoes
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