terça-feira, 13 de outubro de 2020


13 DE OUTUBRO DE 2020
CARLOS GERBASE

O que eu tenho escrito na minha camiseta?

John Lydon, ou Johnny Rotten, ou Joãozinho Podre. Chame como quiser. Ele foi o líder de uma das bandas mais importantes da história do rock?n?roll, os Sex Pistols, que em 1976 sacudiu o marasmo do rock progressivo inglês - que não progredia para lugar algum e era tão conservador quanto a rainha Elizabeth II - e instalou uma era de anarquia sonora, de contestação social, de protesto, de aproximação com o público e de feroz inovação. Uma revolução que até hoje influencia músicos do mundo inteiro. 

O álbum Never Mind the Bollocks tem lugar em qualquer antologia séria de música contemporânea. Ele fez com o rock?n?roll o que A Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky, fez com a música erudita, o que as montanhas de Paul Cézanne fizeram com a pintura, o que Ulisses, de James Joyce, fez com a literatura. A arte do século 20 muito deve a John Lydon.

Esse mesmo Joãozinho, tão revolucionário, tão contestador do sistema, há alguns dias apareceu com uma camiseta em que está escrito Make America Great Again, o slogan da campanha ultradireitista de Donald Trump. Pode até ser uma tentativa de ironia, ou um deboche, mas a incoerência é tão grande que não há interpretação positiva possível. Como o Lydon que berrava "Eu sou um anarquista!" e pregava a destruição do sistema pode agora associar sua imagem a um homem que representa a pior face do sistema? 

Um homem que faz a rainha Elizabeth parecer uma senhora bacana! Foram drogas demais? Desorientação mental profunda? Desespero pela chegada da velhice? Mesmo que haja uma explicação, e duvido que haja, Lydon pisou na bola, tropeçou e está no chão. Quem pode lhe estender a mão? Talvez um skinhead nazista, o que seria a definitiva prova de que merece ficar onde está.

Há alguns anos, escrevi aqui na ZH: "O anarquismo é ótimo, mas os anarquistas são insuportáveis". Hoje posso complementar: alguns anarquistas (se é que Lydon ainda se considera como tal) não sabem o que é anarquia e estão a um passo do fascismo. É triste. Claro, ainda temos nossos heróis do Clash, dos Stooges, dos Dead Kennedys, dos Buzzcocks, dos New York Dolls e de tantas outras bandas incorruptíveis (assim espero?). E temos, é claro, Wander Wildner, que escreveu o clássico hino "Eu tenho uma camiseta escrita eu te amo/ Parece uma grande bobagem/ Mas é o que eu sinto quando estou voando/ E eu tô voando!". Essa é a verdadeira camiseta anarquista.

CARLOS GERBASE

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