sábado, 1 de fevereiro de 2025



01 de Fevereiro de 2025
CARPINEJAR

Escolhendo os times na escola

Se eu pudesse voltar atrás, não participaria dos jogos da exclusão, dos jogos da rejeição da minha infância.

Teria boicotado, feito greve, discursado contra. Há dores que demoram para doer. A consciência social nem sempre é pontual, nem sempre está desperta desde cedo. Eu não previa os efeitos danosos para tantos outros meninos como eu.

Uma vez que eu não arcava com o preconceito, não entendia a sua influência perniciosa, o seu papel desagregador, o seu exemplo antieducacional. Nas aulas de educação física, o professor indicava dois colegas para escolher os times. Cada um desfrutava do direito de chamar, alternadamente, integrantes para sua equipe.

Eu sempre fui boleiro, e terminava sendo um dos primeiros recrutados. Não penava como alvo da perseguição. Dispunha da confiança imediata dos meus semelhantes, então me calava.

Depois que os melhores eram convocados, numa disputa de preferência por quem havia mostrado habilidade nas peladas do recreio, acontecia um bizarro concurso para evitar os piores no próprio time.

Os capitães se digladiavam para não contar com os "pernas de pau" em sua formação. Xingavam publicamente os que sobravam no final da seletiva. Disparavam desaforos para crianças indefesas que estavam ali justamente para aprender futebol. Crianças que não tinham nenhuma obrigação de conhecer os fundamentos do esporte.

- Pode ficar, jogamos com um a menos.

- Ele não, é muito ruim.

- Nem colocando de goleiro.

- Ele não presta nem como poste.

Qual o propósito da escola senão dar chance para quem nunca entrou em campo? Mas vivemos num país segregador, pulando etapas, em que é difícil ensinar o básico. Parece que todo mundo deve nascer sabendo.

Assim muitos jovens perderam a vontade de comparecer a interações coletivas, postos de lado já nos ensaios e treinos da vida.

Eu queria pedir desculpa retroativa a todos que foram zombados nas peneiras estudantis, apelidados de "perebas" ou de "babas", ofendidos pela sua aparência, num bullying perigoso sobre obesidade e demais características físicas.

A todos que não receberam uma mísera oportunidade, um único incentivo, a proteção do acolhimento, o cuidado para se entrosar pouco a pouco, sem a hierarquia sumária de valor, sem o julgamento prévio.

Lamento a minha passividade. Tão obcecado no meu desempenho, focado no meu individualismo, egoísta nos dribles, feliz com a fragilidade do adversário, eu não via na época o quanto eles sofriam com qualquer erro, qualquer passe torto, qualquer tiro a gol longe da meta, defenestrados por antecipação. Atuavam sob o signo do pânico e da opressão, para confirmar expectativas e agouros. Não se encontravam relaxados ou motivados. Experimentavam um terrorismo psicológico desmedido. Não usufruíam de paz para tentar, falhar, retomar, condenados a provar o engano nos primeiros minutos de bola rolando. A indisposição reforçava os estereótipos, os rótulos, os recalques.

Já começávamos a aula derrotados moralmente. _

CARPINEJAR

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