
O papel do Brasil na cúpula dos Brics
Líderes dos países emergentes se reúnem em mais uma cúpula do Brics. Apesar de o evento se estender até hoje, a declaração final foi divulgada ontem (leia mais na página 14) e abordou pautas que já eram apontadas como prioritárias por especialistas: a cooperação em relação à saúde global, inteligência artificial, comércio, investimento e finanças, desenvolvimento institucional, mudanças climáticas e segurança internacional.
Professor de Relações Internacionais da PUCRS, João Jung, em conversa com a coluna, destacou alguns desses temas que tocam de maneira especial o Brasil:
- A regulação de inteligência artificial, por exemplo, é uma coisa muito importante quando pensamos no Brasil. Ano que vem temos eleições e, hoje em dia, com o deepfake, com o avanço da inteligência artificial, como é que ficam as disputas políticas eleitorais? Como que se pode regular isso? Como que isso pode ser regulado em um nível multilateral ou discutido em um fórum como os Brics? - ponderou.
Há a discussão de novos membros e a preocupação com a institucionalização desses nomes. Jung também citou a preocupação brasileira com as mudanças climáticas:
- É algo que impacta todos os países, dentro da questão de transição energética, muito importante na China, que hoje encabeça discussões em relação a isso, e muito importante para o Brasil, pensando que vamos sediar a COP30.
O professor avalia que discussões sobre os conflitos na Europa e no Oriente Médio também estarão entre os assuntos tratados na pauta da segurança internacional.
De todos os temas, esse talvez é o que o Brasil mais se afaste, menos tenha interesse em discutir, porque é onde ele pisa em ovos para não afetar aquilo que chamaríamos de uma equidistância pragmática que se faz entre esses países orientais, como Rússia e China, que são vistos com desconfiança, e Irã agora também, visto com desconfiança pelo Ocidente, que é um parceiro tradicional e importante para o Brasil. _
O "boom" de eventos
Até o fim de 2025, o governo brasileiro lidera os Brics. Jung avalia que, só nessa função, já há um protagonismo formal do Brasil. Além disso, lembra que o país já vem com um "boom" de grandes eventos, como o G20 em novembro do ano passado, agora a Cúpula do Brics e, em novembro, a COP30:
O Brasil é um protagonista natural do Brics, membro original e que nutre as melhores relações. Rússia e Índia têm algumas rusgas históricas, Rússia e China, China e Índia. O Brasil é, desde a origem, uma espécie de mediador entre esses países. É um país central, ainda que não por questões econômicas, como seria a China, nem por questões militares, como seria a Rússia, mas do concerto político-diplomático. _
Entrevista - Lauro Mattei
Coordenador do Núcleo de Estudos de Economia Catarinense (Necat) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
"Chama atenção esse movimento pendular entre RS, PR e SP"
O IBGE mostrou que Santa Catarina se tornou o principal destino de brasileiros que decidem mudar de Estado. Entre 2017 e 2022, o Estado recebeu 503 mil migrantes interestaduais, sendo que 134,8 mil foram do RS. A coluna conversou com Lauro Mattei, coordenador do Núcleo de Estudos de Economia Catarinense da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
O que é mais importante observarmos nos dados?
Analisarmos de onde vêm essas pessoas. Do Rio Grande do Sul, são 134 mil; do Paraná, 96 mil; e de São Paulo, 62 mil. Somente esses três Estados representam quase 50% dos migrantes, com o RS respondendo por 27%. Mas o que mais chama atenção é algo que, na prática, já sabíamos: esse movimento pendular entre Estados vizinhos: RS, PR e SP. Quando observamos para onde vão os catarinenses que saem, o destino são os mesmos. Dos 149 mil que deixaram SC, 76% foram para esses Estados. O que significa? As condições de proximidade e de infraestrutura, permitem esse deslocamento mais próximos, em uma região que é muito conectada em termos econômicos, de atividades produtivas e de emprego.
O que explica essa migração pendular?
São três pontos: por um lado, a questão econômica, que tem toda a dinâmica do Centro-Sul do país e os mercados de trabalho. Por outro lado, tem a questão de transporte, que facilita esse deslocamento. Esses fatores de infraestrutura e a proximidade geoeconômica é o que chamamos de centro dinâmico da economia do Brasil. Há, ainda, a infraestrutura que existe nesses Estados, seja em termos de habitação, saneamento, energia, educação, saúde, e a facilidade de deslocamento.
O que mais atrai migrantes para SC?
São três explicações muito claras: primeiro o mercado de trabalho. Em SC, tem três condições que são extremamente atrativas para a população. É o Estado com mais baixas taxas de desemprego, tem um alto índice de formalidade das relações de trabalho e tem o nível de renda média dos empregos mais elevado do país. A segunda explicação é sobre as condições estruturais, na área de serviços ofertados à população. O serviço de saúde, de educação e de transportes, você tem uma infraestrutura bem articulada e ágil. E o terceiro, que acho que tem uma característica importante, é o acolhimento de pessoas mais idosas, ou seja, de aposentados. Você vai criando na faixa litorânea de SC um conjunto de cidades de aposentados de outros Estados. Você vai nesses municípios e é uma população já com um padrão de renda de aposentado, que vai curtir o resto da vida nesses espaços.
Quais as principais regiões de destino dos migrantes?
No caso dos brasileiros, é uma mescla muito forte. Você tem no litoral Norte e sobretudo na região de Joinville, Jaraguá, São Francisco do Sul, uma expansão bastante grande no setor da indústria. Você perdeu o fluxo em direção ao Vale de Itajaí por causa da desestruturação do setor têxtil, e agora um grande apelo no setor de serviços. O comércio é mais restrito em algumas cidades polos regionais. E tem a mão de obra, que é bem sazonal para os períodos típicos de atividades mais intensas. Em síntese, como você tem uma economia altamente diversificada e regionalizada, as pessoas vão encontrando espaço para se alocar enquanto empregados e a partir daí organizar sua vida com emprego e com renda.
Nas pesquisas de vocês na UFSC, com as catástrofes no RS, aumentou a migração para SC?
Com certeza. Sobretudo na prestação de serviços: Uber, iFood, área de turismo, pessoas oferecendo assessoria, que trabalham com informática... Conheci vários que vieram para Florianópolis, estão morando na praia e estão trabalhando em home office. E isso tem uma característica importante que facilita a migração de pessoas qualificadas, porque você pode tranquilamente morar em uma casa, em um apartamento em uma praia onde o custo é bem inferior durante a baixa temporada, e trabalhar de casa. _
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