25
de março de 2012 | N° 17019
MARTHA
MEDEIROS
Órfãos adultos
Deixou
três filhos, todos na faixa dos 70, pois na época em que essa senhora era jovem
casava-se cedo. E foi então que, conversando com uma das filhas, de 75 anos, me
deparei com uma questão sobre a qual eu nunca tinha pensado. Disse-me ela que
estava muito magoada com a reação das pessoas: todos vinham abraçá-la, no
enterro, como se ela estivesse de aniversário, como se fosse uma boda, uma
promoção, um réveillon.
“Minha
mãe, apesar da idade que tinha, não dava trabalho à família, era independente e
gozou de boa saúde até o final. Porém, mesmo que tivesse dado trabalho, mesmo
que eu e meus irmãos estivéssemos reféns de uma condição desfavorável, ora,
perdi minha mãe. Por que isso seria menos doloroso a essa altura? Só porque
também sou velha?”
Calei.
Ela tinha total razão. É muito comum encararmos a morte de alguém bastante
idoso como um alívio para a família – estivesse o defunto já doente ou não. Da
mesma forma como nos chocamos quando alguém parte cedo, nos insensibilizamos
diante dos que partem aos 95 anos, aos 99, aos 103 anos de idade.
É como se estivéssemos aguardando a notícia do óbito para qualquer momento, e quando a notícia chega, tudo certo, cumpriu-se a ordem natural das coisas, é preciso morrer e, que dádiva, ao menos este viveu bastante.
É como se estivéssemos aguardando a notícia do óbito para qualquer momento, e quando a notícia chega, tudo certo, cumpriu-se a ordem natural das coisas, é preciso morrer e, que dádiva, ao menos este viveu bastante.
Tudo
certo quando se trata dos pais dos outros.
O
que essa senhora de 75 me esclareceu é que ela tem, também, o direito de
sentir-se órfã. É um engano achar que a orfandade é um sentimento exclusivo dos
jovens. Ela tinha vontade de dizer, a todos aqueles que foram ao enterro apenas
para cumprir uma formalidade social, sorridentes como quem vai a um shopping,
que a sua capacidade de sentir dor não havia sido diluída pelos seus 75 anos, e
que ela sentia falta daquela mãe tanto quanto a sua filha de 50 sentiria a sua,
e tanto quanto a sua neta de 25 sentiria da mãe dela.
Essa
história aconteceu alguns anos atrás, mas me veio à memória com clareza e força
ao ler recentemente o livro Filosofia Emocional, do professor Frédéric
Schiffter, que entre diversos assuntos aborda exatamente isso: a tristeza não é
uma doença, muito menos uma doença exclusivamente infantil.
O fato de sermos
experientes, vividos, maduros e bem resolvidos não cria em nós uma blindagem
contra os sentimentos. Ao menos, não diante de perdas tão significativas.
E se
por um acaso for uma doença infantil, que respeite-se. Perder a mãe nos leva, a
todos, de volta aos 10 anos de idade.