sábado, 1 de abril de 2017



01 de abril de 2017 | N° 18808
PALAVRA DE MÉDICO | J.J. CAMARGO

AFETO É PLANTAÇÃO


Que o afeto crônico é o melhor antídoto para a indiferença, todo mundo sabe. Quando propus, numa mesa redonda na TV sobre como criar filhos amorosos, o uso precoce e contínuo da massagem como forma de recrutar o carinho permanente das crias, fui encarado com uma mistura de surpresa e pouca fé. Argumentei que um filho massageado desde a infância, no mínimo, terá mais dificuldade de se rebelar contra um pai cuja lembrança esteja associada à reminiscência mais antiga de alguém encantado com a maciez da sola do seu pé, ainda bebê. A massagem, por tudo que representa de proximidade, respeito, carinho e intimidade, devia constar nesses tantos manuais que pretendam ensinar jovens pais a se tornarem amados definitivos.

Quando a Jurema, uma paciente antiga, marcou uma consulta, pensei que pretendia fazer uma avaliação tardia de um câncer de pulmão que operara lá no final dos anos 1990. Ao lado dela, muito sério, acomodou-se o Rodrigo, um jovem de uns 18 anos, com uma cara bonita, que não conseguia disfarçar a ansiedade. Quando a mãe começou a rememorar a nossa relação, ele pressionou:

– Mãe, conta logo!

–Desculpe, doutor, eu sei que o senhor tem muitos pacientes para atender, e para lhe agradecer uma coisa importante que aconteceu na nossa vida e não lhe atrapalhar, marquei esta consulta. Felizmente, estamos sem doença na família e a última revisão que fiz há uns oito meses mostrou que está tudo bem.

–Mãe, não enrola.

– Desculpe, doutor, mas o Rodrigo era meio rebelde e eu fiz questão que ele viesse junto para lhe dizer o quanto o senhor nos ajudou sem saber falando aquelas coisas na televisão. Naquela noite, ele voltou tarde para a casa e, em vez de reclamar pois ele não cumprira o horário combinado, resolvi fazer um teste e disse: meu filho, sente aqui, que quero te mostrar uma coisa interessante que aprendi hoje. Primeiro sentado, depois esparramado no sofá, eu pude massagear-lhe as costas até que ele dormiu. 

No dia seguinte, durante o café, perguntei: “E aí, gostaste da massagem?”. “É, foi legal, mas acho que a minha namorada vai fazer melhor!”. Não me incomodei com a provocação, porque fazia muito tempo que o bom dia não vinha acompanhado de um beijo e isso, para o primeiro dia, já me pareceu demais. Nem vou perguntar para o Rodrigo quantas namoradas ele teve desde então, porque foram muitas, mas depois de um tempo, ele acabava dizendo que tinha saudade da minha massagem, e aquilo me dava uma alegria!

Terminada a consulta, emocionados, nos despedimos, mas a surpresa nos aguardava na porta: – Eu sei que a minha velha teve um câncer. Então, muito obrigado por ter salvado a vida dela. Nunca lhe confessei, mas nenhum dos meus amigos tem uma mãe carinhosa como a minha.

E saíram enganchados com muito amor pendurado naquele abraço. Nem disse para Jurema que os nossos filhos sempre descobrem alguém que os massageie melhor do que nós, mas que não devia desanimar, porque logo chegam os netos e tudo recomeça. Ela vai descobrir, então, que esses trazem uma doçura para compensar todas as asperezas da vida. Um dia desses, o Zé Eduardo, que circulara pelo colo da mãe e do pai, de repente, anunciou: “Agora vou ficar com o meu avô, porque a massagem dele é mágica!” A Jurema nem sonha que o seu o ciclo de afeto está só começando.