terça-feira, 3 de novembro de 2020


03 DE NOVEMBRO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

AS LIÇÕES DA ELEIÇÃO AMERICANA 

É notório que os Estados Unidos são a mais pujante democracia do planeta, mas, apesar dessa condição invejável, a campanha que hoje culmina com o dia final de votações deixa uma série de exemplos negativos, que se bem compreendidos podem ser traduzidos em lições úteis para o Brasil. O primeiro deles advém dos danos causados pela radicalização. Dos debates às campanhas nas ruas, passando pela cobertura de boa parte da imprensa, o clima de gritaria ofusca a saudável discussão de ideias e a proposição de soluções para problemas que vão muito além de uma tentativa de monopólio da razão. A pandemia, atualmente, é o maior desses desafios. Nos EUA, o número de vítimas fatais da covid-19 ultrapassa 230 mil. É o maior do mundo. Muitas seriam evitáveis se o bom senso tivesse ocupado o lugar das bravatas, da ideologização e do negacionismo.

Outro ponto que serve de alerta é a surpreendente complexidade e a disparidade do sistema eleitoral americano. Poucos Estados utilizam votação eletrônica e cada um define suas próprias regras e ritos, gerando uma confusão de datas e procedimentos com efeitos nocivos à credibilidade do processo. Em tempos de calmaria, funcionava. Agora, porém, sob a pressão de elementos históricos e circunstanciais específicos, abrem-se margens para manobras já ensaiadas que visam embaralhar e contestar em uma proporção histórica os resultados, caso sejam desfavoráveis a um dos lados. A solidez institucional, porém, será suficiente para contornar qualquer ardil protelatório.

Não resta dúvida de que a autonomia dos entes federados é um dos mais relevantes ingredientes do sucesso econômico e institucional dos Estados Unidos, mas essa descentralização precisaria, em alguns casos, de normas que garantam uniformidade mínima ao peso e ao processo do voto. Só mesmo o conhecido complexo de vira-lata poderia impedir que os brasileiros cultivassem orgulho e celebrassem a credibilidade e a lisura do seu sistema eleitoral, bem mais eficiente e transparente do que o norte-americano. Lá, o resultado final deve levar dias para ser conhecido, o que favorece a formação de um vácuo na transição entre um mandato e outro, mesmo que seja ele exercido pelo mesmo presidente. Aqui, os eleitos são anunciados em poucas horas.

Seja qual for o desfecho da disputa entre o democrata Joe Biden e o republicano Donald Trump, os efeitos serão gigantescos para o Brasil, potencializados pelo alinhamento ideológico atual entre o presidente brasileiro e seu colega do Norte. A defesa da democracia como valor global, que tem nos EUA seu grande exemplo de sucesso, embora imperfeito, exige que a eleição transcorra em paz, que os resultados sejam transparentes, fidedignos e, principalmente, acatados civilizadamente tanto por vencidos quanto por vencedores. Essa é uma questão que transcende as fronteiras com o Canadá e com o México e transborda a sua relevância para todo o planeta.

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