
MARCELLO CASAL JR/ABR /JC
É necessário αbrir os olhos e perceber que αs coisαs boαs estão dentro de nós, onde os sentimentos não precisαm de motivos nem os desejos de rαzão. O importαnte é αproveitαr o momento, pois α vidα estα nos olhos de quem sαbe ver. Tento me lembrαr, de tudo que vivi, o que tem por dentro, ninguém pode roubαr. Pois os diαs ruins, todo mundo tem já jurei prα mim, não desαnimαr, não ter mαis pressα , eu sei que o mundo vαi girar . . .Eu espero α minhα vez.
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AFFONSO RITTER
Colegas e amigos, companheiros de conversas no cafezinho da Redação, no estúdio, nos bares, prestaram uma homenagem ao jornalista David Coimbra, que morreu nessa sexta-feira (27) após uma luta de quase 10 anos contra o câncer, diagnosticado em 2013.
Kelly Matos, Luciano Potter, Leonardo Oliveira, Paulo Germano, Rosane de Oliveira, Andressa Xavier, Diogo Olivier e Pedro Ernesto Denardin recitam um dos últimos e mais impactantes textos publicados por David em GZH e Zero Hora: Quando eu quis morrer, em que ele narra a rotina de dor e mal-estar que vivera nos últimos meses, tendo inclusive de interromper a atividade profissional.
Quando pôde retomar seus afazeres, traduziu o sofrimento na crônica publicada em 16 de maio. Nela, o jornalista expõe de forma direta e sensível a relação com a doença, reflete sobre que não é o futuro que importa, mas o aqui e agora e faz uma defesa da vida, que é bela, pois é vivida a cada dia e cada instante.
David foi sepultado neste sábado (28) em uma cerimônia restrita aos familiares e amigos mais íntimos no Cemitério da Santa Casa. Durante toda a manhã, na Capela do Crematório Metropolitano, centenas de fãs, admiradores, colegas e amigos puderam, regados a bom chope, se despedir de David.
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Querido David,
Te escrevo para contar como estamos desde que nos despedimos de ti. Foi no sábado, tu ficaste sabendo? Não sei se aí onde tu estás pega o 4G. Sabe como são as coisas, às vezes demora para conectar. Sim, eu sei, a tecnologia não é o teu forte. Tudo isso eu sei. Mas, lembras que o Geder ensinou a usar o equipamento da rádio lá em Boston? Então, eu acho que vai dar certo.
De repente, se tu já tiveres feito amizade, podes pedir para alguém a senha do Wi-Fi. Ah, para. Lembrei que tu podes pedir ajuda ao Magro Lima. Esse aí manja tudo. Vai lá e pede para ele. Não te mixa.
Mas volta aqui que quero te contar como foi. Tu não vais acreditar.
Davidzinho, desculpa, mas eu não consegui impedir. Agora todo mundo sabe que tu és gremista. Tu achas que eu deveria ter levado uma camisa do Inter para dar uma disfarçada? O Regis e o Bernardo riram quando eu sugeri. Ah, vai que alguém acreditasse, sei lá. Mas acho que nem daria. O Bernardo disse que não ia deixar.
Bom, mas em nome da imparcialidade, eu estava lá! E não só eu: o Sóbis, o Guerrinha, o Potter e o Fernando Carvalho. É que o Duda foi esperto e chegou bem antes. Esse Duda! O Nelson adorou.
Sim, o Nelson. Essa eu tenho que te contar! O Nelson foi na tua despedida também. Aliás, a família inteira. Foi o Nelson, o Duda, o Beto, filho do Nelson, e também o Pedrinho Sirotsky. Todos eles. E pior: chegaram bem na hora que eu estava tomando um chope cremoso. É, ali do teu lado. Eu não sabia onde me enfiar. Imagina eu no meio da capela, com um copo daqueles de boteco na mão, enquanto a família Sirotsky chegava.
Aí, eu tentei disfarçar, botei o copo para trás, assim, na hora que o Nelson se aproximou. E olha isso: o Nelson chamou o garçom para trazer mais um chope. JURO. Sério. Foi bem assim. Como assim, chope? É chope. Tinha chope na tua despedida.
Eu vou pedir para te enviarem as fotos que o Botega fez. Enquanto isso eu descrevo: um garçom andava para lá e para cá, com uma bandeja, e servia chope ali mesmo na capela. Servia enquanto as pessoas chegavam perto de ti. Não é para rir. É sério. O Nelson pegou um copo da bandeja, levantou em tua homenagem e fez sinal para eu brindar. Sério, David, olha o que tu me aprontas até depois de ir embora.
Estava todo mundo lá. O Adelor, a Nádia, o Degô, o Zé Pedro, o Ivan, a Neca, o Ademar, a Marcella. O Jones, o Serginho, o Léo, o Diogo, o Maurício, o Marcelo, o Chuchu, o Renatinho, aquele canalha (era assim que tu chamava, né?). A turma da produção fez uma fila: Larissa, Lisioca, Pancot, Yuri. Da época de Boston: a Greice, o Edward, o Rafael, a Gabriella, a Ana Paula. São alguns que eu consegui ver.
Quem mais? Ah, David, eu não sei os nomes todos. Estava toda a equipe da Gaúcha: o Zé, o Gabardo, o Lucianinho, a Andressa, o Diori, o Augusto, o Nilson... eu vou esquecer alguém e aí tu vai me arranjar encrenca. O PG tava também, o Cauê, o Rocca, o Tici, o Perrone. A Pri, lembrei! A Pri veio de Londres, desceu no Rio e já embarcou direto para Porto Alegre. Sim, tudo isso por tua causa.
Quem organizou? Tua família e a Marta. Não, não a Medeiros. A Marta Gleich. Ela estava firme, que nem uma rocha. Até buscar tuas roupas, auxiliando a Marcinha, ela foi. Nessas horas, tem que ter alguém assim, que nem a Marta. Ela não descuidou de nada, nenhum segundo.
O tempo? Ah, estava chovendo. Compreensível, né. Foi como se a cidade chorasse a tua partida.
A tua família ficou ali, ao teu lado, o tempo todo. Bernardo ficou te fazendo carinho. A Marcinha ficava junto com ele, era bonito e emocionante de ver. O Regis, essa parte é curiosa, todo mundo ficou impressionado com o quanto ele é parecido contigo. A esposa dele cuidou tanto da tua despedida, David. A Silvia também não saiu de perto. Ela estava emocionada. A Cris, a Noca, a família toda. Não tinha como ser diferente. Como eu te disse, Porto Alegre chorou.
Ah, tem uma última coisa que eu queria te contar.
No final, a gente atravessou a rua para fazer a despedida mesmo, ali no espaço da Santa Casa. O Tiago Boff foi até lá — ele estava reportando tudo cuidadosamente para a rádio — e observou que tu ficarias bem pertinho do Teixeirinha. Eu achei bonito. E achei que tu ias gostar de saber.
Mas não era sobre isso a última coisa. A última coisa foi uma coisa que o Bernardo disse. Quando todo mundo já tinha ido embora, era quase três da tarde, estávamos caminhando eu, a Marcinha, o Regis, a esposa dele e o Bernardo. A gente ia na direção da Oscar Pereira, de volta, porque os carros estavam estacionados onde havia sido a cerimônia anterior.
E pensei: a fruta não cai longe do pé.
O enterro da sogra
O Tribunal Superior do Trabalho rejeitou mandado de segurança da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) contra a concessão de tutela de urgência que determina o custeio das despesas de internação em clínica especializada para tratamento de obesidade mórbida de um aposentado, em Salvador (BA). Segundo a decisão, "o risco da demora consiste no próprio risco de vida do empregado".
Na ação trabalhista, o aposentado, 61 de idade, disse que sempre pagou em dia as mensalidades da AMS - Assistência Multidisciplinar de Saúde, mas, em abril de 2020, ao pedir autorização para o tratamento, se viu "cruelmente abandonado", sem receber nenhum posicionamento sobre o pedido. Com risco máximo para obesidade, o empregado comprovou que a cirurgia bariátrica era contraindicada, em razão de comprometimento cardiovascular, e a melhor opção era a internação em clínica especializada.
A 30ª Vara do Trabalho de Salvador (BA) concedeu tutela de urgência para obrigar a Petrobras e a AMS a arcarem com o tratamento em clínica especializada, inicialmente por 150 dias, diante do risco de vida decorrente da obesidade mórbida severa. Ainda o plano deverá manter o tratamento após a alta, consistente em três dias de internação ao mês, por 24 meses. A decisão foi mantida. (Proc. ROT-20-93.2021.5.05.0000).
Sócio que deixa a empresa pode ser responsabilizado judicialmente por obrigações constituídas pela sociedade, desde que ocorridas no período em que ele esteve no quadro societário. Nesta linha, a 6ª Câmara Cível do TJRS negou provimento a recurso interposto por uma mulher que integrou os quadros de uma empresa condenada por contrafação, na cidade de Farroupilha.
A ex-sócia Fátima Galafassi está sendo executada nos autos de cumprimento de sentença em face de Galcari Indústria e Comércio de Matrizes Ltda., com base em sentença julgada procedente na fase de conhecimento (Proc. nº. 0015401-31.2003.8.21.0048). Não tendo obtido a satisfação de seu crédito, a credora Grendene S.A. suscitou incidente de desconsideração da personalidade jurídica da devedora. Aí comprovou que a empresa Galcari "não mais possui recursos para quitar a sua obrigação com a exequente" e que "só não fechou as portas por impossibilidade fiscal".
A empresa da qual Fátima foi sócia, à época, copiava os modelos de calçados da Grendene, uma das gigantes do mercado. Outros três sócios da Galcari ficaram de fora do polo passivo da execução, pois se retiraram do quadro societário em 2002. Logo, são partes ilegítimas para responder pelas dívidas da sociedade. Os artigos 1.003 e1.032, do Código Civil limitam a responsabilidade destes até dois anos após a sua saída.
O acórdão da 6ª Câmara considerou que "a dívida corresponde a um título judicial decorrente de ação de indenização relativa a contrafação". Esta ocorreu em 2005, ocasião em que a recorrente ainda era sócia da empresa devedora. (Proc. nº 70085203180).
A Constituição Federal estabelece como competência privativa da União legislar sobre trânsito e transportes. Este preceito foi adotado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo para anular uma lei do Município de Andradina (SP), de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre o uso de bicicletas elétricas e scooters no município.
O acórdão observou ainda que, em âmbito federal, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) - que é órgão responsável por regulamentar a política nacional de trânsito - já editou resoluções que tratam de bicicletas elétricas. (Proc. nº 2175823-22.2021.8.26.0000).
Decisões recentes da Justiça do Trabalho gaúcha reconhecem a ocorrência de dano extrapatrimonial contra o trabalhador que, sistematicamente, recebe seus salários com atraso - ou pagos parceladamente. Trata-se inclusive de dano moral in re ipsa, dispensando qualquer outra prova. Basta a comprovação de que houve impontualidade - caracterizando, assim, a violação de direitos. As empresas inadimplentes foram condenadas. Os três acórdãos trazem decisões explícitas.
1) "A conduta da reclamada em não realizar o pagamento das verbas rescisórias no prazo legal revela a existência de um agir doloso, descumprindo com sua obrigação contratual, devendo ser condenada à reparação dos prejuízos à reputação creditícia e financeira do empregado".
2) "O não adimplemento dos salários no prazo legal gera inevitável insegurança e sofrimento psíquico ao trabalhador, haja vista que necessita dos haveres decorrentes de seu trabalho para sua subsistência e de sua família".
3) "A mora salarial causa prejuízos não somente de ordem econômica, mas de ordem moral e ofensa ao bem jurídico. A conjunção deixa o empregado prejudicado na organização de sua vida financeira, principalmente na obrigação - legal e moral - de honrar os compromissos assumidos".
Os valores reparatórios deferidos variaram de R$ 3 mil a R$ 5 mil. (Procs. nºs 0020207-10.2021.5.04.0014; 0020291-08.2021.5.04.0791; 0020717-87.2019.5.04.0371).
Excepcionalmente, o Espaço Vital estará ausente, aqui no Jornal do Comércio, na próxima terça (31). Mas o colunista se reencontrará com os leitores na edição da sexta-feira da próxima semana (03/6).
Colegas e amigos lamentam a morte de David Coimbra
28 DE MAIO DE 2022
MARTHA MEDEIROS
Era 2011, minha primeira vez em Tóquio. Caminhava com minha filha pelo fervilhante bairro de Ginza quando, numa movimentada avenida, escutamos uma música de balada: de onde saía aquele som? Logo percebemos que vinha de uma loja, e para ela fomos atraídas. Na entrada, dois homens sem camisa, apenas de calças jeans, recepcionavam os clientes: como referência, imagine James Dean e Marlon Brando aos 20 anos.
Uma vez lá dentro, vertigem: parecia que eram três da manhã, e não três da tarde. A música que se ouvia da calçada se transformou numa rave trepidante, era como estar numa casa noturna. Os três andares da loja eram interligados por grandes escadas com degraus iluminados como numa discoteca, mas o que impressionava eram os funcionários. Meninos e meninas saídos de capas de revista: incrivelmente lindos e sexys. Seduziam com bíceps, decotes, sorrisos e olhares, "deseja alguma coisa"? Saí de lá antes de fazer alguma besteira.
Estávamos na Abercrombie, marca de roupas casuais que estourou entre os jovens americanos nos anos 1990 e que fazia da exclusão o seu diferencial. Com várias filiais espalhadas pelo mundo, a empresa contratava a equipe não pelo currículo, mas pela aparência, e usava a moda como promessa de pertencimento: quem quisesse se sentir desejável como eles, bastaria vestir uma camiseta da grife. Técnica publicitária clássica, mas não demorou para que se percebesse que não havia negros, nem asiáticos, nem latinos, nem gordos naquela tribo. Adeus, reinado. Abercrombie & Fitch, Ascensão e Queda é o nome do documentário disponível na Netflix, para quem quer conhecer melhor essa história.
O mundo mudou, continuará mudando e cada vez mais rápido. É verdade que as redes sociais sequestram nosso tempo e funcionam como um tribunal impiedoso, a que damos o nome de patrulha, mas é preciso reconhecer: que suporte elas têm dado à revolução em curso. A diversidade é a grande beneficiada pela fiscalização virtual - tolerância zero para preconceitos e segregações. O mundo descolado não é mais branco, nem magro, nem assim, nem assado. Afora a ética, que sempre deve ser protegida, não existe mais um monopólio de conduta. A idade certa para. O jeito certo de. A beleza padrão. A família ideal. Exclusão não vende mais nada e torço para que também não eleja mais ninguém, só quem se vale dela são marcas e políticos em estado de putrefação.
A Abercrombie não quebrou. Tem novos diretores, reformulou seu modo de operação e adequou-se ao universo inclusivo. Era isso ou a morte. Consumidores jovens e maduros, pequenos e grandes empresários: já não há quem não saiba que o produto mais valioso do mercado, hoje, chama-se consciência.
28 DE MAIO DE 2022
CLAUDIA TAJES
Depois de anos sem acompanhar uma novela, acho que desde O Clone, que fez meu filho, então um toquinho, trocar os Power Rangers pelas criações do doutor Albieri, fui fisgada por Pantanal.
Bem verdade que a possibilidade de ver a novela na hora em que se quiser ajudou. Longa vida aos aplicativos, que tornam possível ao vivente não se irritar com as inserções políticas dos intervalos comerciais. Você ali, sonhando com o quartinho dos peões, e entra um deputado federal que lutou pela cloroquina se dizendo o mais qualificado para o governo do Estado. Ou outro, tapado de maracutaias, querendo ser o próximo ocupante do Piratini.
Me poupe, como se diz na língua culta.
Não assisti à Pantanal dos anos 1990, mais preocupada que estava com outras coisas, incluindo o desprezo pelo que meus parentes gostavam. Era jovem, mil perdões. Hoje estou do outro lado do balcão, sofrendo o desprezo pelos meus gostos. Como diz meu irmão, a terra gira é para nos fazer cair. A única vantagem é que tudo é inédito para mim, Juma, Jove, José Leôncio, Filó. E Maria Bruaca.
Que personagem, a Maria Bruaca. E que atriz. Nunca tinha visto a Isabel Teixeira em cena, quanta sensibilidade para encarnar uma mulher que já vi tantas vezes na minha avó, na minha mãe, nas irmãs, nas amigas, em mim mesma. A pessoa desvalorizada por cuidar da casa e dos outros, se contentando com o que sobra. E não sobra nada. Só pela Maria Bruaca, Pantanal já vale a viagem.
A novela privilegia os dramas masculinos. Até agora, já são dois filhos sofrendo pelos pais ausentes, mais o Jove, que não se dá com o pai. Jove, tão bonito quanto enjoado e, a bem da verdade, um tanto tóxico, além de usar as camisetas mais feias da dramaturgia brasileira. O ator é bem melhor que o papel que lhe coube. Já os dramas das mulheres são mais objetivos, quase todos envolvendo algum tipo de vingança. Ou a reafirmação de território, caso da Filó. Ou a luta por um amor, que não há heroína - gente ou onça - que passe ao largo dessa jornada, na ficção e na vida.
Esta humilde coluna não poderia terminar sem uma menção ao quartinho dos peões do Zé Leôncio. Se a vida real é mesmo assim, me penitencio por não ter abraçado as lides campestres. Todos os peões do Zé Leôncio, ele incluído, são lindos e se vestem na estica para as tarefas mais comezinhas. Mais: todos são românticos, homens que não conversam sobre gado, terras, a hora da ordenha, só falam de amor. O que tem parte com o capeta é maravilhoso. O vilão é um arraso. Tadeu e Tibério são duas pinturas, broncos e honestos até o último músculo. E vem aí José Lucas, mais um sensível para se juntar à turma. Um belo elenco, sem dúvida. Telespectadoras e telespectadores mereciam esse colírio.
Brincadeiras à parte, um novelão como Pantanal tem um quê de terapia, deixa a cabeça leve por alguns instantes. Cai bem depois de um telejornal cheio de tretas, de um embate Ciro x Gregório, de mais um pulo da inflação, de outro aumento da gasolina, de dinheiro público indo para o ralo etc etc etc. Novela pegada mesmo, a gente sabe, vem aí a partir de agosto, quando começa a campanha eleitoral.
Até lá, deixa a peoa sonhar.
28 DE MAIO DE 2022
LEANDRO KARNAL
A palavra é difícil de escrever. Um solene sc no meio e conteúdo desconhecido da maioria. Quantas vezes, nos últimos anos, sua fala incluiu o termo imarcescível?
Vamos nos aproximar um pouco da antiga seção "enriqueça seu vocabulário" da revista Seleções. Sua orquídea resiste na sala há 21 dias sem murchar? Talvez ela seja imarcescível. Algo que não fenece, jamais perde o viço, mantém o vigor original é parte da definição do vocábulo título da minha crônica. Com sentido figurado, aplica-se ao que nunca pode ser corrompido pelo tempo. Pode até ser elogio a sua colega de Ensino Médio que você reencontrou em um restaurante: Márcia, você tem um rosto imarcescível! Se ela for uma pessoa de vocabulário rico, baixará o rosto, corada. Ficar vermelho diante de um elogio é uma forma sofisticada de dizer: concordo, mas a humildade social impede que eu grite sim nesse instante.
Aproveito a palavra menos comum para tocar em um ponto delicado. Qual o sentido de aprender algo novo como a palavra que usei? Amplio: e o currículo escolar em si? O influencer Felipe Neto causou impacto nas redes ao declarar que ainda não tinha encontrado utilidade prática para o Teorema de Pitágoras.
O conhecimento tem sido, com frequência, um distintivo social. Gramática não serviria, de fato, para afinar a comunicação, todavia para dizer quem é quem. Quem estudou muito sabe distinguir entre aposto explicativo, enumerativo, comparativo, circunstancial etc. Ao identificar que está utilizando um deles com acerto e consciência, causa em outros que estudaram a boa sensação de que se trata de alguém que pertence ao mesmo grupo. Resolve-se a identidade pela regra da língua. "Você ouviu? Ele pronuncia aerosol e não aerossol. Não vamos nos misturar com esse tipo de gente." Parece cômico, porém toca no ponto real. Gramática é usada como exclusão.
Volto ao ponto: quando fará falta imarcescível? Quando você, se não for da área de exatas, utilizou o Teorema de Pitágoras? Eu, como nerd confesso na juventude, admirava a beleza da hipotenusa e dos catetos. Sei identificar oração reduzida de gerúndio e ainda respondo, com rapidez, se alguém me pergunta qual grande rio da África atravessa a linha do Equador duas vezes.
Sempre imagino em qual jantar poderei elogiar a beleza imarcescível da dona da casa e acrescentar um detalhe interessante sobre a hipotenusa grega ou o rio Congo. Claro: o conhecimento não possui apenas esse item bizarro de enciclopédia antiga ou manual de curiosidades. Quais outras funções?
Prestar atenção em uma palavra nova pode ampliar a maneira de perceber o mundo. A velha história (lendária) de que os esquimós teriam mais de cem palavras para descrever branco. A palavra aguça o olhar e aperfeiçoa a mente. Observar que um termo é escrito com "sc" é uma maneira de prestar atenção à escrita e pode, no extremo, tornar meu olhar mais atento ao conteúdo do texto. Se eu passar para a banda do "tanto faz", é provável que, além da ortografia, eu me descuide do significado de tudo. Um olhar atento a textos e mensagens estimula a cidadania, diminui nossa chance de sermos enganados pela propaganda comercial e política.
Tradicionalmente, os grandes ladrões do erário público brasileiro eram sólidos bacharéis, formados em boas universidades e muito atentos ao vernáculo. Ladrões ágrafos são personagens mais recentes. Como Nelson Mandela, ao lutar contra os racistas da África do Sul, achou fundamental entender o africâner, dominar a língua portuguesa pode ter, em algum setor, destaque na consciência política. Conhecimento liberta e torna, no fim, sua capacidade imarcescível, mesmo navegando no rio Congo sobre uma graciosa linha de hipotenusa pitagórica.
O saber não melhora eticamente uma pessoa. Canalhas podem ser cultos e até refinados musicalmente. Ortografia não garante criatividade ou estratégia. Opulência vocabular pode vir acompanhada de fraqueza de ânimo. O conhecimento sempre foi a chave do mundo. Na chamada sociedade 5.0 de smartphones e Google, ele é ainda mais fundamental. Os trilionários do planeta vendem ideias, algoritmos e soluções produtivas muito mais que constroem ferrovias ou extraem plutônio. Gado e soja ainda embasam fortunas. Acima dos empreendedores do agro, grandes especialistas em química, biologia e botânica concentram os verdadeiros ganhos. O fazendeiro rico, na prática, é o proletário dos grandes laboratórios ou dos sistemas logísticos de carga do mundo.
Muita coisa pode ser discutida sobre currículo escolar, caráter prático do conhecimento ou utilidade de tudo. Volto à África do Sul de Mandela: escolas para negros ensinavam trabalhos manuais práticos porque aqueles alunos seriam trabalhadores braçais na cabeça dos organizadores do sistema escolar. Os brancos? Estudavam Filosofia e Literatura: estavam sendo preparados para o controle. Conhecimento é poder. Ensinar só coisas muito práticas é uma excelente estratégia de controle da futura mão de obra. Saber é semear uma esperança imarcescível.