29
de setembro de 2013 | N° 17568
MARTHA
MEDEIROS
A sala de espera do analista
E
tudo terminará num bistrô, entre boas risadas.
Obviamente,
meu comportamento demonstra um desajuste. Não é por acaso que preciso
frequentar um profissional que aperte meus parafusos frouxos.
Já quando
sou eu que estou na sala de espera aguardando, a situação se inverte. O
paciente anterior sai e nem olha para os lados. Cruza por mim como se eu fosse
uma cadeira vazia. Nem uma espichada de olhos, nem um esgar, nem um grunhido. Não
existo. Ele passa reto. Sou uma cadeira.
Eu
poderia ficar com a autoestima abalada, ele não sabe o risco que está causando.
Ou talvez saiba, mas não se importa com o que sinto. Será que ele não se importa
com o que sinto? Acho que estou desenvolvendo um complexo de inferioridade. Mais
essa agora. Desse jeito, minha alta não virá nunca.
Sempre
que entro em uma pequena sala de espera, qualquer que seja, cumprimento quem
ali está. Não saio distribuindo beijinhos, mas demonstro educadamente que
percebi a presença de outros no recinto. Logo, é natural que eu faça o mesmo
numa sala de espera que frequento toda semana à mesma hora, e onde
eventualmente vejo as mesmas pessoas saindo ou entrando. Compartilhamos uma
rotina, ora.
Talvez
não acreditem na eficiência do revestimento acústico das paredes, desconfiam de
que aquela criatura ali na sala de espera escutou os detalhes de suas compulsões
sexuais e de suas neuroses cabeludas. Era para ter ficado tudo em segredo, era
para ter sido um momento privado, inviolável, confidencial – e é! – porém, em
poucos minutos, aquele estranho sentará na mesma poltrona (ou deitará no mesmo
divã) e privará dos cuidados do mesmo profissional, imediatamente depois de
termos estado ali, e a sensação é de promiscuidade.
Queremos
acreditar que o terapeuta é só nosso.
Mas
não é: o paciente sentado na sala de espera revela que somos apenas mais um,
que nossos problemas não são o centro da atenção de quem nos analisa e de que é
provável que as paranoias dele sejam mais interessantes do que nossos
questionamentos banais. Intolerável. Melhor mesmo fazer de conta que ali fora
está apenas mais uma cadeira vazia.