Estava aqui de papo com a tal da inspiração. Ô negócio complicado esse. A inspiração é o ápice de um pedido de socorro, de uma eterna busca por explicações. Eu me inspiro com o que me transtorna, com o que me indigna, com o que me apaixona. Eu me inspiro com o que me aborrece, com o que me entristece, com o que me leva a chutar o pau da barraca. A gente escreve pra bagunçar filas cegas, pra estapear o manco de afeto, pra tirar as vendas do orgulho. Quando me inspiro, tenho um caso de amor comigo, reconheço a generosidade da vida; a gente escreve pra sobreviver.
A escrita me salva. Rabiscando me mando recados, peço ao mundo pra calar a boca, peço paz. Subconscientemente tenho a pretensão de ajeitar as coisas, aviso que estou de saco cheio, me dou escapes. Escrevendo enfrento meus medos, me destempero. Quando me inspiro, mudo meu rumo, coloco rédeas no meu sarcasmo, atropelo meu lado negro.
Quando comecei este texto, eu ia falar de humildade. Sentei pra escrever que não sou arrogante porque cuspi marimbondos ontem, nem que sou esnobe por não fazer a “social” para os egos mal-acostumados. Queria falar do dom que algumas pessoas têm pro orgulho, e de como não sei conviver com isso. Quero falar de como poses me formigam, de como é enfadonho ver tudo tão igual; do marasmo que é a maldade, da cafonice da vaidade. Eu tentei falar, mas escrever me ensina a olhar para dentro, não para o outro.
Eu escrevo pra superar, pra tolerar, pra me calçar de flores. A escrita me arranca mordaças, desnuda meu avesso, confronta meu silêncio, desfaz meus planos. Hoje escrevi pra dar meia-volta, pra calar. A escrita me interrompeu pra dizer que eu não precisava ter vindo me explicar.
Quando escrevo, me livro, sossego, amo. Escrevo pra correr riscos. Eu escrevo pra continuar. Vomito meus limites e volto à dúvida. Continuo perplexa, torta, simples e humana demais pra este mundo; tento falar do que não cabe mais em mim, do que me desconforta, do que me enoja e do que me acalenta. Eu escrevo pra costurar minhas falhas, deixar bater o sol em meus segredos, pra me lembrar que ainda estou aqui.
Eu me inspiro em recomeços. Por isso escrevo.