quinta-feira, 5 de maio de 2022


AVALIAÇÃO DISTORCIDA

Pela liderança que tem até agora nas pesquisas de intenção de voto, é plausível projetar que Luiz Inácio Lula da Silva possa ser eleito em outubro e volte a ser presidente da República. Suas ideias, propostas e visões, portanto, são de interesse público. Deve-se prestar atenção ao que diz. Em um eventual retorno ao Planalto, além de tentar buscar soluções para as principais mazelas do país, o petista ditará a nova política externa. É uma área em que também será necessário considerável esforço para reverter a imagem hoje predominantemente ruim do Brasil.

Neste contexto, foram preocupantes as declarações de Lula em entrevista concedida no final de março à prestigiada revista norte-americana Time e publicada ontem. O ex-mandatário brasileiro fez uma avaliação distorcida da invasão da Ucrânia pela Rússia. Para o petista, o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, é tão responsável pelo conflito quanto o autocrata russo Vladimir Putin. Dessa forma, iguala de maneira totalmente equivocada o agredido ao agressor. Apesar de dizer considerar a decisão do Kremlin de ir à guerra errada, acaba de certa forma criando uma falsa equivalência entre os dois líderes.

Não se tratou de nenhum escorregão de Lula em uma ou duas frases. São longas respostas em que distribui culpas iguais pelo conflito entre Estados Unidos, União Europeia, Organização do Tratado do Atlântico (Otan) e Zelensky. Mesmo que se possa tecer críticas pontuais à condução da crise pelo Ocidente e seus fóruns, a invasão russa é injustificável sob qualquer prisma e foi levada adiante baseada em uma série de inverdades propaladas por Moscou. Não faltaram, como sustentou incorretamente, tentativas diplomáticas de evitar a ofensiva armada russa. 

E, mesmo que fosse possível avançar em negociações relacionadas ao ingresso da Ucrânia na Otan, trata-se de uma decisão soberana de uma nação democrática, que tentou ser impedida à força. Lula afirmou ainda que existe um estímulo ao ódio contra Putin. O que existe, na verdade, é o repúdio a alguém que feriu o direito internacional, apelou à violência para subjugar outra nação, manipula a opinião pública sem qualquer pudor, sufoca opositores internos e a liberdade de imprensa e chegou a ameaçar o mundo com armas nucleares.

Em nenhuma passagem da entrevista o ex-presidente brasileiro se solidariza com o povo ucraniano ou critica a barbárie da guerra e atrocidades como o massacre de civis. Lamentável.

Simpatizantes do ex-presidente costumam reclamar de comparações que consideram injustas de Lula com o presidente Jair Bolsonaro. Mas, ao menos na questão que envolve a guerra no Leste Europeu, os dois antagonistas demonstram posições não tão distantes assim. Bolsonaro, é preciso lembrar, fez uma inoportuna visita a Putin às vésperas da invasão e chegou afirmar ser "solidário" à Rússia. O Brasil, seus líderes e postulantes ao mais alto cargo da República deveriam sempre ser críticos a autocratas e regimes onde liberdades civis são asfixiadas e instituições da democracia, tolhidas.  

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