segunda-feira, 9 de maio de 2022


09 DE MAIO DE 2022
HUMBERTO TREZZI

Bem-vindo ao mundo sem dinheiro vivo

Quando era criança, a minha geração se amarrava num cofrinho. Manja? Um leitãozinho de porcelana, com uma abertura para colocar moedas, tipo gibi do Tio Patinhas. Dinheiro de verdade era sólido, metálico, a gente imaginava. Como detectores de metal eram quase ficção científica, nos anos 60 da minha infância, nem havia o inconveniente de carregar grana e inadvertidamente fazer apitar a máquina no aeroporto ou no banco (que, aliás, ainda nem contavam com esses equipamentos).

Moedas existem desde muito antes de Cristo, quando o homem parou com o escambo (o hábito tribal de trocar um objeto pelo outro), atribuindo valor simbólico às mercadorias e diminuindo o peso da troca. Eu me sentia rico com o cofrinho, ainda criança, mas adultos já usavam outras formas de pagamento. Mais valiosas e mais práticas que o metal: cédulas em papel. Dizem que inventadas pelos chineses no século 7. As notas de dinheiro levaram um tempo para chegar ao Brasil. Foi no início do século 19, com a corte de Dom João VI e os primeiros bancos.

Só que tanto as moedas como as cédulas são por demais volumosas. Até já ouvi falar de milionários que chegam com sacolas de dinheiro para comprar caminhonetes, mas deve ser bem raro.

Foi para evitar a manipulação trabalhosa e perigosa de malas de dinheiro (porque tentadoras para ladrões) que os bancos adotaram o cheque. Com ele, um papel pode valer um veículo. Muito o usei. Ainda pode ser útil naquele armazém do Interior, à beira da estrada de chão batido.

Os cheques foram substituídos pelos cartões em plástico duro, de crédito ou débito. Lembro das primeiras vezes que os vi. Que invenção maravilhosa! Ao passar na maquininha, dinheiro transferido para outra conta, outra cidade, outro país. Sem precisar ir ao banco, veja só. Parecia que nada de tão fantástico seria inventado no comércio mundial em curto prazo.

Engano meu. Em poucos anos vieram os bancos virtuais, por computador e pelo celular. Demorei a aderir, desconfiado de que golpes pudessem me vitimar. Pode rir, mas falcatruas são mais comuns do que você pensa. Por duas vezes acessaram meu cartão de crédito, online, para comprar coisas por aí. Uma dor de cabeça.

Dia desses, logo após o churrasco na folga dominical, fui despertado por um telefonema. Um sujeito desesperado me garantiu ter mandado milhares de reais para minha conta, via pix. Desconfiei da esmola, óbvio. Desliguei, consultei o saldo e lá estava o dinheiro. Virtual. Ainda aguardei um dia, para ver se a grana continuava ali. Continuou. Devolvi. O coitado me agradeceu, comovido com uma honestidade que, disse ele, não se encontra mais. Encontra, sim. Honestos são maioria, só que não costumam virar notícia.

Esse dinheiro remetido a mim por engano rendeu uma lição. Descobri que pix enviado não tem retorno. O remetente só verá novamente a quantia remetida se aquele que recebeu (um desconhecido) tiver boa vontade em devolver. Fico com a impressão de que, eliminadas todas as etapas sólidas, os pagamentos ganham em agilidade, mas perdem em segurança. Imagino como ficará um mundo sem dinheiro físico, sem intermediários, só virtual. Caso dê encrenca, o sujeito terá de se queixar ao bispo, como se dizia antigamente. Ou aos novos papas tecnológicos.

INTERINO

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