24
de março de 2012 | N° 17018
NILSON
SOUZA
Como nossas
mães
Nem
é preciso fechar os olhos para ouvir Elis na voz de Maria Rita, pois seus
trejeitos, seu sorriso de arcada superior, seu olhar amendoado e levemente
estrábico, seu temperamento forte, tudo lembra a mãe, que ela fez questão de
não imitar ao longo da ainda breve e bem-sucedida carreira.
Trinta anos depois da morte da maior
cantora que este país já conheceu, Maria Rita supera a barreira emocional e faz
a mais bela homenagem que uma filha poderia fazer à mãe: assume a sua
identidade. Inspirado nas letras das músicas cantadas por Elis, que marcaram a
minha juventude e a de tantas gerações de brasileiros, associo-me à homenagem
nesta despretensiosa mistura de versos celebrizados pela Pimentinha do IAPI.
Canta, Maria Rita, que a vida passa. Mais
do que nunca, é preciso cantar o que é nosso. Como você bem sabe, qualquer
canto é menor do que a vida de qualquer pessoa. Essa menina, essa mulher, essa
senhora, em que esbarras toda hora no espelho casual, é feita de sombra e tanta
luz, de tanta lama e tanta cruz, que acha tudo natural.
Maria, Maria, cantar é um dom, uma certa
magia. É preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre. Quem
traz no corpo a marca mistura a dor e a alegria. Sabemos que carregas, feito
tatuagem, corações de mãe, arpões, sereias e serpentes, que te rabiscam o corpo,
mas não sentes. Forte és, mas não tem jeito. Hoje terás que chorar.
Chora, Maria Rita. No solo do Brasil,
choram Marias e Clarisses. O mar é uma gota, comparado ao pranto das mães e
filhas. Tristeza não tem fim. Felicidade, sim. Nosso mais-que-perfeito está
desfeito. A vida é como uma escola e a morte é o vestibular. Na parede da
memória, essa lembrança é o quadro que dói mais.
Mas
uma dor assim pungente não há de ser inutilmente. Quem traz na pele essa marca
possui a estranha mania de ter fé na vida. E a esperança equilibrista sabe que
o show de todo artista tem que continuar. Vou voltar, sei que ainda vou voltar,
para o meu lugar.
Obrigado, Maria Rita, por cantar neste
porto dos casais. Você que é feita de azul, você que é bonita demais, se você
tiver que apagar a luz, se você tiver que calar a voz, se você quiser encontrar
a paz, tenha somente a certeza dos amigos do peito e nada mais.