sábado, 16 de novembro de 2024


16 de Novembro de 2024
EXPLOSÕES NO STF

EXPLOSÕES NO STF

Moradores de Rio do Sul, onde vivia o homem que lançou bombas na Praça dos Três Poderes na noite de quarta-feira, confirmam que ele viveu um processo de radicalização política nos últimos tempos, mas alegam que sua conduta costumava ser pacífica. Grau de violência do ato surpreendeu a comunidade

A aposentada Maria Irlete Luiz, 68 anos, caminha pela calçada da Avenida Barão do Rio Branco, em Rio do Sul, Santa Catarina, com os cabelos desgrenhados e o rosto enfiado no peito para esconder o semblante abatido. Na sexta-feira, não conseguia entender como o irmão, Francisco Wanderley Luiz, 59 anos, lançara bombas contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e finalizara o ato de terrorismo explodindo a si mesmo menos de 48 horas antes.

Até então, apesar de manifestar opiniões políticas alinhadas à extrema direita, era visto como um sujeito tranquilo, simpático e de vida pacata.

- Estamos arrasados com toda essa situação. Jamais imaginamos que chegaria a um extremo desses - confidencia Maria Irlete a Zero Hora diante do terreno onde Luiz, conhecido na cidade como Tiu França, vivia antes de se instalar em Ceilândia e acertar os últimos detalhes do atentado que chocou o município de 72 mil habitantes no Alto Vale do Itajaí.

Entre amigos e vizinhos, há muitas hipóteses para tentar explicar a conversão de França ao radicalismo político. O sentimento é de que um conjunto de fatores o empurrou para a irracionalidade.

O empreendedor, bastante conhecido na cidade, já havia montado quatro danceterias de renome, mas todas acabaram fechando. Depois disso, sofreria outros reveses.

Recentemente, trabalhava como chaveiro no mesmo terreno onde morava em uma casa de madeiras desalinhadas às margens do Rio Itajaí. Sucessivas cheias que culminaram em uma grande enchente, em novembro do ano passado, provocaram perdas significativas e teriam ampliado a frustração de França - alimentada anteriormente por uma separação e por duas decepções políticas. O empreendedor se ressentia da derrota de Jair Bolsonaro na mais recente eleição presidencial e de seu próprio fracasso como candidato a vereador em 2020: somou apenas 98 votos.

- Depois da desilusão na política, mas principalmente depois das enchentes, ele foi ficando muito desanimado. E isso foi se agravando. Não vou dizer que foi só esse o motivo, mas foi agravando - complementa Maria Irlete.

Apesar disso, garante que o irmão jamais havia indicado propensão à violência, e exibia uma personalidade "tranquila e bem-humorada", sempre brincando com as pessoas com quem se encontrava.

Para o proprietário de uma barbearia das proximidades, Rodrigo Naist, França "pegou a onda do patriotismo".

- Mas ele apenas fez o mesmo que quase todo mundo na cidade, que é de direita. Foi a protestos contra o governo Lula, criticava a esquerda. Não indicava que faria algo violento - analisa Naist.

Boa convivência

Com as pessoas mais alinhadas à esquerda com quem convivia, como a comerciante Zélia Ferrari Giovanella, evitava discutir política. A dona do restaurante onde ele almoçava quase diariamente conta que se davam bem apesar das divergências ideológicas mantidas em silêncio.

- Ele vinha aqui e nunca falava de política. Ficava na dele. Eu percebia que tinha uma tristeza dentro dele, de que queria mudar as coisas, mas não de forma violenta - avalia Zélia.

Amigo de quase 40 anos, o professor de educação física Pedro Silva, 67 anos, afirma que sabia do envolvimento de França com política, mas ainda não conseguia entender como a relação se radicalizou em um período tão curto de tempo.

- Ele só podia estar fora do normal, porque quem conheceu ele acha inacreditável o que ele fez. Era um sujeito pacato. Ele cumprimentava todo mundo que passava - lamenta, com a mesma expressão de incredulidade da população de Rio do Sul. _

Embora França tenha concorrido a vereador pelo PL em 2020, a direção da sigla em Rio do Sul garante que ele não tinha atuação partidária, preferindo exercer a militância política de forma pessoal e por meio das redes sociais.

Presidente do PL em Rio do Sul, Milton Goetten afirma que nunca teve contato direto com França. O dirigente também não acredita que o clima político no município, caracterizado pelo amplo apoio à direita (Bolsonaro obteve 76,5% dos votos em 2022, contra 23,5% de Lula) tenha relação com a radicalização dele.

- Rio do Sul é uma cidade pacata. O que aconteceu não foi provocado pela divisão entre direita e esquerda, mas por problemas de ordem pessoal e familiar - opina Goetten.

O presidente do PL diz que não há atritos provocados por razão partidária no município e tampouco crê que o episódio em Brasília vá acirrar os ânimos. Alguns moradores de Rio do Sul que se assumem mais alinhados à esquerda, porém, contam uma versão um pouco diferente.

Irimar José da Silva, 62 anos, por exemplo, entende que há um clima de permanente tensão política na cidade, embora geralmente não resulte em violência explícita.

- Quem é mais de esquerda se encolhe, até evita falar de política. Eu até prefiro ficar em casa, nem saio muito. Antigamente, era possível se envolver em debates políticos, agora não se pode mais para não correr risco de causar uma briga - avalia Silva. _

Marcelo Gonzatto

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