Texto foi aprovado por líderes do bloco, que estão reunidos no Rio de Janeiro, e divulgado ontem à noite. Um dos obstáculos era a objeção da Argentina, que recuou. Comunicado também menciona as guerras na Ucrânia e Faixa de Gaza
Declaração final do G20 mantém pontos polêmicos
Após dias de impasse, os líderes do G20, que estão reunidos no Rio de Janeiro, aprovaram uma declaração final conjunta. Divulgado no início da noite de ontem, o texto manteve temas que causavam divergências entre os países.
A principal delas era sobre como abordar as guerras em curso na Ucrânia e no Oriente Médio. A saída para chegar a um consenso foi não fazer condenações nem à Rússia nem a Israel. Os países voltaram atrás, no entanto, na proposta inicial de não mencionar a palavra "guerra".
Os europeus pressionavam para incluir uma condenação mais dura à Rússia, com menção específica aos ataques à infraestrutura de energia ucraniana feitos por Moscou no domingo (leia na página ao lado).
Outra situação que adiou o acordo foi a dura resistência da Argentina a diversos trechos do texto. Caso não houvesse o aval de todos os países, a declaração conjunta seria inviabilizada, o que representaria um fracasso diplomático para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Ao final, porém, o presidente Javier Milei fez apenas objeções verbalmente. Com isso, temas como taxação de super-ricos, igualdade de gênero e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram incluídos.
Com 22 páginas e 85 parágrafos, o texto trata dos três temas prioritários da cúpula (combate à fome e à pobreza, transição energética e enfrentamento às mudanças climáticas e reforma da governança global), além de citar assuntos como a inteligência artificial (leia mais abaixo).
Aliança contra a fome
Outro recuo da Argentina ocorreu em relação à Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, principal tópico da presidência brasileira no G20. O país não constava na lista inicialmente divulgada pelo governo brasileiro e aderiu no último momento.
Em discurso na cúpula ontem, Lula anunciou a adesão de 82 países à aliança, cuja meta é acelerar a redução da pobreza e eliminar a fome até 2030.
Além dos países fundadores, a aliança terá 66 organismos internacionais, entre eles fundações como Gates e Rockfeller e bancos multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial. O presidente afirmou que este será o maior legado da cúpula deste ano.
- Compete aos que estão aqui em volta desta mesa a inadiável tarefa de acabar com essa chaga que envergonha a humanidade - disse Lula.
- O símbolo máximo na nossa tragédia coletiva é a fome e a pobreza. Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), em 2024, convivemos com um contingente de 733 milhões de pessoas ainda subnutridas - emendou.
A intenção é de que o mecanismo funcione por cinco anos, a partir de 2025, com um secretariado sediado na FAO, em Roma, na Itália.
Além de obter doações de recursos, uma das intenções da aliança é mobilizar fundos já existentes para programas que reconhecidamente funcionam, como os de transferência de renda condicionada, agricultura familiar, merenda escolar e cadastro único. Os países que desejarem receber dinheiro deverão se comprometer a adotar um dos programas.
Além disso, o BID anunciou que vai alocar até US$ 25 bilhões em financiamentos aos seus países-membros para a implementação de políticas e programas de combate à pobreza e à fome entre 2025 e 2030. _
Taxar super-ricos pode render US$ 250 bi, diz Lula
Em suas manifestações durante a cúpula do G20 ontem, Lula citou alguns dos temas que causaram mais polêmica entre as delegações. O presidente criticou as guerras em curso no mundo e defendeu a taxação de super-ricos e a reforma da governança global.
Segundo ele, a tributação sobre pessoas com patrimônio ultraelevado pode servir para financiar ações de combate à desigualdade e de enfrentamento a questões ambientais.
- Uma taxação de 2% sobre o patrimônio de indivíduos super- ricos poderia gerar recursos da ordem de US$ 250 bilhões por ano para serem investidos no enfrentamento dos desafios sociais e ambientais do nosso tempo - disse.
Em relação aos conflitos, Lula disse que o "mundo está pior" em comparação a 2008, quando houve a primeira reunião do G20, mas não citou diretamente a Ucrânia ou a Faixa de Gaza:
- Temos o maior número de conflitos armados desde a Segunda Guerra Mundial e a maior quantidade de deslocamentos forçados já registrada.
O presidente ainda afirmou que a reforma das instituições internacionais é essencial para evitar uma nova crise mundial.
- Não é preciso esperar uma nova guerra mundial ou um colapso econômico para promover as transformações de que a ordem internacional necessita - alegou. _
Como ficou
Confira alguns dos principais pontos da declaração aprovada ontem pelos países do G20
Igualdade de gênero: cita "total compromisso com a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas".
Taxação de super-ricos: afirma que a soberania fiscal deve ser respeitada, mas destaca que os países vão buscar garantir que indivíduos de altíssima renda sejam "efetivamente taxados".
Guerras: dá mais ênfase ao conflito no Oriente Médio do que ao na Ucrânia. O texto alega "profunda preocupação" com a situação na Faixa de Gaza e com a escalada dos confrontos no Líbano e defende a solução de dois Estados.
Clima: renova o compromisso de zerar as emissões líquidas globais de gases de efeito estufa até metade do século e triplicar a capacidade de energia renovável até 2030.
Governança global: defende reforma do Conselho de Segurança da ONU, do FMI e do Banco Mundial.
Rússia reage à decisão dos EUA sobre mísseis
O governo russo reagiu ontem à decisão do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de autorizar a Ucrânia a atacar a Rússia com mísseis de longo alcance norte-americanos.
Segundo informações dos jornais The New York Times e The Washington Post e da agência AFP, a decisão de Biden foi tomada como resposta ao envio de tropas norte-coreanas para ajudar Moscou. Segundo Kiev, quase 11 mil soldados norte-coreanos estão na Rússia e começaram a combater na região de Kursk, parcialmente controlada pelas tropas ucranianas.
A Ucrânia pedia há muito tempo autorização para usar armas ocidentais de longo alcance para atacar bases a partir das quais a Rússia lança seus bombardeios e também para contra-atacar o avanço das tropas russas no leste. Os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), no entanto, expressavam relutância em aceitar o pedido devido ao temor de uma escalada no conflito iniciado em 2021.
Biden mudou de posição às vésperas de deixar a Casa Branca e da posse do republicano Donald Trump, crítico ferrenho da ajuda americana à Ucrânia.
Os mísseis devem ser usados inicialmente na região de Kursk.
O presidente Volodimir Zelensky, porém, disse que aguardaria o anúncio oficial da Casa Branca.
"Lenha na fogueira"
A Rússia afirmou que os EUA jogam "mais lenha na fogueira" com a decisão. Se for confirmada por Washington, a autorização levaria a "uma situação fundamentalmente nova quanto ao envolvimento dos EUA neste conflito", alertou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.
A decisão foi revelada no domingo, poucas horas após um bombardeio russo em larga escala contra instalações do setor de energia da Ucrânia. Os ataques provocaram ao menos 11 mortes e obrigaram o país a anunciar cortes de energia ontem, poucas semanas antes do início do inverno no hemisfério norte.
O bombardeio russo de domingo gerou uma nova onda de condenações na comunidade internacional ao governo do presidente Vladimir Putin. _
Confira alguns destaques
1 Biden evita rampa
Na chegada ao Museu de Arte Moderna (MAM), todos os líderes precisavam percorrer um tapete vermelho com soldados dos dois lados e subir uma rampa para serem recebidos por Lula e pela primeira-dama, Rosângela da Silva. O presidente dos EUA, Joe Biden, foi o único que fez um caminho alternativo. Após descer do carro, Biden subiu até o primeiro andar em um elevador.
Já o presidente da China, Xi Jinping, foi o único que subiu a rampa com um segurança. Os demais estavam sozinhos ou com seus cônjuges.
2 Protesto
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) aproveitou a presença das delegações do G20 no Rio para realizar um ato com o objetivo de chamar a atenção para as mudanças climáticas.
Imagens de alguns líderes mundiais, que representam os países mais poluidores do planeta (China, EUA, Índia, União Europeia, Rússia e Japão), foram expostas parcialmente submersas em frente ao Pão de Açúcar.
3 Macron passeia em Copacabana
Na noite de domingo, véspera da abertura da cúpula, o presidente da França, Emmanuel Macron, foi visto caminhando pela orla de Copacabana. Ele estava de terno, cercado por seguranças e acompanhado da esposa, Brigitte. A presença de Macron foi registrada por várias pessoas que passavam pelo local.
4 Foto com ausências
Os líderes do G20 posaram para uma foto com o Pão de Açúcar ao fundo, para promover a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Causaram mal-estar, no entanto, as ausências do presidente dos EUA, Joe Biden, e dos primeiros-ministros do Canadá, Justin Trudeau, e da Itália, Giorgia Meloni. Houve especulações de que o motivo seria a presença do chanceler russo, Serguei Lavrov. Eles chegaram ao local, no entanto, minutos após a foto.
5 Recepção calorosa
Uma recepção popular organizada aguardou o presidente da China, Xi Jinping, na sua chegada ao Rio, na noite de domingo. Integrantes da comunidade chinesa no Brasil formaram um corredor, com bandeiras e faixas, da saída do Túnel Rebouças até o hotel em que Xi se hospedou, em São Conrado.
Reconstrução do RS entra em acordo firmado por BNDES e banco da Ásia
Paulo Rocha - Direto do Rio de Janeiro
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Asian Infrastructure Investment Bank (AIIB) assinaram um memorando visando disponibilizar R$ 16,7 bilhões do banco asiático para investimentos no Brasil. O acordo foi fechado pouco antes da abertura da cúpula do G20.
O objetivo do memorando é complementar o financiamento de projetos alinhados ao Fundo Clima e ao Novo PAC. No caso do Novo PAC, os projetos devem promover a integração econômica entre Brasil e Ásia nos setores de infraestrutura de transporte, conectividade energética e digital, água e saneamento.
As duas instituições também anunciaram que vão colaborar nos esforços para financiar projetos de reconstrução do Rio Grande do Sul.
Outro objetivo é apoiar os projetos de desenvolvimento urbano e infraestrutura social para a realização da COP30, em Belém (PA), no ano que vem. A cooperação tem ainda o objetivo de mobilizar capital privado para projetos de infraestrutura.
O AIIB é um banco multilateral focado no desenvolvimento da Ásia, com sede em Pequim, na China, mas que conta com membros de todo o mundo, incluindo o Brasil.
A assinatura ocorreu na Marina da Glória e contou com a presença do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, do presidente do AIIB, Jin Liqun, do vice-presidente do AIIB, Konstantin Limitovskiy, e do diretor de Planejamento e Relações Institucionais do banco, Nelson Barbosa.