sexta-feira, 5 de dezembro de 2025



05 de Dezembro de 2025
EM FOCO -  Carlos Rollsing

Decisão de Gilmar eleva tensão entre Congresso e STF

A decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender artigos da Lei do Impeachment, jogou querosene na fogueira das tensões institucionais, em especial com o Poder Legislativo.

No Senado e na Câmara, o ato de Gilmar colheu críticas. Houve forte reação do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou projeto de lei que restringe decisões monocráticas de ministros contra leis aprovadas pelo Congresso.

No modelo que teve itens suspensos, qualquer cidadão pode apresentar pedido de impeachment contra ministros e cabe ao Senado processar e julgar a denúncia. Pela decisão de Gilmar, torna-se atribuição exclusiva do procurador-geral da República (PGR) a apresentação de denúncia. Isso deixa o Senado a reboque da PGR, em uma alegada redução de poderes, além de alijar cidadãos e os próprios parlamentares da apresentação de requerimentos de cassação.

É o ponto mais nevrálgico da crise e que enseja críticas por suposta afronta à Constituição.

- Concentrar a iniciativa do impeachment nas mãos do PGR retira qualquer possibilidade de alguém do povo exercer um dos papéis fundamentais da cidadania, de provocar o exame da legalidade de atuação de uma autoridade - diz o advogado Andrei Zenkner Schmidt, com atuação no STF.

Extrapolação de papel

Uma contestação que vem desde outros tempos contra o STF voltou a ganhar força: a de que, em determinados julgamentos, ministros modificam itens de leis vigentes.

Isso extrapolaria a atribuição do magistrado de interpretar a norma, ingressando na seara de reescrevê-la, o que é um papel do legislador.

- Caso prevaleça a nova regra, o Senado terá de demandar a PGR para processar o ministro do STF. Perderia a competência privativa. Se aceitarmos a ideia de que o Judiciário pode alterar a Constituição, teremos uma juristocracia no Brasil - afirma Fernando Schüler, cientista político e professor do Insper.

Na mesma decisão, Gilmar estabeleceu a exigência de dois terços dos votos dos senadores para a abertura do processo contra os ministros. Atualmente, a exigência é de maioria simples. O magistrado também entendeu que não é possível instaurar procedimento por discordar do mérito das decisões de um magistrado.

Schmidt considera plausível a impossibilidade de impeachment por discordância quanto ao mérito.

- Isso é importante para a independência dos poderes. Uma decisão do STF, mesmo que desaponte a população, não pode justificar impeachment. Seria o chamado crime de hermenêutica - diz Schmidt.

Schüler tem visão oposta e cita a necessidade de o STF manter-se sob controle do Senado, dentro do sistema de freios e contrapesos da República.

- O mérito de uma decisão do ministro pode ferir a Constituição. Por que isso não poderia configurar um crime de responsabilidade? Nem tudo se resume à mera divergência interpretativa - diz. _

Também ontem, Gilmar negou um pedido apresentado pela Advocacia-Geral da União (AGU) para que recuasse da decisão. _

Nova correlação de forças amplia disputa política

A decisão de Gilmar acontece em contexto político de contínua pressão das bancadas bolsonaristas pelo impeachment de ministros. A eleição de 2026 poderá ampliar esse risco, diante da hipótese de crescimento da bancada anti-STF.

Somente o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo da tentativa de golpe de Estado, é alvo de 41 pedidos de impeachment, apresentados por cidadãos comuns e por parlamentares.

- Existe uma questão política que não podemos negar. O bolsonarismo está em campanha contra o STF e tem o objetivo de punir alguns ministros. Ao mesmo tempo, isso não dá ao STF a prerrogativa de reescrever a Lei do Impeachment - comenta Leonardo Avritzer, professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Para ele, "o ideal" seria a decisão de Gilmar "forçar" a revisão da Lei do Impeachment no foro adequado, o Congresso. Isso permitiria modernizar a lei com a acolhida de pelo menos parte da decisão liminar, conferindo maior equilíbrio para o mecanismo.

Já Schüler avalia que o Senado é uma casa política, aspecto inerente à democracia e que não justificaria "blindagens":

- Um contexto político não pode induzir uma mudança na estrutura da República com impacto de longo prazo. Seria aceitar a lógica de que os fins justificam os meios, o que não é republicano.

Busca por equilíbrio

Existe uma nova correlação de forças no Brasil, entende Avritzer. O Executivo historicamente é o mais forte por ter amplas prerrogativas, mas o Judiciário e Legislativo se fortaleceram nos últimos anos. A magistratura foi alavancada em julgamentos de caráter histórico, desde a Lava-Jato até as normas da pandemia e a tentativa de golpe. E o Congresso galgou um protagonismo inédito com a ampliação da fatia das emendas ao orçamento no governo Bolsonaro.

- O objetivo, pelo menos para o bem da democracia, é os poderes encontrarem um novo equilíbrio, e não ficarem disputando entre si para ver quem é o mais forte - diz Avritzer. 

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