sábado, 6 de dezembro de 2025


06 de Dezembro de 2025
J.J. CAMARGO

A credencial de permanência só será concedida aos que preservaram intacta a autocrítica e, desapegados de compromissos e obrigações, ainda sejam capazes de pensar por conta própria. Se o foco central do relato é a delação, a análise das características pessoais dos delatores exige uma independência de sentimentos que não existirá se o leitor estiver emocionalmente comprometido ou, pior ainda, na condição degradante de materialmente devedor.

A queixa habitual de que foram abandonados pelos seus superiores em um momento crítico de suas vidas deve ser ignorada, porque serve menos como justificativa e mais como evidência de fraqueza ou covardia. A traição deliberada dos antigos parceiros, que ingenuamente lhes confiaram segredos em nome de uma amizade superestimada, já seria desprezível, mesmo antes do descaramento de assumir a intenção explícita de salvar a própria pele.

A política brasileira, com a sua inesgotável capacidade de parir tipos nefastos, se excedeu ao produzir, nas últimas décadas, duas dessas tristes figuras, oriundas de facções diferentes, mas com a mesma pobreza de caráter. Nos dois casos, o estrago inicial foi devastador, ainda que os desfechos a longo prazo tenham sido diferentes, por conta dessa característica da justiça em países subdesenvolvidos: não há entre os nossos juízes o constrangimento de tratar a Carta Magna como uma extensão de sua própria vontade, adequando-a, monocraticamente, à conveniência momentânea.

O caso mais antigo envolveu o delator em um esquema de corrupção sem precedentes na bem ranqueada política brasileira, e, segundo seus adversários propagaram, tratou-se do maior escândalo envolvendo um governo ao longo da história. Provavelmente houve algum exagero, dada a nossa obsessão de sermos campeões mundiais em alguma coisa, especialmente depois que o orgulho pelo nosso futebol minguou.

De qualquer maneira, houve devolução dos milhões retidos, e recentemente foi replicada uma prática inusitada, introduzida no nosso país com grande sucesso: a descondenação, com anulação de todas as penas. E por quê? Porque sim. No caso mais recente, as acusações eram originais e sem denúncia de roubo, como já estávamos acostumados, não havia o que devolver. E a pena foi amenizada correspondendo ao prometido durante os interrogatórios plenos de humanismo e enriquecida por um item jocoso: o condenado não pode manter contato com os delatados! E a troco de quê manteria?

A semelhança nos dois casos fica por conta da verdadeira pena: o ostracismo, espontaneamente imposto pela vergonha da traição. E com seu algoz indefectível: o espelho. _

J.J. CAMARGO

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