sábado, 13 de agosto de 2022


13 DE AGOSTO DE 2022
FRANCISCO MARSHALL

AOS INIMIGOS DA DEMOCRACIA

Uma carta em defesa da democracia e do Estado de direito foi remetida pela sociedade civil organizada brasileira. A missiva tem muitos remetentes e, embora não o declare, dirige-se a pequeno grupo de destinatários, liderado pela mais alta autoridade eleita do Brasil, e que ora conspira contra o regime da liberdade e da soberania popular. Os atuais ataques à democracia são precedidos por extenso e gravíssimo quadro de delitos em todas as esferas do crime, em sua maioria ainda carentes de apuração e consequências penais. O destinatário da carta não compreende seu teor, como aliás não compreende o mundo em que vive e valores elementares da civilização. Que mais faremos, contra os inimigos da democracia, além das notas de repúdio e desta carta histórica?

A democracia ateniense, implantada em 508 a.C. com o nome de isonomia, provou-se eficiente e garantiu o pleno florescimento daquela pólis. Os frutos da era clássica, nas artes e ciências, persistem como fundamentos, e aquela experiência política segue sendo a principal referência para os regimes desenvolvidos, ainda mais que hoje podemos sanar alguns de seus cacoetes, como as restrições à participação feminina. As democracias modernas resistem em praticar fundamentos da isonomia antiga, como a política de sorteios e a intensa rotatividade na maioria dos cargos públicos. Resistimos também em realizar justiça popular e, sobretudo, relaxamos na prevenção contra os que ameaçam a democracia; lá, os que desejavam a tirania eram punidos com o ostracismo, um exílio de 10 anos, suficientes para arrefecer ânimos conspiradores. Ainda há o que aprender com a democracia antiga.

Em que pese o sucesso da isonomia em Atenas, persistiram por décadas o rancor de um grupo de aristocratas contra o regime popular e muitos ataques, que culminaram com um golpe de Estado, realizado em 9 de junho de 411 a.C.. Mais do que em cartas, a defesa da democracia havia brilhado nas obras de Ésquilo, Sófocles e Eurípides, na oratória de Péricles e em muitos episódios de orgulho cívico. A crise política e financeira vivida durante a Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), agravada após a expedição à Sicília (415-413 a.C.), deu aos inimigos da democracia o cenário ideal para conspirar e tomar o poder. 

O golpe foi precedido por reforma constitucional, restringindo a soberania popular e instaurando um conselho de 400; houve apoio externo, do rei persa Dario II, que apoiou ao general ateniense desertor Alcibíades e seus comparsas, generais desafetos da democracia. O golpe durou pouco, mas foi violentíssimo, levando à execução sumária de milhares de cidadãos atenienses. Superado o golpe, puniram-se os autores, com rigor.

Aqui, generais e um ex-oficial de baixa patente e péssimo retrospecto tramam abertamente contra a democracia, atacando a legitimidade do voto e cobiçando prerrogativas de controle que não lhes cabem. A sociedade está dizendo não, com todas as letras, e reafirmando a legitimidade desse regime. Resta-nos punir com rigor esses conspiradores, quando restaurarmos a democracia, em breve, com voto, liberdade e festa.

FRANCISCO MARSHALL

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