segunda-feira, 29 de agosto de 2022


29 DE AGOSTO DE 2022
+ ECONOMIA

Para pegar o bonde da economia verde

A descarbonização da economia até 2050 é prioridade em países, que, juntos, represen-tam mais de 90% do PIB global. O mercado voluntário de carbono, por sua vez, é um dos eixos de solução. Tem as funções de mitigar emissões de gases de efeito estufa e estruturar modelos de créditos para capturar o que ainda não pode ser abatido no processo.

No Brasil, onde o cavalo parece passar encilhado, sem chamar a devida atenção das políticas públicas e de regulações, um grupo de grandes empresas e organizações uniu forças para destravar esse mercado. São elas: Amaggi, Auren, B3, Bayer, BNDES, CBA, Dow, Natura, Rabobank, Raízen, Vale, Votorantim e Votorantim Cimentos. A meta é contribuir com o cenário global de créditos de carbono, também chamados de offsets (leia na entrevista ao lado).

Nada mais "natural", tendo em vista que, de acordo com dados da McKinsey & Company, que coordena os conteúdos gerados a partir da iniciativa, em um mercado que movimenta US$ 15 bilhões (deverá chegar a US$ 100 bilhões em 2030) só 15% da demanda é doméstica. O restante vem da exportação dos offsets às empresas.

A questão, alerta o sócio e líder da McKinsey & Company, Henrique Ceotto, é que, hoje, os créditos gerados por aqui são os de conservação e os de abatimento de aterros energéticos, quando o real interesse estaria na restauração dos biomas.

Para se ter uma ideia, o potencial nacional chega a 1,9 giga toneladas (GT) de crédito offset por ano - 1,5 GT, ou 80%, originado no reflorestamento, outros 10% na conservação e a sobra na agricultura e aterros. Apenas no agronegócio, há 160 GT de potencial não explorado, muito mais do que em toda a Europa.

- Há grande oportunidade de criar um mercado e ajudar as metas de descarbonização do mundo e a endereçar a mudança climática - resume.

Diante dos números, fica fácil perceber que a temática deixou de ser "papo de ambientalista" e se tornou crucial para a evolução da economia "verde" global. Com tamanhas possibilidades, talvez, o Brasil seja "salvo" pelo próprio potencial. Mas, a julgar pelo interesse da pauta no debate público, até agora, o bonde da história parece correr livre sob os olhos desatentos das políticas e regulações do país. A boa notícia: ainda há tempo de conseguir um lugar para sentar-se à janela.

RESPOSTAS CAPITAIS

Henrique Ceotto Sócio e líder da McKinsey & Company

"País precisa entender seu papel ambiental"

Sócio e líder da prática de sustentabilidade da McKinsey & Company, Henrique Ceotto comenta o que a iniciativa que junta grandes empresas para destravar o mercado de carbono no país pretende entregar nos próximos meses para mitigar barreiras e gerar mecanismos de ativação de oferta e demanda.

Qual é a proposta?

Há dois tipos de mercado de carbono. O regulado, que é o tema de um decreto que passou pelo governo e o voluntário, que é o que as companhias que se comprometeram com a descarbonização usam para acelerar esse processo e até chegar à neutralidade antes com os créditos. O nosso trabalho é focado nesses mecanismos voluntários em que o Brasil é o país que tem o maior potencial de geração desses créditos, também chamados de offsets no mundo. 

Se avaliarmos só as soluções naturais, como reflorestamento, carbono em solo na agricultura, conversão de metano para gás carbônico (gerando energia), o país tem 15% do potencial global, mas explora menos de 1% disso. É um mercado muito pequeno, que gerava em torno de US$ 200 milhões há três anos. No ano passado, atingiu quase US$ 2 bilhões e a projeção é que represente até US$ 100 bilhões em 2030, multiplicando-se em 2050. É uma grande oportunidade para o país e a jornada até o net zero (compromisso de reduzir as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera).

E os créditos?

Os offsets ajudam a manter estoques de carbono na atmosfera dentro dos limites do Acordo de Paris (discutido na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas - COP21 - em 2015 por 195 países para reduzir o aquecimento global). O objetivo é sempre a redução das emissões e, só no final, utilizar esses offsets. O objetivo da iniciativa é destravar esse potencial brasileiro e criar mecanismos para que isso ocorra. 

Em um paralelo com o mercado de energia renovável, percebemos que o crescimento está vinculado a legislações adequadas, estrutura de financiamento de projetos, como a inaugurada pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) que permitia aportes em um ciclo de investimento longo, em que primeiro se faz a infraestrutura e a receita só começa a ser gerada em sete anos. Tem-se os contratos futuros para definição de preços que retiram os riscos comerciais, ferramentas de liquidez para o mercado livre, uma empresa de economia mista (CCEE) que o regula. Ou seja, para criar um mercado de carbono no tamanho que estamos projetando, é preciso pensar nesses mecanismos. É nisso que a iniciativa foca.

Quando estará em prática?

A ideia é tornar público esses mecanismos em alguns meses até para receber críticas. Tomamos o cuidado de interagir com os entes do setor, mas, no final, é preciso abrir para consulta e pegar ainda mais contribuições. Isso deverá gerar mais ajustes do que alterações estruturais, mas a ideia é que ocorra ainda este ano. É isso que vai escalar o mercado, na prática. O mercado já existe, mas o ano que vem será muito importante. Gostaríamos que parte dos mecanismos já estivesse ativa em 2023, mas há um processo para isso. O Brasil precisa exercer o papel e entender a grande oportunidade de criar um mercado e ajudar metas de descarbonização.

RAFAEL VIGNA INTERINO

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