segunda-feira, 24 de setembro de 2018


24 DE SETEMBRO DE 2018
L.F. VERISSIMO

Rótulo


Um conhecido lobista de Brasília tinha fama de grande anfitrião, entre outros motivos porque tinha sempre uma garrafa cheia de Chivas Regal para receber os amigos. Nem todos os que frequentavam seu apartamento podiam comprar um uísque bom como o Chivas Regal e recebiam cada nova garrafa cheia com "obas" de satisfação. Que uísque. Que anfitrião. Que amigo!

Deduziram que o anfitrião tinha um estoque de Chivas Regal. Era isso?

- Não, não - explicou o anfitrião. - Tenho um fornecedor. Compro regularmente.

"Gastando uma fortuna", foi o que passou pela cabeça de todos. Além de generoso, o anfitrião era um homem de posses e, possivelmente, de influência, talvez um dos pró-homens da República. Quem tinha sempre uma garrafa cheia de Chivas Regal para servir aos seus convidados mostrava mais do que bom gosto. Chivas Regal era poder. Chivas Regal era a marca de um espírito nobre. E a admiração pelo anfitrião só aumentava.

Até que um dia.

Um dia, um dos convidados, depois do primeiro gole, decretou: "Isso não é Chivas nem aqui, nem no Paraguai". E disse o que era: "Old Cock".

Escândalo. Todos sabiam que "Old Cock" tinha a fama de ser usado na limpeza de motores e de dar azia terminal.

Descobriu-se então que o anfitrião perfeito só tinha uma garrafa de Chivas Regal, que enchia de "Old Cock" sempre que o uísque acabava.

Hoje o anfitrião continua como um lobista de sucesso em Brasília, e continua servindo "Old Cock" em garrafa de Chivas. A maioria dos seus convivas não sabe distinguir um do outro. E na política, mais do que em qualquer outra atividade humana, o importante é a aparência. O moralista pode ser um sem-vergonha disfarçado, o honesto apenas um corrupto mal cantado. Basta parecerem que são o que não são. O que vale é o rótulo, não o conteúdo.

L.F. VERISSIMO