Ventos de outubro
Depois deste tenebroso inverno a desabrochante primavera, as flores dos ipês e os ventos de outubro. Rinites, sinusites, otites, artrites e outras ites ficam para trás. Para trás os ventos, as chuvas, os frios, as doenças, os hospitais e os velórios de mais um inverno gaudério. Daqui a pouco a eterna Feira do Livro e os duzentos tons caramelos e chocolates nas peles dos gaúchos.
Mais três contas de luz, de caseiro e de condomínio e o veraneio nas nossas paradisíacas praias, com a guia gorda do IPTU dos municípios litorâneos e o convívio com os amigos, que é o ouro da estação. Falo sério, ocupo este importante espaço público e cumpro o dever social de jornalista para tratar das tumultuadas, altamente divididas e estressantes eleições. Quinze dias de campanha ainda. Melhor esperar para decidir o voto, que antigamente era secreto e que ainda pode ser. Antigamente se dizia que de urna, barriga de grávida e cabeça de juiz não se sabia o que esperar.
De barriga de grávida a gente prevê o futuro. Das urnas e das cabeças dos magistrados é difícil. Dizem por aí que pesquisas eleitorais e pareceres jurídicos são a favor de quem paga a conta. Será? A urna e boca da urna são as pesquisas mais confiáveis, nesse País onde até os passados remotos e recentes são imprevisíveis como as previsões para o futuro dos videntes e dos profissionais que dizem como e onde viveremos nos tempos dos Jetsons, que ainda não chegaram.
Antes os políticos e partidos davam facadas (ainda dão, até via o terrível financiamento público) nos eleitores e nos cofres. Hoje tem eleitor dando facada em candidato. Por enquanto o vencedor dos debates sem grandes números ou propostas é o sono reparador e a vencedora das eleições, por ora, é a absoluta ausência de tédio.
Nem precisa pesquisa comprada para saber disso. Democracia nunca foi lá muito simples, desde as pracinhas gregas, mas será que os brasileiros nunca vão entender que "se a gente não se Raoni, a gente se Sting"? Entre a direita, a esquerda e o centro, a maioria prefere dar uma boiada para não sair da briga do que dar um boi para não começá-la.
Não está fácil para ninguém. Se a pessoa fica quieta, é murão, habitante da muralha da China, onde iam antigos pássaros tropicais de bicos enormes. Se a criatura eleitora apoia A, B, C ou Zebra e declara, encrenca com amigos, inimigos, parentes, conhecidos e desconhecidos. Se não vota, anula ou vota em branco, é antidemocrático, não quer jogar o jogo, onde, pelo visto, vão ganhar os mesmos jogadores conhecidos da torcida. Você decide. Ou não. Será que já decidiram por você? Fique esperto.
A esperança é a última que morre. Ela é um urubu pintado de verde, como disse o Mario Quintana, que em versos falou nada entender da questão social, que apenas fazia parte dela. Poetas sabem mais, são a antena da raça. O povo, sábio, diz que em casa sem pão, todos brigam e ninguém tem razão. Quando a economia está mal, brigas e divisões aumentam. Tomara que nossa economia se descole de vez da política e que micro, pequeno e médio empresários sejam incentivados. Eles fornecem uns 90% dos empregos.
A propósito...
Pelo visto, mais uma vez, nas eleições, não conseguiremos nos unir ou formar uma maioria razoável e, mais uma vez, as urnas vão revelar divisões e problemas futuros. Pelo menos a gente poderia baixar um pouco a bola nas redes (anti)sociais, nas casas e nos bares e tentar respeitar os que pensam diferente. Ao menos a gente pode sonhar em ver, a partir de janeiro, uma oposição menos deletéria, um parlamento mais patriota, uma justiça republicana e uma imprensa mais imparcial.
Quem perder, quem ganhar, deve pensar que estamos juntos nessa mesma canoa furada e que não adianta ficar dando tiros nos próprios pés ou nos pés dos outros. A canoa já tem furos o bastante.
Deus, Nossa Senhora Aparecida e todos os santos nos ajudem, que uns andam dizendo que estávamos melhor quando estávamos péssimos.
Deus, Nossa Senhora Aparecida e todos os santos nos ajudem, que uns andam dizendo que estávamos melhor quando estávamos péssimos.
Jaime Cimenti
Jornal do Comércio (https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/colunas/livros/2018/09/649880-da-para-salvar-a-democracia.html