SAMUEL PESSÔA
E os juros?
As políticas de acumular reservas
e turbinar o BNDES têm custos e ajudam o país a gastar muito com juros
A forte elevação do gasto da
União como proporção do PIB de 1999 até 2013 é consequência das regras de
elegibilidade a diversos programas sociais e ao benefício previdenciário, além
da política de valorização do salário mínimo.
Esse foi o tema da minha coluna
anterior, em que analisei a despesa do governo federal, excluindo
transferências para Estados e municípios e pagamento de juros.
Não tratei dos gastos com
pagamento de juros. Tratar desse tema é relativamente difícil em razão da
pesada carga ideológica em torno dele. Por isso, são comuns erros primários na
contabilização desses gastos, como apontei na coluna de 21 de julho do ano
passado.
Naquela oportunidade, mostrei que
os gastos com pagamento de juros nominais têm nos últimos anos se mantido na
casa de 5% do PIB anuais e que os gastos com juros reais têm rodado a 3% do
PIB. Valores bem menores do que os mencionados pelas pessoas que acham que reduzir
a conta de juros será a grande panaceia dos nossos problemas fiscais.
Para termos uma noção dos gastos
da União com juros, é útil computar a taxa média de juros pagos no serviço da
dívida pública. Dado que o gasto tem rodado a 5% do PIB por ano e que a dívida
líquida é da ordem de 35% do PIB, a taxa média de juros que incide sobre a
dívida é da ordem de 14% ao ano! Para obter esse resultado, basta dividir 5 por
35 e multiplicar por 100.
Na verdade, nos últimos meses
essa taxa implícita de serviço da dívida pública aumentou para 16%. Se a taxa
Selic encontra-se em 10,50% ao ano, por que motivo o governo paga 14% ou 16%?
Dois são os motivos que explicam
os pontos percentuais adicionais no juro médio pago pelo governo, quando
comparado com a taxa básica de juros.
Primeiro, há títulos da dívida
pública de longo prazo, que têm juros mais altos do que os dos papéis curtos.
Isso ocorre porque os títulos longos pagam prêmios maiores de duração e de
risco.
O segundo motivo para a taxa paga
pelo Tesouro Nacional no serviço de sua dívida ser substancialmente maior do
que os juros básicos é que a dívida bruta é muito maior do que a dívida
líquida. Isso ocorre por duas razões.
Primeiro, dado que o setor
público não tem poupança, para acumular reservas sem aumentar a quantidade de
dinheiro em circulação, o que pressionaria a inflação, o Banco Central é
obrigado a emitir dívida interna para "enxugar" o aumento de dinheiro
que ocorre quando ele compra as reservas cambiais. Ou seja, o BC compra divisas
pagando com dinheiro e, em seguida, recompra o dinheiro pagando com dívida
pública.
O segundo motivo para a dívida
bruta ser maior do que a líquida é que o Tesouro emprestou dinheiro aos bancos
públicos, especialmente para o BNDES.
A principal razão dessa política
é fazer com que o BNDES empreste mais para as empresas. Dado que o setor
público não tem poupança para financiar os bancos públicos, precisa emitir
dívida para captar esses recursos no setor privado.
O problema é que a taxa de juros
que o BNDES paga ao Tesouro por esses empréstimos é muito mais baixa do que a
taxa que o Tesouro paga ao setor privado. Analogamente, a taxa de juros pela
qual o Tesouro brasileiro é remunerado pelo Tesouro americano pelo carregamento
das reservas internacionais (a maior parte das quais está em títulos públicos
dos EUA) é muito mais baixa do que os juros que nosso Tesouro paga ao setor
privado nacional.
Para termos uma ideia dos
volumes, os créditos do Tesouro contra os bancos públicos estão na casa de 10%
do PIB, e as reservas internacionais, na casa de 20% do PIB. Para uma dívida
líquida de 35% do PIB, segue dívida bruta de 65%.
A remuneração que o Tesouro
recebe pelas reservas e crédito aos bancos públicos é aproximadamente cinco
pontos percentuais abaixo da remuneração que ele paga nos seus passivos. Logo,
o custo de carregamento dessas duas políticas é de 1,5% do PIB. Ele compõe o
gasto de 5% do PIB em juros.
Em outras palavras, as políticas
de acumular reservas e turbinar a atuação do BNDES têm custos, que não são
provocados simplesmente porque o juro no Brasil é alto, mas sim porque o
governo paga mais para captar recursos do que para aplicá-los naquelas funções.
SAMUEL PESSÔA é doutor
em economia e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.
Escreve aos domingos nesta coluna.