sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Jaime Cimenti

Ele se acha

Ele se acha. Se acha, imodestamente, pai de Deus ou, no mínimo, o melhor presente de Deus para a  humanidade. Tipo no título e nos versos da famosa canção celebrizada por Carly Simon, ele é muito, muito vaidoso e entra numa festa como se estivesse entrando no iate do dono do maior poço de petróleo do planeta. Ele se acha. Seu ego não cabe no oceano Pacífico, e ele não se enxerga. Ou só se enxerga no baita espelho do mar, o que dá no mesmo.

Ele provavelmente não vai ler esta modesta crônica, mas se, por acaso, botar os olhos nela, vai ter certeza que o assunto é ele. É tudo com ele. Ele é tudo. Quem mais poderia ser? Ele é o assunto do dia, da noite, das semanas, dos meses e dos anos. Ele acha que vai ser o assunto dos séculos e que a revista Time vai botá-lo na capa como o homem dos três milênios, acima de Jesus Cristo e São Francisco de Assis.

Ele foi feito para ser amado, odiado, falado, comentado, xingado, elogiado, interpretado, fotografado, criticado,  feito até para causar indiferença em alguns poucos pobres-coitados desconectados. Ele se acha o caminho, a verdade, a luz, o sol, a lua e as estrelas. No seu dicionário, a palavra limite dançou faz séculos. Ele acha que nem o céu é limite para ele. No fundo, lá na última hora do domingo de chuva, ele sabe que é um anjo de uma asa só, que precisa dos outros para voar. Ele sabe bem que é os outros, que, mesmo sendo o protagonista, não aguentaria uma plateia vazia.

Ele sabe que, no final, junto com os peões, os bispos, os cavalos, as torres, os reis e as rainhas, todos vão para a mesma caixa. Ele sabe, ele até diz isso, mas, no fundo, continua se achando, forte, frágil, inseguro e cheio de dúvidas, como quase todo mundo. Mas ele precisa se achar, para que os outros digam que ele se acha e falem bem e mal dele em Brasília, no Rio de Janeiro, em São Paulo, na  Padre Chagas, no Lindóia, no Parque Germânia, na Rua da Praia, no Parque dos Maias, no Humaitá e em todos os lugares do Rio Grande do Sul, do Brasil e do mundo.

Ele não cabe em si e muito menos no universo. Ele acha os portenhos humildes demais. Ele sabe de sua missão divina, é consciente do seu papel  fundamental no teatro da história do mundo e que precisa continuar se achando, para não ficar perdido em meio às areias e à pátina do tempo. Se encontrá-lo, diga que o acha assim ou assado, que ele é muito  mais do que máximo, que ele dá vida a muitas vidas e conversas.


Diga que gosta muito de Deus, o filho querido dele, que nos legou isso tudo. Diga que ele existe, sempre existiu e sempre  existirá, como as pedras.