segunda-feira, 3 de setembro de 2018


03 DE SETEMBRO DE 2018

L. F. VERISSIMO

Outra carta da Dorinha


Recebo outra carta da ravissante Dora Avante. Como se sabe, Dorinha diz que só Deus sabe sua idade e confia na sua discrição. Mas ela garante que não é tão velha assim: pegou o Getúlio Vargas no colo, é verdade, mas ele já era presidente na ocasião. E diz que é completamente fake a história de que foi a primeira brasileira a fazer topless, até ser corrida da praia pelo padre Anchieta. Sua carta veio, com sempre, escrita com tinta lilás em papel roxo, cheirando a Ravage Moi, um perfume proibido pela Igreja a não ser para certos bispos. Eis a carta:

"Caríssimo. Beijíssimos! Sim, sou eu, ou um fac-símile razoável. Depois da última plástica, sobrou muito pouco do original. A saison me pegou desprevenida (sem marido e, pior, sem cartão de crédito) e tive que enfrentar o inverno em Angra dos Pobres, que é como chamamos Miami. No avião, havia 300 crianças a caminho do Disneyworld. Cada vez entendo menos as críticas a Herodes, claramente um injustiçado pela História. 

Estou em missão para o nosso grupo de carteado e pressão política. As Socialaites Socialistas, que lutam pela instalação no Brasil de um comunismo dos últimos dias, com a volta do tzarismo. Com as eleições presidenciais se aproximando no Brasil e com muita conversa sobre taxar grandes fortunas, estou examinando o terreno para um possível exílio do grupo, dependendo do resultado do pleito.

Eu deveria saber que meu arqui-inimigo e péssimo roteirista, o Destino, me seguiria até a Flórida. Conheci um americano chamado Clyde, inclusive no sentido bíblico, numa versão condensada, pois fomos rapidamente de Atos a Apocalipse quando descobri que Clyde não era um milionário americano como eu pensava mas se chamava Argemiro e era do Espírito Santo. Acho que, vença quem vença, ficaremos no Brasil. Onde, pelo menos, cada vez que você diz ?Jesus? não aparece um cubano e diz ?Sí??. Da tua preocupada Dorinha".

L. F. VERISSIMO