07 DE SETEMBRO DE 2018
DAVID COIMBRA
A facada em Bolsonaro
Tu é um lixo! Tu só fala merda! Idiota!
Canalha!Vou te dar um tiro quando te achar na rua!
As frases acima colhi aleatoriamente das minhas próprias redes sociais, mas poderiam ser extraídas das de qualquer pessoa pública no Brasil. Recebi esses comentários acerca de posts diversos que escrevi, alguns de futebol, alguns de política, alguns sobre nada realmente relevante. Na verdade, não importa o que se diga, as pessoas querem ofender. É um prazer que sentem.
Talvez alguém ache que essa é tão somente uma idiossincrasia das redes sociais. Mas, não. Essa é a expressão de um país violento, em que 70 mil pessoas são assassinadas por ano, um país habitado por uma população em grande parte grosseira e pessimamente educada, seja o cidadão rico, pobre ou remediado, seja analfabeto ou pós-graduado.
Neste país, outrora o país do homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda, neste país a política se transformou em uma mistura de religião com torcida de futebol. Some tudo isso e você concluirá que era evidente que, na campanha presidencial, alguma violência grave ocorreria, como a que foi cometida ontem contra Jair Bolsonaro, em Minas Gerais.
O homem que esfaqueou Bolsonaro chama-se Adélio Bispo de Oliveira. Dei uma olhada em suas redes sociais. As frases que relacionei no começo do texto poderiam ter sido ditas ou escritas por ele. O Facebook desse homem está inteiramente tomado por manifestações políticas raivosas, igualzinho ao Facebook de muitas, muitas pessoas que conheço.
Qual é a distância entre a ofensa e a facada, entre o xingamento e o tiro? Parece grande, não é. A palavra é o primeiro ato concreto de violência. É a violência se materializando, tomando forma, crescendo.
Você não diz tudo o que pensa, até dizer pela primeira vez. Depois, não para mais de dizer.
Você não faz tudo o que diz, até fazer pela primeira vez. Depois, não para mais de fazer.
Civilização é igual a repressão. Não a repressão do tacape, não a repressão das armas: a repressão dos instintos. Você não faz tudo o que quer, porque não pode, porque não deve. Então, você reprime o seu instinto de pegar aquele doce que não é seu, de apalpar aquela mulher que considerou atraente, de falar o que pensa sobre seu colega de trabalho. Mas os instintos continuarão lá, pulsantes. Se você afrouxar a vigilância, eles se manifestarão.
A palavra, aparentemente menos afiada do que a faca, é o primeiro afrouxamento do instinto incivilizado. Depois vem o gesto. Que pode acabar na punhalada.
O Brasil é um país violento. Vários dos limites da civilização já foram ultrapassados por várias pessoas que não parecem ser capazes de dar o soco, de empunhar o revólver, de enfiar a faca. Muitas dessas pessoas, realmente, ficarão só na palavra, não passarão disso. Mas quantas outras se sentirão estimuladas a ir em frente, a ultrapassar o limite, exatamente pela força da palavra?
A facada que feriu Bolsonaro não é uma surpresa. É uma consequência.
DAVID COIMBRA