02 DE AGOSTO DE 2022
CARLOS GERBASE
Gramado e o cinema brasileiro
No próximo dia 12, inicia-se a edição número 50 do Festival de Cinema de Gramado, que marca as bodas de ouro do casamento de uma cidade do interior gaúcho com a arte cinematográfica nacional. Como toda união prolongada, teve seus píncaros de glória e seus momentos difíceis, passou por fases conturbadas e ajustes inevitáveis. Alguns amigos do casal já se foram, como o grande P. F. Gastal, que apresentou os noivos em 1973 e alcovitou o primeiro encontro. Os filhos do casamento são muitos, e eu, com muito orgulho, sou um deles.
Na edição número 8, em 1980, meu segundo filme, o curta em super-8 Sexo e Beethoven, que codirigi com Nelson Nadotti, participou da mostra paralela e, depois que driblamos o abominável censor e conseguimos mostrar o filme ao júri com o minuto que havia sido impiedosamente cortado, foi considerado o "melhor filme gaúcho".
Mais importante que a honraria, contudo, foi receber o prêmio adicional de 40 rolinhos de filme virgem super-8, que acabaram sendo usados na realização de Deu pra Ti, Anos 70, do Nelson e do Giba Assis Brasil, de que fui assistente de direção e produtor minoritário (graças aos meus 20 rolinhos e ao Doginho 1800, mas essa é outra história).
Em 1981, o Deu pra Ti venceu a mostra super-8 e provocou uma pequena revolução no cinema gaúcho, de que se ouvem os ecos até hoje. Dali para a frente, fui ao festival inúmeras vezes, como concorrente, jurado ou espectador. Em 1992, durante o governo Collor, testemunhei um momento épico, com a exibição do curta Pornografia, de Murillo Salles e Sandra Werneck. Apesar de não haver mais censura oficial, as forças da moral e dos bons costumes não permitiram que o filme fosse exibido com sua trilha sonora original, que era o hino nacional. O público então cantou o hino a plenos pulmões. Foi bonito.
Feio foi ver cineastas que se manifestavam politicamente sendo xingados e agredidos com gelo e restos de comida por uma dúzia de frequentadores dos bares da Rua Coberta no festival de 2019, o que, espero, nunca mais venha a acontecer. Gramado deve muito ao festival, que a colocou no mapa turístico internacional, e o cinema brasileiro deve muito à cidade, aos seus moradores e aos abnegados organizadores do evento, de diversos perfis ideológicos, que foram se revezando ao longo das décadas.
A livre expressão artística é consequência da livre expressão de ideias, e isso é marca do Festival de Gramado. A única ideia que não pode ser projetada é a que ataca a democracia e tenta manchar a linda tela de um evento fundamental para a arte e a consciência política de nosso país.
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