04 DE AGOSTO DE 2022
CARPINEJAR
Crianças não podem mais andar sozinhas
Quando criança, desde os cinco anos, eu frequentava o armazém, sempre desacompanhado. Era escalado para trazer alguma compra de última hora pelos pais. Ou arroz, ou feijão, ou batatas, em especial quando recebíamos uma visita inesperada e tínhamos que aumentar as porções dos pratos.
Ninguém se preocupava com segurança. Eu caminhava livremente, ia e voltava a pé da escola. Brincava todo o dia na rua, de caçador, de amarelinha, de pião, de pega-pega, de esconde-esconde.
Hoje as crianças não podem nem mais andar sozinhas da sua casa para a padaria. Poucas quadras podem ser letais. Porque elas morrem. Elas são visadas por abusadores, são vítimas de psicopatas, são presas de uma crueldade inexplicável e desumana.
A menina Bárbara Vitória Lopes, de 10 anos, nunca voltou com o saco de pães para o jantar de domingo. Obediente, carinhosa, aluna da Escola Municipal Armando Ziller, esbanjava carisma com os moradores de seu bairro, Landi.
Precocemente responsável, cuidava dos seus irmãos mais novos, de um e três anos, enquanto os pais trabalhavam.
Na câmera do comércio, vestindo a camiseta 10 do Galo, ela acena com um tchau. Era um definitivo adeus. Seu sorriso não previu o perigo. Foi raptada durante o caminho de volta. Não imaginava que seu corpo seria encontrado na manhã de terça-feira, logo num campo de futebol, que tanto adorava, em Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG). Estava amarrada, com sinais de violência e enforcamento, atrás de uma das traves.
Quem a localizou disse que ela parecia uma boneca de tão pequena, encolhida, indefesa, frágil. Uma boneca carente de sua mãe, de sua menina. Eu fico envergonhado de existir. Não existe mais liberdade familiar, proteção da inocência, respeito inegociável pela pureza das crianças.
Há doentes soltos pela vizinhança, sem limites, pervertidos, pedófilos, procurando anjos distraídos para levar ao inferno. Não tem mais como passar pano, lustrar a impunidade.
Não tem mais como tolerar tais aberrações debaixo dos nossos narizes. Não tem como se acostumar com a podridão. Depois de um tempo num ambiente impregnado de crimes, não sentiremos mais o cheiro ruim. Perderemos também o olfato para o perfume.
Não tem como viver com medo, trancando os filhos nos quartos, desconfiando de todos que podem fazer algum serviço na residência. Bárbara Vitória não merece esse nosso mundo.
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