Dignidade, escravidão, liberdade e violência
A Doçura da Água (Novo Século, 336 páginas, R$ 57,00, tradução de Tom Jones da Silva), romance de estreia literária do jovem norte-americano Nathan Harris, de 29 anos, foi considerado pelo Wall Street Journal como um clássico instantâneo e tornou-se um dos livros mais aclamados dos Estados Unidos em 2021. A obra recebeu o prêmio de Melhor Ficção do Ano pelo Washington Post; foi selecionado para o Man Booker Prize e recebeu, entre outros, o First Nobel Prize do Center for Fiction. O romance foi best-seller do The New York Times e recebeu indicações da apresentadora Oprah Winfrey e Barack Obama.
O grande sucesso de público e crítica obviamente não ocorreu por acaso e a estreia impactante do jovem Nathan se passa nos últimos dias da Guerra Civil Americana. A Guerra Civil tem um papel central na literatura americana e já inspirou clássicos como Cold Mountain e Gone With the Wind (E o Vento Levou).
No fim da Guerra dois irmãos libertos pela Proclamação de Emancipação buscam refúgio na propriedade de George Walker e de sua esposa. O casal perdeu o único filho na Guerra e contratam os irmãos para trabalhar em sua fazenda, esperando que a amizade inesperada amenize o luto. Os irmãos querem juntar dinheiro para ir ao norte buscar a mãe, vendida quando eram meninos.
Em paralelo, um romance proibido entre dois soldados confederados acontece às escondidas na floresta. Quando o segredo é revelado, o caos se instala em Old Ox. Relações complexas acontecerão e nada será como antes em todo o vilarejo.
Com linguagem cuidadosamente esculpida, tramas bem armadas e lirismo, o jovem autor trabalha muito bem as pequenas histórias dentro dos contextos da grande história e, sem dúvida, dá vida nova a um período histórico importantíssimo que parecia estar esgotado pelas muitas obras de ficção que o tomaram como cenário.
Ex-escravizados, família branca e soldados enamorados trazem perguntas relevantes: Qual o preço da dignidade? Qual o legado da escravidão e violência racial? O que realmente significa ser livre?
Lançamentos
Tergiversando (Editora Sete Letras, 136 páginas, R$ 46,00), do gaúcho Albino Ernesto Poli Junior, diplomata, tradutor de obras literárias e leitor apaixonado de grandes poetas, traz 70 poemas sobre amor, vida e morte. "Contemplo o arco-íris sem régua e compasso/ E todo acontecer se faz um despropósito" são versos da obra.
Cartas a um jovem poeta (Editora Planeta, 175 páginas, R$ 37,00) apresenta o livro mais conhecido de Rainer Maria Rilke, contendo as cartas que escreveu ao jovem poeta Franz Xavier Kappus. Esta edição traz também as cartas que Franz escreveu para Rilke. É um clássico universal sobre autoconhecimento e escrita literária.
Poemário (Ardotempo, 224 páginas, R$ 35,00) traz poemas de Berenice Sica Lamas, escritora, poeta, psicóloga, professora universitária e ensaísta . São composições que fazem parte dos onze livros de poesia da autora. "O mundo do consumo / preparado não é / para atender pessoas sozinhas" são alguns dos versos da obra.
Bento Gonçalves, terra da esperança
Vivo como todo mundo envolvido por esta época pós-moderna, plena de incertezas, de vale-tudo generalizado e quase vazia de referências, valores , ideias e líderes confiáveis. Procuro manter as esperanças e levantar da cama de manhã pensando que deve haver pessoas e mundo melhores, com mais democracia, menos desigualdade e melhores atos e pensamentos com relação à natureza.
Não acho que o otimista é um pessimista mal-informado. Gosto de realismo otimista e , apesar de não ser gramsciano, acho que podemos ser pessimistas na análise e otimistas na ação. Não precisamos nos iludir, mas não dá para ser metralhadora giratória, atacar tudo e achar que devemos mudar totalmente as pessoas e o mundo, esquecendo das boas lições do passado para ir adiante.
Quando começo a ficar meio descrente das pessoas e do mundo, tenho uma solução: degustar um cacho de uva, tomar um vinho, comer um pouco de figada e pensar na minha terra natal, Bento Gonçalves, ou, melhor ainda, ir até lá e recarregar minhas baterias encontrando pessoas, locais e alimentos para corpo e alma. Bento, meu berço, chão e meu túmulo. Se um dia eu morrer, já pedi para enterrarem minhas cinzas debaixo dos parreirais da querida família Benedetti da Linha Salgado, ao som da voz do Tony Bennett. Linha Salgado, o melhor passeio, especialmente em noites de verão, com o perfume da uva madura, o vinho doce e a pipoca dos Benedetti.
Fim de semana passado estive na terrinha, para festejar os 90 anos de meu querido padrinho Dr. Elias Japur, que está aí, firme e forte , ao lado da fiel escudeira Rosa e dos filhos e netos , depois de seis cirurgias. Ano que vem faz sessenta anos que ele me levou para a crisma e me presenteou com o primeiro relógio de minha vida. Há muitos anos ele me disse para ler o livro Filosofia da Vida de Will Durant. Ótima e proveitosa dica, que divido aqui com meus seletos leitores. Ia dizer sete leitores, mas troquei por seletos. Tchê, que tal? Longa vida aos meus padrinhos!
Com doze anos vim com a família para viver em Porto Alegre, em 1966, num apartamento da Felipe Camarão. Saí de Bento mas Bento jamais saiu de mim. E nunca vai sair. Já andei muito pelo Brasil e pelo mundo, já viajei imensamente nas páginas dos meus livros pelas paredes dos quartos, mas meu umbigo de ouro, cravejado de brilhantes, é Bento, onde moram os anos do menino que é o pai do homem que sou. Sonhos de criança, o mais importante da vida. A casa, a escola, a igreja, o clube, as árvores, as praças e os detalhes que vou lembrando e descobrindo nas caminhadas pela cidade mostram, como disse o Mario Quintana, que o tempo é só um ponto de vista dos relógios.
Na minha cabeceira, tenho a Bíblia Sagrada e a Bíblia de Bento, o livrão Janelas da Memória do querrrrridooo escritor, poeta, jornalista, contista, folclorista e historiador Ademir Antônio Bacca. Como ótimo biógrafo, Bacca colocou histórias, fotografias, mortos, vivos e muito vivos a andar por aí entre a gente, mostrando as riquezas pessoais, materiais e imateriais de Bento.
A propósito...
Nem preciso ressaltar que Bento Gonçalves está entre as maiores economias de nosso Estado, que nos últimos anos o turismo e as atividades culturais cresceram muito e que seus índices de desenvolvimento humano e econômico são ótimos. Há menos desigualdade econômica e social em Bento do que em outras regiões, como, aliás, em outros municípios da Serra gaúcha.
Administradores públicos e privados e cidadãos vêm cumprindo seu papel. Nesse momento de campanhas eleitorais com muitas ofensas pessoais e escassos planos de governo, é bom olhar para municípios como Bento, que tem, por exemplo, a primeira usina de reciclagem de lixo orgânico do Brasil. Tal como outras cidades e regiões semelhantes, é o Brasil que dá certo, oferecendo esperanças parecidas com aquelas que a gente tinha, quando criança, desfilando de tênis conga nas paradas de Sete de Setembro, no centro da cidade, com pulsantes corações de estudante.
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