segunda-feira, 2 de setembro de 2024



02 de Setembro de 2024
CLÁUDIA LAITANO

A vida e o baile

O Leopardo (1958) foi uma das grandes paixões literárias da minha juventude. Li o romance antes de assistir ao filme do Visconti, o que significa que os personagens principais ainda não tinham, como viriam a ter, os rostos de Burt Lancaster e Alain Delon. Relendo o livro agora, sou obrigada a concordar com a Cláudia de 20 e poucos anos. É mesmo um livro para se apaixonar, mas talvez mais melancólico do que eu lembrava ou do que eu seria capaz de perceber naquela idade.

Quando a narrativa se inicia, em maio de 1860, Garibaldi está prestes a desembarcar na costa da Sicília, anunciando a queda iminente do antigo regime. Don Fabrizio, o magnífico príncipe de Salina, percebe que o mundo que conheceu até então está prestes a deixar de existir. Seu jovem sobrinho, Tancredi, rapidamente providencia a tábua de salvação que vai garantir a manutenção dos privilégios da família em meio às turbulências da História: o casamento da tradição com o dinheiro, na figura da voluptuosa Angélica, filha de um burguês sem modos da região. É de Tancredi a frase que se tornaria ainda mais célebre do que a obraprima póstuma da Lampedusa: "Se queremos que tudo fique como está é preciso que tudo mude". 

O Leopardo é um daqueles romances em que os acontecimentos históricos formam uma espécie de duplo com subjetividade dos personagens. Ao mesmo tempo em que acompanhamos a decadência de uma ordem social que parecia destinada à eternidade, vemos o príncipe de Salina lidando com a ideia cada vez mais concreta da própria finitude - sensação que aflige nobres e plebeus exatamente da mesma forma. No filme de Visconti, de 1963, esse aspecto fica ainda mais evidente na longa e extraordinária sequência do baile. 

Enquanto Tancredi (Alain Delon) e Angélica (Claudia Cardinale) vivem um instante de plenitude, enamorados de si mesmos e do futuro que os aguarda, Don Fabrizio (Burt Lancaster) contempla tudo com melancolia e distanciamento. Não apenas porque seus anos de mazurca já passaram e ele já não tem mais idade para adaptar-se com facilidade às novas circunstâncias, mas porque intui (sabe) que a felicidade do jovem casal será tão passageira quanto sua juventude e beleza. 

A vida nunca supera o baile. Enquanto eu relia O Leopardo, Alain Delon morreu, aos 88 anos, na França. Ao que consta, amargurado com os filhos, com a política (era amigo e admirador de Jean-Marie LePen), com a velhice. No cinema - pelo menos no cinema - o baile continua. Neste exato instante, em algum lugar, Delon e Cardinale ainda dançam, plenos de beleza e futuro, para puro deleite da plateia. _

CLÁUDIA LAITANO

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