domingo, 2 de fevereiro de 2014

ELIO GASPARI

O belo nascimento do menino Miguel

O quinto filho de Eduardo e Renata Campos tem síndrome de Down, e eles celebraram a vida

Foi o poeta João Cabral de Melo Neto quem disse: "Não há melhor resposta que o espetáculo da vida". É raro que ocorram episódios comoventes na esfera privada de políticos brasileiros. A imediata divulgação, pelo governador Eduardo Campos, de que seu quinto filho nasceu com a síndrome de Down e a forma com que ele e sua mulher, Renata, lidaram com isso justificam a transcrição da mensagem que postaram na quarta-feira:

"Hoje os médicos confirmaram o que já estava pré-diagnosticado há algum tempo. Miguel, entre outras características que o fazem muito especial, chegou com a síndrome de Down. Seja bem-vindo, querido Miguel. Como disse seu irmão, você chegou na família certa! Agora, todos nós vamos crescer com muito amor, sempre ao seu lado".

Esse tipo de comportamento revela não só o afeto de uma família, como serve de exemplo. Crianças nascidas com essa síndrome às vezes inibem os pais, infelicitando-lhes as vidas. Houve época em que eram raros os casos como o de Charles de Gaulle, cuja filha Anne nasceu com ela. O general que liderou a Resistência Francesa e governou o país por mais de dez anos, até 1969, era conhecido por sua reserva pessoal. Raramente ria ou brincava, salvo se estivesse com Anne. Com ela até cantava, fazia teatrinhos e tomava beliscões nas bochechas. Nunca se afastou da menina e levou-a consigo para a Inglaterra quando a França se rendeu à Alemanha. A moça morreu em 1948. Vinte e dois anos depois, quis ser sepultado ao seu lado. Conduta muito diferente de Joseph, o patriarca da família Kennedy. Ele educou seus filhos num padrão de competitividade doentia. Quando Rosemary, a filha mais velha, mostrou-se depressiva e lenta no aprendizado (nada mais que isso), submeteu-a a uma lobotomia experimental. Deu tudo errado. Aos 23 anos, ela perdeu a fala e andava com dificuldade. Esconderam-na num asilo e os pais não a visitaram. Rosemary terminou seus dias em 2005, aos 86 anos, tendo sobrevivido a três irmãos homens e a uma irmã que se tornara marquesa.

Felizmente, no Brasil, ocorreram mudanças exemplares. Em 2011, Romário levou sua filha Ivy a um evento contra a discriminação. O mesmo fez o ministro Dias Toffoli, do STF, com seu irmão José Eduardo.

NERVOSOS

O ministro Guido Mantega falou em "acalmar os nervosinhos" que temem pela estabilidade da economia brasileira.

Tudo bem, mas quem está à beira de um ataque de nervos é o pedaço da equipe que cuida dos números, na qual ele eventualmente se inclui. O temor, acima de tudo, relaciona-se com as ameaças que vêm de fora.

O HOMEM DOS CACHORROS

Um grande livro está chegando à praça. É "O Homem que Amava Cachorros", do cubano Leonardo Padura, uma brilhante trama policial e política, ou política e policial. Começa em 1929, quando o ex-dirigente soviético Leon Trótski é desterrado, e acaba em 2004, no funeral de Ana, a mulher do narrador. No caminho, conta a história de um sujeito que amava cachorros e não falava de si. Era Ramon Mercader, o homem que em 1940 matara Trótski no México, com um golpe de picareta. Ralou vinte anos na cadeia e nem o nome disse. Solto, viveu na Rússia com a medalha de "Herói da União Soviética" e em Cuba.

Dito assim, o livro é apenas mais um sanduíche de história com ficção, gênero que dá certo poucas vezes a cada cem anos, mas, quando dá, sai de baixo. Sua virtude está na qualidade da escrita, no rigor factual em relação ao que realmente importa e, sobretudo, na imersão na alma de personagens que viveram os crimes e ilusões do comunismo. Seu retrato do cotidiano do narrador no regime cubano de hoje (no qual vive Padura), rememorando o que foi o soviético do século passado, é um verdadeiro primor.

Tudo isso, e mais um romance policial.

BNDES

O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, informa que os mecanismos de controle do banco impedem que um freguês receba um empréstimo e aplique esse dinheiro no mercado financeiro, que remunera a juros compensadores: "É impraticável ou, no mínimo, de execução muito difícil e arriscada".

ALCKMIN E O DOI

O prédio onde funcionou o DOI de São Paulo foi tombado pelo patrimônio histórico, para servir de lembrança do que lá acontecia.

O governador Geraldo Alckmin deixou essa bola passar. No seu primeiro mandato como governador eleito, rebarbou uma proposta de um colaborador para tombar o símbolo do porão da ditadura. Nessa época, ele queria dar visibilidade à sua política de segurança colocando presos uniformizados na manutenção das beiras de estradas.

MORTALIDADE

Tem gente que atravessa a rua para escorregar na casca de banana que está na outra calçada. A doutora Dilma atravessou o Atlântico para escorregar em Lisboa pelo simples culto à blindagem de suas agendas. Transformou um simples jantar em reunião da VAR-Palmares. Acreditar que a ex-ministra-chefe de Comunicação Helena Chagas tivesse algo a ver com essa obsessão exige que se desconheça as duas.

Houve um tempo em que a assessoria de imprensa do Planalto não tinha taxa de mortalidade, mas o presidente era Fernando Henrique Cardoso e a encarregada do armazém era Ana Tavares, a quem se atribuem milagres suficientes para instruir um processo de canonização.

OS TRANSPORTECAS DO RIO DORMEM NO PONTO

Durante a campanha eleitoral de 2012, o candidato Fernando Haddad anunciou que criaria o Bilhete Único Mensal, um plástico que permite o uso livre do transporte público. O benefício entrou em vigor em novembro passado. No Rio, nada. Na sua modalidade mais simples, o Bilhete Único começou a funcionar em São Paulo em 2004. O governador Sérgio Cabral prometeu-o em 2007 e pouco depois a RioCard lançou uma contrafação que não dava desconto algum. Em 2008 o candidato Eduardo Paes municipalizou a promessa. Elas só começaram a virar realidade em 2010. Era a época em que os transportecas faziam o que queriam, quando queriam. Em junho passado isso mudou.

Agora o prefeito Eduardo Paes anunciou um aumento da tarifa para R$ 3 a partir do próximo sábado. Os sábios já devem ter ouvido o slogan "Fifa, paga minha tarifa".

Cozinharam por mais de três anos o Bilhete Único simples e agora cozinham o mensal, que já existe em São Paulo, onde se prepara o bilhete semanal, com um pequeno desconto. Parece que os doutores vivem no mundo de Antonil, um dos primeiros cronistas da vida nacional, para quem as coisas se resolviam com três "pês": "pau, pão e pano".



ANTONIO PRATA

Vespertina tropical

É um troço estupendo: mais bonito que o pôr do sol, mais improvável que a girafa, mais grandioso que o relâmpago

Então Deus, tendo acabado de criar o firmamento e os continentes, o homem e a mulher, a zebra, os elétrons, o umbu e a neblina, quis dar um último toque em Sua obra: num arroubo de lirismo, lá pelas 17h54 do sexto dia, pintou a aurora boreal. É, de fato, um troço estupendo: mais bonito que o pôr do sol, mais improvável que a girafa, mais grandioso que o relâmpago. Era pra ser o corolário da criação, a maior atração da Terra, diante da qual casais em lua de mel deixariam cair os queixos, japoneses ergueriam as câmeras e mochileiros bateriam palmas, contentes por terem nascido neste planeta abençoado e multicolor, mas, infelizmente, como se sabe, a aurora boreal não pegou.

Claro: é longe, é raro e é muito cedo, como esses espetáculos incríveis encenados domingo de manhã no Sesc Belenzinho. Imagina se a aurora boreal fosse nos trópicos, seis e meia da tarde? O sujeito tá num táxi na avenida Atlântica, olha pro lado, o céu todo verde e amarelo e laranja e roxo, saca o celular, faz um "selfie" [tava louco pra usar essa palavra], posta "#vespertinatropical!!!" e segue pra casa, satisfeito. Mas não, é pra lá da Groenlândia, 4h30 AM, ninguém sabe quando: aí, não adianta reclamar que o público é ignorante e prefere a caretice hollywoodiana de um arco-íris.

Fosse só a aurora boreal, beleza, mas a natureza tá cheia de desarranjos semelhantes. Não surpreende: ela foi criada há milhões de anos, nunca passou por uma revisão e ainda é administrada pelo fundador. Se eu fosse Javé, chamava uma dessas consultorias especializadas em fazer a transição de empresas familiares para organizações, digamos, mais competitivas, e dava um choque de gestão. Nem precisa gastar muito, basta alocar melhor os recursos.

Veja os cometas, por exemplo. Tudo espalhado por aí, nos visitam só a cada 70, cem anos, às vezes chegam de lado, outras vezes de dia, ninguém vê, baita desperdício de energia. Por que não otimizar essas órbitas? Fazer com que venham cinco, dez ao mesmo tempo na noite de Réveillon, proporcionando uma queima de fogos global à nossa sofrida humanidade?

A gravidade é outro assunto que merece uma calibrada: tem que ser mesmo 9,8 m/s2? Por quê? Como Deus chegou a esse número? Gostaria que Ele abrisse as planilhas para entendermos se cada m/s2 é realmente necessário. Com metade dessa atração, nós continuaríamos colados ao chão e seria muito mais agradável se locomover por aí. O mínimo que o Senhor poderia fazer era dar uma amainada de dezembro a março: imagina que alívio encarar esse calorão com 25% menos esforço, durante a "Gravidade de Verão". Sem falar, óbvio, em 50% para grávidas, idosos e cadeirantes.

Não tenho dúvida de que o Todo Poderoso resistirá a essas e outras reformas. Criar o Universo é o tipo da coisa que infla um pouco o ego do sujeito, mas seria bom se Ele se animasse a colocar o mundo nos eixos --literalmente: já repararam como a Terra gira toda torta, envergada como um frei Damião?


Se meu pacote de sugestões não puder convencê-Lo pelo bom senso, quem sabe ao menos uma parte cutuque a Sua vaidade? Ora, El Shaddai, a aurora boreal é um negócio tão lindo, tão grandioso, tão divino, não é justo que siga sendo exibida, ano após ano, apenas para os ursos-polares, as focas e a Björk, é ou não é?