segunda-feira, 22 de outubro de 2018



22 DE OUTUBRO DE 2018
DAVID COIMBRA

Pobre eleitor, ele sempre é chamado de burro

O eleitor, no Brasil, sempre será chamado de burro por alguém. O voto dele só é elogiado se é igual ao meu voto. Caso contrário, diz-se, na melhor das hipóteses, que ele foi enganado, que ele vive em uma bolha, que lhe faltam informações. Pobre eleitor, tão estúpido, por que ele não pergunta aos intelectuais em quem deve votar?

É uma falta de entendimento do funcionamento da democracia, mas também é compreensível: às vezes, o voto do eleitor irrita mesmo.

O que faz o eleitor decidir em quem votar não são as notícias da chamada "grande mídia". Nem o que é veiculado nas redes sociais, seja verdadeiro ou falso. Essas informações servem mais ao eleitor para que as use como argumento para o voto que ele quer dar, não para construir o seu convencimento.

O que faz o eleitor decidir em quem votar não são as propostas dos programas de governo dos candidatos, nem a excelência da sua propaganda na TV e no rádio, nem o seu desempenho em eventuais debates. Tudo isso pode fazer com que um candidato perca votos, mas para ganhar é preciso muito mais.

O que faz o eleitor decidir em quem votar é o seu dia. É o seu padecimento ou a sua ventura. É o que ele está sentindo em relação à sua própria vida. Por que os eleitores do Nordeste votaram majoritariamente no PT no primeiro turno? Porque são incultos e foram manipulados?

Não. Porque são progressistas?

Não. Eles votaram no PT porque o PT melhorou suas vidas. O Bolsa Família deu a uma massa de gente historicamente desassistida uma renda que eles jamais tiveram.

E, agora, o que está fazendo com que o eleitor de quase todo o país decida seu voto e que provavelmente conduzirá Bolsonaro à Presidência?

São dois sentimentos:

1. O medo.

2. A indignação.

O medo ronda a todos. Está também na sua alma, querido leitor. O medo de que um assaltante salte de trás de uma árvore quando você chega em casa com seu carro, depois do trabalho. O medo que lhe tira o sono cada vez que seu filho sai à noite no fim de semana. Belchior cantou: "Eu tenho medo e o medo está por fora, o medo está por dentro do meu coração". É como os brasileiros vivem hoje, e ninguém aguenta viver assim por muito tempo.

Já a indignação, se você pensa que ela foi produzida pela Lava-Jato, se engana. A indignação existia antes e explodiu nas manifestações de 2013, sem que as pessoas soubessem exatamente por quê. A Lava-Jato apenas materializou essa indignação, fez com que ela tomasse forma e permitiu ao cidadão compreender a origem disso tudo: o sistema. Ou, como foi bem definido naquela série de TV, o "mecanismo".

O mérito de Bolsonaro foi identificar esses sentimentos e trabalhar em cima deles durante anos. As soluções que apresenta são simplistas, mas ele falou disso. Os outros, não.

Bolsonaro diz que vai valorizar a polícia e que o cidadão poderá ter sua arma, se quiser. Para o homem que sente medo, já é alguma coisa.

Bolsonaro diz que não vai dar cargos a políticos em seu ministério e que apoiará integralmente a Lava-Jato. O homem indignado aplaude.

Ao mesmo tempo, o adversário de Bolsonaro é o PT, partido que deteve o poder por quase uma década e meia. Ou seja: o PT é o próprio sistema. É o partido que comanda o mecanismo. Os outros são coadjuvantes, mas igualmente responsáveis. Eles se cevaram do mecanismo comandado pelo PT. São todos iguais.

É assim que o eleitor interpreta o que está acontecendo e é por isso que Bolsonaro está à porta do Palácio do Planalto.

Artistas, jornalistas e intelectuais em geral não conseguem ver isso porque estão preocupados com outras valências: a democracia, o respeito às minorias, os direitos humanos... Esses valores decerto que são importantes, mas, depois que alguém sente o frio do cano de uma arma na testa, eles se tornam abstrações e, hoje, todo brasileiro sabe que está na iminência de ver a boca de um revólver diante de seus olhos.

Milton Nascimento cantava que todo artista tem de ir aonde o povo está. Ele tinha razão. O artista precisa ir até lá. Porque ele não está lá.

DAVID COIMBRA