segunda-feira, 15 de novembro de 2021


15 DE NOVEMBRO DE 2021
CLÁUDIA LAITANO

O espírito das luzes

Passei os últimos meses em companhia de um livro que vale quanto pesa. Quando comecei a ler, em março, a primavera ainda não havia começado oficialmente aqui em Nova York, mas a nova estação já se anunciava nos parques e no estado de espírito da cidade. Oito meses depois, os ânimos começam a se recolher para o inverno e a decoração de Natal já dá as caras nas vitrinas - e eu mal cheguei à metade das mil páginas de The Enlightenment: The Pursuit of Happiness (1680 - 1790), de Ritchie Robertson. Nesse ritmo, daqui a quatro meses o livro vai soprar velinhas na cabeceira. Não porque seja chato, mas porque quero ir até o fim - bem devagar.

Mil páginas sobre Iluminismo? Sim e poderia ser mais. Não apenas porque a leitura é agradável e narra diferentes aspectos de uma das grandes aventuras intelectuais da Humanidade, mas porque muitos dos temas que estão em discussão ainda hoje podem ser conectados a debates que alcançaram a esfera pública naquele momento histórico: ciência x religião, mudança x tradição, razão x paixão, natureza x civilização?

Não por acaso, pelo menos dois autores mais conhecidos do que Robertson escreveram sobre Iluminismo nos últimos anos. No livro O Espírito das Luzes (2006), Tzvetan Todorov explica por que os ideais de autonomia individual e humanismo, consolidados durante o período que antecedeu a Revolução Francesa, permanecem relevantes no século 21. O iluminismo, escreveu, não é um movimento que se encerrou no passado, no tempo das revoluções, mas uma atitude intelectual que se adapta a diferentes épocas e circunstâncias. Em O Novo Iluminismo (2018), Steven Pinker defende a razão, a ciência e o humanismo como as melhores ferramentas para enfrentar os problemas do presente - e do futuro.

O livro de Ritchie Robertson é menos um desagravo diante dos ataques que a razão vem recebendo nos últimos tempos do que um longo ensaio histórico que nos ajuda a entender como o mundo seria diferente (e pior) - não apenas no plano das ideias, mas na vida prática - se pensadores, escritores e pessoas comuns, em diferentes lugares e quase ao mesmo tempo, não tivessem desafiado o senso comum e a Igreja com a ideia, então revolucionária, de que a felicidade deve ser buscada aqui na Terra mesmo, enquanto estamos vivos.

CLÁUDIA LAITANO

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