terça-feira, 30 de novembro de 2021


30 DE NOVEMBRO DE 2021
DAVID COIMBRA

A saia branca de Marilyn Monroe

O verão mudou, de uns tempos para cá. Antes, esses finais de novembro geravam uma ansiedade de véspera de festa. Ia começar dezembro e logo tudo mudaria, tudo ficaria mais colorido e mais bonito. As famílias lotariam seus fuscas a fim de rumar para o Litoral, de onde só voltariam em março.

Nós não, é claro. Eu e meus amigos permanecíamos na mormacenta Porto Alegre, sem muita coisa para fazer, a não ser jogar bola debaixo da chuva grossa do fim de tarde. Nós não pertencíamos nem à casta inferior que ia para as piscinas dos clubes. Nós éramos os intocáveis do asfalto.

Então, aquela festa na qual não entrávamos, o verão na orla, parecia ainda mais animada, mais louca, mais proibida. Zero Hora transferia um pedaço da sua redação para a praia e de lá fazia cadernos diários, narrando tudo de emocionante que ocorria naquele lugar de pessoas bronzeadas e seminuas.

Como era bom aquele caderno de praia de Zero Hora!

Mas, aos poucos, o verão foi se transformando, foi ficando mais parecido com as outras estações do ano. Por quê? Não tenho certeza. A primeira grande diferença talvez seja a mudança de comportamento das famílias. Elas não passam mais três meses no Litoral. Assim, não existe aquele fenômeno de transferência da cidade para a praia.

O interessante é que aquilo não era só um hábito gaúcho. Um dos melhores filmes de comédia de todos os tempos, O Pecado Mora ao Lado, brinca exatamente com a fantasia dos homens que ficavam na cidade, enquanto a mulher e os filhos iam para a casa de praia. Só que, no filme, a cidade não é Porto Alegre, é Nova York. O marido que resta em casa na Big Apple é vivido por um ator genial chamado Tom Ewell.

Tom não fez nada mais de grande destaque na carreira, mas, quer saber, nem precisava. Sua atuação em O Pecado Mora ao Lado é histórica. Ele é um editor que está lendo as provas de um livro sobre infidelidade conjugal. O título do livro é A Coceira dos Sete Anos, título original do filme. A tese do autor é de que, depois de sete anos de casamento, o homem tem vontade de trair a esposa. O editor está, precisamente, no sétimo ano de casamento, o que ceva sua imaginação fantasiosa. E, para arrematar, muda-se para o seu prédio a loira Marilyn Monroe, que acaba se tornando amiga dele.

Todo mundo já deve ter visto esse clássico, mas, se você não viu, vou citar apenas uma cena para você entender do que falo: Marilyn Monroe segurando o vestido branco que voa, devido ao vento do respiradouro do metrô, é parte de O Pecado Mora ao Lado.

Ah, aqueles verões românticos, vibrantes, excitantes... Por que não é mais assim? Será que não temos um pouco de culpa, nós, imprensa, que em vez de relatar as belezas da praia noticiamos a falta d´água, o buraco da avenida, o lixo deixado na areia? Afinal, não existe apenas uma realidade. Você escolhe o que contar, escolhe para onde olhar. Não sei, não sei, talvez estejamos olhando só para o lado sombrio e esquecendo o sol de cada verão.

DAVID COIMBRA

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