Ser pai, depois dos 50
Lá vou eu desaparecer de novo. Mas sem sumir. Ouvi essa ideia durante uma palestra na Feira do Livro de Porto Alegre, alguns anos atrás. Um psicanalista - e autor - chamado Ebraico discorria sobre dinâmicas familiares. Lá pelas tantas, afirmou: "A missão do pai é morrer, mas sem se deixar matar". Na época, minha primeira filha acabara de nascer. Não sei por que a frase me marcou. Aliás, sei por quê: a reflexão é absolutamente correta. E útil. Lembrei dela anos mais tarde, quando, passados alguns dias de ambientação na escola, a Camila, que era uma pitoca, me empurrou na calçada, antes da entrada no Farroupilha, e ordenou, convicta: "Vai embora".
Fiquei arrasado. Achei que era rejeição. Levei minha mágoa à próxima sessão de terapia. Enquanto eu falava, o "psi" me olhava, impávido. Quando terminei meu chororô, ele disparou: "Mas não era isso o que tu querias? Que ela ficasse sozinha na escola? Parabéns, conseguiste". A bigorna do saber desabou sobre a minha cabeça. Concluí, certamente com uma baita cara de moscão: "Ahhhh!!! Então era aceitação e não rejeição". Eu não precisava mais estar ali fisicamente, justamente porque estava ali, internamente.
Domingo, pela primeira vez, passarei um Dia dos Pais com o meu pai, 90 anos, e com minhas três filhas. É um privilégio. Ando pensando muito sobre "ser pai depois dos 50". Fui aos 54, com uma filha de 19 e outra de 16 já grandes. Talvez seja mania de jornalista, olhar para tudo e tentar sintetizar, compreender, explicar e concluir.
Tenho apenas vivido. Uma grande conquista. Mas sim, aprendi algumas coisas. A primeira é a absoluta inutilidade de querer ser, quase duas décadas depois, o mesmo pai da primeira viagem. É preciso ser justo ao fazer as contas com o tempo. Não corro mais maratonas. Acho até que meu corpo aguentaria, mas me falta paciência para tanto treino e disciplina física. Hoje, já conheço alguns atalhos. Sou um pai mais maduro, seguro e convicto de que não cometerei os mesmos erros de antes. Só os novos.
Na terça, a Ana, a filha do meio, chegou de Portugal, onde está morando com a mãe. Ficará aqui um mês. Enquanto eu a via saindo do portão do desembarque, sorrisão no rosto, lembrei de tudo isso em uma fração de segundo. E pensei, feliz, que quanto mais o pai se deixa matar, mais vivo ele está. O pai, na verdade, sempre renasce. Diferente, a cada dia.
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