
O impacto geopolítico do tarifaço de Trump
Caricato que é, Donald Trump fez o anúncio do tarifaço munido de um tabelão pensado para, como de costume, provocar impacto imagético. Supostamente, de um lado aparecia quanto cada país cobra de tarifas sobre produtos americanos, de outro, quanto os EUA passariam, agora, a cobrar. O "supostamente" aqui é proposital, porque, até agora, economistas sérios ainda tentam entender de onde saíram muitos dos percentuais.
Mas o fato é que a globalização tal qual a conhecíamos acabou na quarta-feira, 2 de abril. A nação mais aberta do mundo fechou-se. O país que, a partir da Segunda Guerra Mundial, moldou o sistema internacional a sua imagem e semelhança, foi pai ideológico da globalização, emplacou o dólar como lastro global e exportou o livre-comércio como elixir contra autocracias se tornou a nação do protecionismo, erguendo muros e reduzindo as liberdades econômicas dos próprios americanos.
Na visão da The Economist, foi considerado "o erro econômico mais profundo, prejudicial e desnecessário da era moderna". The Wall Street Journal determinou "o fim da era da globalização".
Enquanto as análises, em sua maior parte, debruçam-se sobre os impactos econômicos, chamo a atenção para as repercussões geopolíticas. Os EUA pós-1945 erigiram a arquitetura estratégica baseada no comércio a partir do princípio kantiano segundo o qual nações que mantêm relações comerciais não entram em guerra entre si. Ora, talagaço tarifário de Trump atinge aliados na Europa e na Ásia.
A inclusão da União Europeia rompe com a tradicional cooperação econômica transatlântica e incentiva, ainda mais, a Europa a buscar maior autonomia em política comercial e de segurança. Na Ásia, as tarifas sobre Vietnã, Índia, Coreia do Sul, Japão e Taiwan, os principais aliados na contenção militar da China, abrem um flanco na cadeia de defesa. Os EUA não são mais um parceiro confiável. Quase consigo ouvir as gargalhadas e os brindes no Kremlin, em Moscou, e no Zhongnanhai, em Pequim, no fim de semana. _
No Vaticano, um Papa "demasiado humano"
Duas semanas após deixar o hospital, o papa Francisco fez ontem a primeira aparição pública depois que retornou ao Vaticano, em 23 de março. Sentado em uma cadeira de rodas e com o auxílio de oxigênio por via nasal, o Pontífice cumprimentou os fiéis na Praça São Pedro. Mais tarde, nas redes sociais, afirmou sentir-se "frágil" e disse compartilhar com quem sofre "a dependência dos outros e a necessidade de apoio". _
Entrevista - "O crime foi cometido contra o país, não só contra nossa família" - Chico Paiva
Neto de Eunice e Rubens Paiva, casal cuja história foi retratada em "Ainda Estou Aqui", vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional
Neto de Rubens e Eunice Paiva, Chico Paiva esteve em Porto Alegre na semana passada para receber a Comenda Porto do Sol, entregue pela Câmara de Vereadores, sob proposição do vereador Roberto Robaina (PSOL). Ele conversou com a coluna.
Qual foi o seu sentimento ao assistir ao filme?
Para nós, é um sentimento de orgulho, de muita honra ao ter a história da nossa família contada por pessoas tão talentosas quanto Walter Salles, Fernanda Torres, Selton Mello e toda a equipe. Minha avó e minha mãe sempre me ensinaram que não deveríamos, nunca, pessoalizar a dor da família, uma busca por vingança, mas, sim, uma luta coletiva pelo país. Minha avó dizia que o grande crime foi praticado contra o país, e não só contra a nossa família. Que o filme possa servir de inspiração para que outras histórias sejam contadas, para que pessoas que estão, hoje, em lutas importantes também se sintam inspiradas. Fico até pensando que o meu avô e minha avó deveriam estar contentes, porque o filme serviu ao propósito ao qual eles dedicaram a vida inteira: uma luta pela democracia, pelos direitos humanos e sociais.
E o Oscar?
Eu estava lá, foi sensação de final de Copa do Mundo. Todo mundo nervoso. Nós nos juntamos, antes de a cerimônia começar. Todo mundo se abraçando, parecia aquela cena que vemos na Copa, dos jogadores no túnel, subindo para o gramado. Na hora do anúncio, foi uma explosão, um grito, nós nos abraçando, chorando, caindo uns por cima dos outros. Era uma sensação de alívio, porque, claro, o grande mérito do filme foi trazer essa discussão à tona, mas, naquele dia, se não tivéssemos ganho, ia ser um sentimento de velório.
Você participou da produção do filme?
Não. O Walter era já amigo (da família). Ele estudou com a minha tia Analu, já conhecia meu tio (Marcelo Rubens Paiva). Pelo meu tio ter sido o autor do livro que deu origem (ao filme), participou ativamente da construção de tudo, do roteiro e dos personagens. Eles conversaram bastante com a minha mãe, com meu tio e tias, porque são as pessoas que viveram aquela época. Nasci quase 20 anos depois do assassinato do meu avô. Eles tiveram, durante todo o processo do filme, muito cuidado. Queriam ter a segurança de que a família se sentiria representada, se sentiria orgulhosa do que estava sendo trabalhado.
O filme abre precedente para outras reparações históricas de torturados na ditadura?
Com certeza. Vemos que o Supremo já teve esse entendimento de mudar a certidão de óbito, na qual, antes, constava apenas o óbito, e agora consta que foi por meio de assassinato, pela violência de Estado. Agora, estão discutindo a revisão da lei da anistia, principalmente com base no fato de o corpo de meu avô nunca ter sido devolvido à família.
Ocultação de cadáver é um crime que ainda está em andamento, então você não pode anistiar. O filme dá esse gás para essa discussão voltar à tona e joga luz sobre outras coisas. Tivemos um presidente que, há dois anos, não reconheceu o resultado das eleições e que se articulou para tentar se manter no poder, fatos que culminaram nos atos de 8 de Janeiro. Trazer a memória dessa luta mostra para as pessoas o que foi a ditadura.
Os brasileiros querem viver em uma democracia. O grande mérito do Walter em contar a história do filme da forma como o fez enxugou esse ruído político e eleitoral em torno da discussão sobre ditadura e democracia e mostrou a história de uma família, que poderia ser qualquer família brasileira. Com aquelas cenas que estão lá, de almoços de família, reunindo os amigos, se divertindo, qualquer um se identifica. E ver aquela família sendo destroçada pelo autoritarismo simplesmente porque tinha um pai que discordava do regime mostra que não é uma questão de esquerda ou direita. Você pode ser de direita ou de esquerda, mas é necessário defender a democracia acima de tudo. _
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