14 DE MAIO DE 2018
L. F. VERISSIMO
Angústia
Uma das tantas teorias sobre o começo da civilização é a da angústia do pênis exposto. Quando os primeiros hominídeos desceram das árvores e foram viver na savana, uma das consequências de andarem eretos e terem que se espichar para pegar as frutas foi que seus órgãos sexuais ficaram expostos ao escrutínio.
Antes de darem às fêmeas, ou aos mulherídeos, a chance de organizarem uma sociedade de acordo com o que viam e determinarem que os mais bem aparelhados teriam o poder - o que inviabilizaria qualquer tipo de hierarquia baseada na inteligência e, principalmente, na antiguidade, além de decretar o fim da linhagem dos pintos pequenos, que nunca se reproduziriam -, os machos tomaram providências, começando a tapar suas vergonhas, coisa que nenhum outro animal tinha feito antes. A civilização, portanto, começou pelas calças. Ou o que quer que usassem nas savanas para tapar o sexo.
Tudo o que veio depois - a linguagem, o fogo, a roda, a escrita, a agricultura, a indústria, a ciência, as nações, as guerras, todas as afirmações masculinas que independem do tamanho do pinto - foi, de um jeito ou de outro, uma extensão das primeiras calças. Um disfarce, um estratagema do macho para roubar da fêmea o seu papel natural na evolução da espécie ao escolher o reprodutor que lhe servia pelas suas credenciais mais evidentes e não pelas suas poses e seus poemas. Toda a nossa cultura misógina vem do pavor de que a mulher retome seu poder pré-histórico e, não sendo nem prostituta, nem nossa santa mãe, queira tirar nossas calças.
A misoginia é um traço forte da tradição judaico-cristã. Nos espantamos com sua prevalência no mundo islâmico mas ela também subsiste, mal camuflada, nos costumes e nas artes do Ocidente, onde a mulher predadora é um terror constante. E o que são a supervalorização da virgindade e a estigmatização civil do adultério, como constam na lei brasileira, senão uma tentativa de garantir que a mulher só descubra o tamanho do pênis do marido quando não pode fazer mais nada a respeito? Continuaríamos vivendo a angústia das savanas.
Independentemente das teorias, a virgindade é um tema para muitas divagações. Ninguém, que eu saiba, ainda examinou a fundo, sem trocadilho, todas as implicações do hímen, inclusive filosóficas. Já vi o hímen - que, salvo grossa desinformação anatômica, não tem qualquer outra função biológica a não ser a de lacre - descrito como a prova de que o Universo é moralista. E, levando-se em conta a dor do defloramento e mais as agruras da ovulação e do parto em comparação com a vida sexual fácil e impune do homem, também é misógino. Mas, em comparação com o que a mulher, historicamente, sofreu num mundo dominado por homens e seus terrores, o que ela sofre com a natureza é pinto. Com trocadilho.
L. F. VERISSIMO