sábado, 22 de janeiro de 2022


22 DE JANEIRO DE 2022
FLÁVIO TAVARES

CEM ANOS

Neste 22 de Janeiro, Leonel Brizola faria cem anos se não nos tivesse deixado em junho de 2004. Desde então, somos todos órfãos políticos, e não só os que o seguiam e nele confiavam, mas até os que criticavam o seu estilo direto e aguerrido.

Sim, pois ser órfão na política consiste em não ter ponto de referência como modelo a imitar ou, até mesmo, a criticar. E Brizola sintetizou tudo isto. No universo partidário do Brasil, até hoje não há outro que tenha se mantido fiel ao que dizia ou prometia.

Direto, não se escondia. Convivi com ele em diferentes momentos. Como jornalista, nos anos 1960, acompanhei cada passo do então governador gaúcho. Num tempo de preconceitos, iniciou a reforma agrária doando ao Estado a própria fazenda. Construiu escolas e, com o lema "Nenhuma criança sem aula", fez do magistério uma profissão digna e bem-remunerada.

Encampou os serviços de eletricidade e telefonia e provou em juízo que as concessionárias enviaram aos EUA lucros ilegais superiores ao acervo em si. Como indenização simbólica, depositou no Banrisul 1 cruzeiro, a moeda de então. Comandou o movimento da Legalidade, sua façanha maior, ao enfrentar os chefes de Exército, Marinha e Aeronáutica e derrotar o golpe militar que impedia a posse do vice-presidente João Goulart.

Eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro (foi o mais votado no país), quis resistir ao golpe de 1964. Exilado, com ele partilhei as tentativas de luta contra a ditadura e aí o conheci profundamente.

Em Lisboa, no final do exílio, moramos no mesmo hotel, até que a anistia nos fez voltar ao Brasil em fins de 1979. Aqui, ele refundou o trabalhismo com o viés socialista que aprendera em Portugal, com Mário Soares, e na Alemanha, com Willy Brandt.

Por duas vezes, elegeu-se governador do Rio de Janeiro e deixou como herança os Cieps, Centros Integrados de Ensino, de fato a grande revolução educacional, hoje abandonada.

Candidato a presidente na primeira eleição direta após a ditadura, ficou em terceiro lugar, com poucos votos abaixo do segundo colocado. Tempos após, apareceram indícios da fraude que o impediu de concorrer contra Collor no segundo turno.

Tudo isto compõe, em síntese, o que define Brizola na política. No lado humano, porém, nada me comoveu mais do que a tarde, em Lisboa, em que tocou a gaitinha de boca, seu passatempo secreto. Executou velhas marchinhas e concluiu com o Hino Nacional.

Foi como se voltasse à pureza da adolescência.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

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